Prezado Hélio,
Nunca esperei que minhas coisas fossem lidas no Brasil com a
atenção e seriedade com que você as lê.
Parecia-me que isso só viria a acontecer por volta de 2070,
caso ainda existissem brasileiros. Sinceramente, estou
impressionado. O simples fato de você perceber que alguns
dos meus escritos jornalísticos são compactados de
demonstrações implícitas já faz de
você um leitor muito especial, daqueles para os quais um
autor se alegra de escrever.
Se você continuar assim, logo alcançará a
maior glória que um filósofo pode alcançar no
Brasil, que é ser chamado de filósofo entre aspas
pelas pessoas que não sabem o que é filosofia sem
aspas. Abração e vá em frente.
Olavo de Carvalho
Olavo e Newton - Parte I
Hélio Rodrigues Pereira
13 de março de 2009
ÍNDICE
Prefácio
1- Introdução
2- Porque Olavo é filósofo?
2.1- Olavo sobre os princípios elementares, de
Chesterton a Lukasiewicz
2.1.1. A concepção de Chesterton
2.1.2. A concepção histórica: dos
antigos filósofos a Hilbert
2.1.3. A concepção de Lukasiewicz
2.1.4. A concepção de Olavo de Carvalho
2.2- Olavo e a Teoria do Sujeito-Objeto
2.3- Olavo e a filosofia aristotélica
2.4- Olavo e a Teoria dos Quatro Discursos
3- Resumindo o artigo
4- A filosofia e a ciência no newtonismo
5 – Os problemas da intuição na
ciência
Prefácio
Os defensores de Olavo de Carvalho têm sofrido uma
injusta acusação. Acusam-nos de simpatizarem com
ele somente por causa de afinidades ideológicas, como
se aceitassem indiscriminadamente qualquer coisa que ele
escreva em função de alguma forma de fanatismo
que faz seus admiradores agirem como uma torcida organizada.
Embora eu não possa negar que existem aqueles que agem
assim, afinal isso faz parte da natureza humana, a verdade
é que eu quero defender aqueles que apreciam seus
textos por outros motivos além daqueles que seus
acusadores estão habituados a supor. Meu
propósito é tentar mostrar o quanto tal
acusação pode ser injusta. Para atingir este
objetivo, primeiro vou apresentar as razões que
justifiquem o porquê dele merecer ser lido e ser
considerado um filósofo. Em seguida vou apresentar
algumas objeções ao texto
/semana/060615jb.html
mas não sem antes mostrar também que muito do
que foi afirmado pelo seu autor de fato procede, e para este
fim, será apresentado uma versão daquilo que
penso ter entendido de seus argumentos. Que isso sirva para
esclarecer que o fato de alguém apreciar seus artigos,
não significa que o esteja fazendo sem espírito
crítico, e para tanto, busquei fazer um trabalho digno
e honroso a todos os lados desta questão.
INTRODUÇÃO
O artigo do filósofo Olavo de Carvalho:
/semana/060615jb.html
é muito mal compreendido. Seus críticos, ou
não entendem exatamente o que o texto quer dizer, ou
desconhecem muito daquilo que é tomado como base para a
tese defendida, pois suas reações são
dominadas pela indignação diante dos ataques aos
méritos de Newton e sua mecânica. Por outro lado,
as idéias deste texto são apresentadas de modo
problemático, pois assumem uma série de
pressupostos. É difícil não receber com
estranheza uma tal exposição sem estar informado
das considerações e análises que o
precederam. Possivelmente muitos dos argumentos que poderiam
explicar o que parece ser uma especulação sem
justificativa, não pôde estar presente no texto
devido às restrições de espaço
impostas pelos rigores editoriais. Trata-se de fato, de uma
reflexão filosófica hermética, mas
é de um hermetismo atípico, pois não se
caracteriza pela profusão de um vocabulário que
exige estudos prévios, mas pela quantidade de
observações cujo significado só pode ser
absorvido após leituras anteriores, e familiaridade com
o pensamento de seu autor. Muitos daqueles que percebem de
imediato o que está sendo dito, talvez discordem disso,
alegando inclusive que se trata de uma visão intuitiva
que é inteligível a qualquer pessoa inteligente.
Para estes, o que posso dizer é que concordo que
existem muitos juízos intuitivos neste texto, mas por
outro lado, penso que existem aspectos que não foram
abordados nem pelo autor e nem pelos críticos, e que
precisam sê-lo para que se possa resgatar o que
está oculto, completar o que falta e reconstituir o
fio de Ariadne. É com este propósito
que justifico o porquê deste post ser escrito.
Contudo, antes de prosseguir, sabendo que muitos dos que
irão ler são seus detratores contumazes, sinto
que precisarei seguir uma metodologia especial, para
potencializar ao máximo a capacidade de que o que eu
venha escrever seja lido com um mínimo de respeito
necessário a um julgamento imparcial das idéias
aqui envolvidas. Em obediência a esta metodologia, antes
de apresentar o texto analisado na forma como eu entendi,
buscarei divulgar os méritos filosóficos de seu
autor para justificar o porquê dele merecer ser lido,
tentando expor isso de um modo ainda não tentado.
Após isso, será apresentado aqui o meu ponto de
vista sobre o tema, que se resume em dois pontos: a) As
críticas contra e a favor de Newton se dirigem a um
objeto de discurso que não corresponde aquilo que se
supõe ser debatido. b) O fenômeno cultural
apontado no artigo de Olavo, de fato existe, mas será
proposta aqui uma outra origem.
2- PORQUE OLAVO É FILÓSOFO ?
Para que se possa ter alguma expectativa razoável de
que eu vá conseguir apresentar razões
convincentes de que Olavo é um autor que merece
respeito e que no mínimo os seus textos
filosóficos deveriam ser lidos, a minha
estratégia será apresentar de que modo os
insights do filósofo acrescentam
informações adicionais à um debate em
processo.
Irei mostrar alguns exemplos em que o progresso em
determinadas discussões filosóficas recebeu uma
contribuição original capaz de responderem
muitas das questões em aberto, a partir de
concepções apresentadas em suas apostilas da
Internet. É com essa forma de
exposição que será possível dar
uma idéia mais acurada do valor filosófico de
suas idéias, na medida em que forem identificadas como
um ganho de informação nas
investigações pendentes.
2.1- Olavo sobre os princípios elementares, de
Chesterton a Lukasiewicz.
Um destes ganhos de informação que posso
ressaltar é a participação do
filósofo Olavo de Carvalho na evolução do
entendimento a respeito das propriedades dos princípios
elementares. Os princípios elementares, os postulados,
os axiomas, são os conhecimentos primeiros, ou as
afirmações primeiras, dependendo da postura que
se tem em relação a elas. São os
primeiros passos para erigir um discurso ordenado, uma teoria,
que faz das conseqüências destas primeiras
afirmações, um sistema gerador de
afirmações segundas e terceiras. Este sistema
gerador é reconhecido no mundo lógico e
matemático como uma atividade dedutiva, e possui a
utilidade do sistema dedutivo, que na economia do conhecimento
pode ser compreendido assim: como toda
argumentação teórica provém da
validade destas afirmações primeiras, tudo que
com é preciso se preocupar é que as tais
afirmações sejam válidas que o resto das
afirmações o será automaticamente.
Existem vários exemplos de teorias e filosofias
escritas seguindo este princípio explicitamente. A
geometria euclidiana se baseia nos conceitos primitivos de
reta, ponto e ângulo e algumas propriedades elementares.
A mecânica newtoniana se fundamenta nas três
primeiras leis. A análise matemática é
uma dedução das propriedades elementares da
teoria dos conjuntos e dos princípios que caracterizam
os números, e assim em diante.
Para atingir a meta estabelecida neste capítulo,
começarei com o artigo escrito por Chesterton em 22 de
junho de 1907, que fornece uma idéia de como estes
princípios costumam serem compreendidos:
2.1.1 – A concepção de Chesterton
http://www.chesterton.org/gkc/philosopher/v1n6.gkcessay.hm
"What modern people want to be made to understand is
simply that all argument begins with an assumption; that is,
with something that you do not doubt. You can, of course, if
you like, doubt the assumption at the beginning of your
argument, but in that case you are beginning a different
argument with another assumption at the beginning of it. Every
argument begins with an infallible dogma, and that infallible
dogma can only be disputed by falling back on some other
infallible dogma; you can never prove your first statement or
it would not be your first. All this is the alphabet of
thinking."
Tradução:
"O que as pessoas de hoje em dia precisam entender,
é simplesmente que todo o argumento começa com
uma suposição; isto é, com algo que
você não duvida. Você pode, claro, se for
de seu interesse, duvidar da suposição inicial
do seu argumento, mas neste caso você está
começando um argumento diferente com uma outra
suposição inicial. Todo argumento começa
com um dogma infalível, e tal dogma infalível
só pode ser questionado recorrendo a algum outro dogma
infalível; você nunca pode provar a sua primeira
declaração ou esta não seria a sua
primeira. Tudo isto é o be-a-bá do
pensamento."
Então, segundo Chesterton, os princípios
elementares nada mais são do que um dogma que
não se prova. Bom, esse ponto de vista parece
incompleto. Existem, além dos princípios
elementares que assumem o papel de dogmas, aqueles que fazem
parte de um conjunto coerente e que se provam mutuamente, e
neste caso os tais pressupostos adquirem uma legitimidade
ainda maior.
Para ilustrar, imagine uma situação em que
há os pressupostos 1, 2 e 3. O pressuposto 1 fundamenta
o 2, o pressuposto 2 fundamenta o 3 e o pressuposto 3
fundamenta 1. Pode haver necessidade de um pressuposto
adicional para fundamentar coisas que não podem ser
deduzidas dos pressupostos 1, 2 e nem de 3. Desta forma,
pode-se assumir uma outra premissa, o pressuposto 4. Se o
pressuposto 4 não deduzir e nem for deduzido pelos
pressupostos 1,2 e 3, então teremos um pressuposto
independente, ou, um axioma independente. Mas, segundo a
expressão: “Todo argumento começa com um
dogma infalível, e tal dogma infalível só
pode ser questionado recorrendo a algum outro dogma
infalível; você nunca pode provar a sua primeira
declaração ou esta não seria a sua
primeira.” Pode-se inferir que Chesterton aparentemente
não conhece a ilustração acima citada e,
portanto, se levarmos em conta suas observações,
os pressupostos 1,2 e 3 deveriam estar numa
relação hierárquica em que um prova o
seguinte, mas não é provado pelo seu sucessor.
Para que ninguém pense que a ilustração
citada é uma abstração hipotética,
menciono como exemplo que os
Axiomas de Peano e o Princípio da Boa
Ordenação, na Análise
Matemática, cumprem este papel de se fundamentarem mutuamente.
Todavia, é preciso dar um desconto a Chesterton, porque
seu interesse não era o de fazer
afirmações precisas sobre os princípios
elementares, mas o de mostrar a inutilidade, a
injustiça, de achar que um discurso só é
válido se todas as afirmações dos
discursos forem válidas, porque por tal
critério, nenhum discurso possível seria
válido pelo motivo de que sempre haverá
suposições assumidas que não podem ser
validadas em qualquer discurso. Tal exigência acabaria
por paralisar qualquer debate. Bom, como este não
é o foco desta discussão, o passo seguinte
é conferir o que mais está sendo dito sobre o
tema.
O texto a seguir é uma parte do livro do
acadêmico Décio Krause
Introdução aos Fundamentos Axiomáticos
da Ciência, publicado em 2002 e que é um tratado mais completo
que encontrei sobre o assunto.
2.1.2. A concepção histórica: dos
antigos filósofos a Hilbert
"É fato universalmente aceito que o
método axiomático é originário
da Grécia antiga, ainda que as razões de sua
origem sejam obscuras. A. Szabó, por exemplo,
sustenta que ele foi 'emprestado' dos matemáticos,
sendo originário da escola eleática, que tem
em Zenão de Eléia (que viveu no início
do século V A.C.) um dos mais destacados e cultores
do método dialético em filosofia. Como diz
Szabó, "eles [os gregos] estavam acostumados ao
fato de que, quando um dos contendores de um debate quer
provar algo ao outro, deve iniciar com uma
asserção que seja aceita por ambos. Essa
asserção era chamada de ?p???es??
[hipótese]- o alicerce do debate. Este método
foi mantido também na matemática
sistemática, a qual baseava-se em sentenças
que se acreditava eram aceitas por qualquer um sem prova, e
também chamadas hipóteses da
matemática. A primeira espécie de tais
hipóteses eram as definições,
as quais para os gregos eram os limites [contornos] dos
conceitos (noções ) usados em
matemática, e eram dados sem prova".
"Como salienta Szabó, há no entanto outra
maneira de entender a palavra 'hipótese' além
daquela de considerá-la uma asserção
inicial que não é demonstrada, e aceita
verdadeira sem prova. Trata-se de uma vê-la como uma
asserção que é posta
tentativamente para que se possa investigar a sua
veracidade. Ambos os usos são encontrados na
filosofia grega; o primeiro pode ser visto claramente (como
mostra este autor) no diálogo platônico
Fedon onde Sócrates fala de seu
'método' de iniciar com uma hipótese e
considerar como verdadeiro tudo o que se harmoniza com ela.
A forma de se visualizar essa 'harmonia' seria a
demonstração ou prova. A segunda
acepção é posta no diálogo
Teeteto, igualmente de Platão (429-348
a.C.), no qual é colocado o problema de se verificar
se o nosso conhecimento e nossas percepções
sensoriais coincidem. A alegada coincidência é
posta como uma hipótese, (na segunda
acepção acima), e é mostrada que ela
conduz a uma contradição, levando
Sócrates a concluir que tal hipótese
não pode portanto ser verdadeira. Este tipo de
raciocínio, tipicamente filosófico, teria
originado o método de prova mais interessante pela
matemática grega, o da prova indireta,
enormemente usado em matemática, como por exemplo
pelos pitagóricos para demonstrar a
incomensurabilidade da diagonal de um quadrado com o seu
lado, e teria origem na filosofia eleática, segundo o
mencionado autor.” [2]
Neste texto de Décio Krause, é feito um
levantamento histórico da origem do método
axiomático. É possível perceber
através deste trecho o modo como a demanda natural por
debates mais eficazes exigiu, por necessidade, a
elaboração e o uso dos princípios
elementares. Todavia, diferente do que Chesterton afirmou
anteriormente, tais suposições podem assumir
tanto o papel de um dogma ao qual não se prova, como
uma asserção cuja validade poderá ser
refutada pelas suas próprias conseqüências.
Mas ainda não acabou:
"O método axiomático, apesar de ter sido
usado por diversos autores importantes, como Arquimedes
(287-212 a.C.) e Isaac Newton (1642 - 1727),
só adquiriu maturidade no final do século
XIX, principalmente devido ao trabalho de
matemáticos como David Hilbert (1862- 1943). Aliás a radical mudança que se deu em
relação à interpretação
do método axiomático é assunto que nos
interessa, motivo pelo qual teceremos algumas
considerações a este respeito, ainda que
não abordemos em detalhes os aspectos
históricos, para os quais remetemos o leitor
às nossas referências.”[3]
"Quando estamos investigando os fundamentos de uma
ciência, devemos estabelecer axiomas que contenham
uma descrição exata e completa das
relações que subsistem entre as
idéias elementares dessa ciência. Os axiomas
assim postos são ao mesmo tempo as
definições dessas idéias elementares,
e nenhuma afirmativa no domínio da ciência,
cuja fundamentação está sendo
ensaiada, pode ser considerada correta a menos que possa
ser derivada daqueles axiomas por meio de um número
finito de passos lógicos
D. Hilbert, 'Mathematical Problems', 1902.
"Em seu Grundlagen der Geometrie, de 1899,
Hilbert apresenta uma axiomatização (aceita
como adequada para os padrões atuais de rigor ) da
geometria euclidiana. O importante é que, como
veremos abaixo, Hilbert não via necessidade de
atribuir conteúdo intuitivo aos conceitos utilizados,
como as definições acima referidas pareciam
pretender dar; para Hilbert esses conceitos teriam seu papel
determinado pelos axiomas da teoria. Este ponto particular
fez nascer uma importante polêmica entre o
matemático Gotlob Frege (1848-1925) e Hilbert acerca
da natureza do método axiomático.
Para Frege os conceitos primitivos deveriam ser
'evidentes', intuitivos, ao passo que para Hilbert, a sua
interpretação seria independente da sua
contraparte formal. Isso não quer dizer, que Hilbert defendesse que a
matemática deveria se tornar um puro jogo
combinatorial, destituída de significado, como ficou
difundido em tempos recentes. Leo Corry desmente esta
interpretação, mostrando que Hilbert jamais
abandonara o aspecto intuitivo de uma teoria
matemática, e que destacara que a
formalização, que grosso modo faria da teoria
um tal 'jogo destituído de significado', teria a
única função de diminuir ao
máximo aspectos intuitivos, como por exemplo a
suposição (dada sem prova ) mencionada acima
acerca da Proposição I de Euclides de que os
círculos se cortam, de forma a poder enfatizar a
contraparte lógica, bem como excluir possíveis
contradições e asserções
supérfluas que se pudessem assertar acerca da teoria.
No ano seguinte (1900) Hilbert distinguiu dois modos
básicos pelos quais os objetos poderiam ser
introduzidos na matemática: o
método genético (ou
construtivo) e o
método axiomático (ou
postulacional)."
“Por exemplo, os números reais são
introduzidos 'geneticamente' quando são definidos a
partir dos racionais (via cortes de Dedekind e
sequências de Cauchy, ou outro procedimento
equivalente ), sendo os racionais por sua vez dados como
certas classes de equivalência de inteiros, e estes
como certas classes de equivalências de números
naturais, os quais por sua vez podem ser
'construídos' no escopo da teoria dos conjuntos, como
conjuntos particulares.
Axiomaticamente, os números reais são
caracterizados pelos axiomas de corpo ordenado completo,
estrutura esta que tem os cortes de Dedekind ou certas
classes de equivalência de seqüências de
Cauchy, por exemplo, como modelos. Do mesmo modo os
números naturais podem ser caracterizados pelos
chamados axiomas de Peano." [4]
A partir deste estudo de Krause, foi feito um novo progresso.
Se em Chesterton, os princípios elementares são
dogmas que não se provam, no pensamento grego os
princípios elementares podem ser também uma
hipótese para explorar uma idéia cuja
conseqüência poderá refutá-la.
Já em Hilbert, na medida em que se identificam os
princípios elementares como axiomas, estes não
precisam estar restritos a qualquer elemento subjetivo. Ou
seja, de acordo com Hilbert, não é mais
necessário possuir uma justificativa para formular um
princípio elementar, estes não estão mais
obrigados a estar associados a um juízo intuitivo. Em
outras palavras, a auto-evidência de um axioma, em
Hilbert é o resultado de uma
interpretação que independe de como este axioma
foi formulado, o que difere da posição de Frege.
Frege, por sua vez, afirma que um axioma precisa ser
auto-evidente.
A posição de Hilbert era compreensível,
pois este tomou a defesa das Teorias dos Conjuntos de Cantor,
cuja formulação, embora fosse bastante
útil, estava em desacordo com o que muitos
matemáticos consideravam como adequado para se elaborar
conceitos matemáticos.
Mas, o que seria um axioma auto-evidente ? Hilbert diz que
é uma questão de interpretação,
Frege, por outro lado, defende que é
indispensável. Mas, afinal, como sabemos se um axioma
é auto-evidente ?
Bom, como será visto adiante, Lukasiewicz tem uma
posição completamente diferente de Hilbert,
Frege e Chesterton a respeito, não só, do papel
que deve ter um princípio elementar, mas possui
também uma noção peculiar do que seria um
axioma auto-evidente.
2.1.3. A concepção de Lukasiewicz.
"Em primeiro lugar, Lukasiewicz constata que o
princípio da não-contradição
não pode ser demonstrado com base em sua
evidência; com efeito, a 'evidência' em si mesma
não constitui critério seguro de verdade.
Também resultaria inconseqüente, por outro lado,
a tentativa de se derivar o Princípio a partir de
nossa estrutura psíquica, uma vez que leis
psicológicas apenas são suscetíveis de
comprovação através do método
experimental, e este não nos autoriza sequer a
formular a Lei da não-contradição como
princípio válido em primeira
aproximação. Uma terceira possibilidade seria,
então, procurar deduzir o Princípio da
definição de 'negação' ou de
'falsidade'. Se "A não é B" exprime,
por exemplo, simplesmente a falsidade de "A é
B", para natural concluir que essa
definição acarreta o Princípio.
Contudo, nos diz Lukasiewicz, isto não ocorre na
realidade: mesmo que aceitemos como correta a
definição precedente de falsidade, nada impede
que as proposições "A é B" e
"A não é B" sejam ambas verdadeiras;
apenas se impõe, como conseqüência, que a
proposição "A é B" é
simultaneamente falsa e verdadeira. A Lei da
não-contradição envolve a
noção de conjunção, e não
decorre unicamente da definição de falsidade
(ou negação)."
"O lógico polonês nos chama a
atenção para outra definição de
'verdade' e 'falsidade' que, de uma certa maneira, parece
ser mais fecunda que a tradicional: a
proposição "A é B" é
verdadeira se corresponde a algo objetivo; falsa, em caso
contrário. Similarmente, "A não é
B" é uma proposição verdadeira se
representa vínculo objetivo; falsa, caso tal fato
não se dê. Levando-se em
consideração tais critérios, nada
impede 'a priori' que as proposições "A
é B" e "A não é B" sejam
ambas verdadeiras, desde que representem
situações objetivas.
Lukasiewicz também observa que qualquer defesa do
princípio da não-contradição
deve, necessariamente, levar em conta o fato de que existem
'objetos contraditórios', como, por exemplo, o
Círculo Quadrado de Meinong. Para tais objetos, claro
está que o Princípio não é
válido. Obviamente o lógico polonês
não pressupõe que Aristóteles pudesse
ter trabalhado com base em tais considerações,
que fazem parte de um acervo de estudos que começou a
se desenvolver apenas a partir de meados do século
XIX, no esteio do florescimento da lógica
simbólica. Entretanto, isso não nos impede de
salientar a relevância intrínseca da
observação de Lukasiewicz: a existência
de 'objetos contraditórios' foi confirmada pelos
desdobramentos recentes da lógica, particularmente
pela Teoria dos sistemas formais inconsistentes. Podemos
hoje atestar a existência de teorias
lógico-matemáticas onde aparecem objetos
contraditórios e que, por conseguinte, derrogam o
princípio da não-contradição.
Tendo em vista tais perspectivas, o Princípio
não se mostra tão absoluto e intocável
quanto poderia parecer à primeira vista.
Aliás, Lukasiewicz afirma que, mesmo para
Aristóteles, o princípio da
não-contradição não poderia ser
uma lei suprema, ao menos na acepção de que
constitui pressuposição necessária de
todos os demais axiomas lógicos."
"Citando célebre passagem de Aristóteles
nos Analíticos Posteriores (An. Post. A, 11, 77a
10-22), o lógico polonês assevera que o
seguinte silogismo seria válido, de acordo com os
postulados do Estagirita:
B é A (e também não é
não-A)
C, que é não-C, é B e não-B
_________________________
C é A (e não é também
não-A)
O silogismo anterior é, portanto, válido,
embora a lei da não-contradição seja
violada. Meus parcos conhecimentos de silogística
não me permitem verificar se, de facto, o silogismo
proposto por Lukasiewicz é válido ou
não no quadro da lógica aristotélica;
no entanto, se o lógico polonês estiver
correto, será imperativo aceitarmos a
existência de leis válidas de raciocínio
que independem do princípio da
não-contradição.
A questão central a que agora chegamos pode ser
apresentada da seguinte forma: existem 'objetos' em
relação aos quais estamos certos da
vigência do princípio da
não-contradição?
Em sua análise, Lukasiewicz irá destinguir
três tipos de objetos: 1) os objetos reais; 2) as
"abstrações construtivas", livres
criações do intelecto, como, por exemplo, os
objetos da matemática clássica; 3) as
"abstrações reconstrutivas", que
são conceitos elaborados para representar coisas
reais. No tocante às abstrações
construtivas, paradoxos como o que Bertrand Russell
(1872-1970) descobriu em 1901, ao considerar a
questão do Conjunto de todos os conjuntos que
não são membros de si mesmo, indicam que, na
maioria dos casos, jamais teremos certeza de que não
irão violar o princípio da
não-contradição. No que concerne
às abstrações reconstrutivas, que bem
espelham o realidade objetiva, e aos objetos reais, eles
parecem estar protegidos da contradição. Com
efeito, parece haver certeza de que não existem
contradições diretamente perceptíveis
na Realidade, pois as negações correlacionadas
a juízos de percepção não
são elas mesmas perceptíveis, pelo menos em
nossa experiência cotidiana."
"No atual estágio de nosso conhecimento, temos a
tendência a admitir como correta a
constatação de qualquer
contradição 'real' só pode ser
'mediata', resultado de inferências. Por outro lado,
no entanto, não podemos esquecer o fato de que, desde
os primórdios da filosofia, é recorrente a
tese de que o 'movimento' e a 'mudança'
necessariamente envolvem contradições (a este
respeito, podem ser mencionadas as aporias de Zenão
de Eléia). Muito embora essas dificuldades
lógicas tenham sido sempre eludidas por meio de
esquemas teóricos, posto que decorrem de
inferências, não parece haver nenhum prova
definitiva de que não existam
contradições no 'mundo' objetivo. Portanto,
não existe, também, qualquer prova positiva e
inequívoca de que o princípio da
não-contradição possui plena
vigência em relação aos objetos reais e
abstrações reconstrutivas. Contudo, na medida
em que podemos verificar que o Princípio é
'útil', devemos encará-lo apenas como
suposição ou hipótese que norteia e
confere forma à indagação
científica, regulamentando certas
teorizações do Real.
Para Lukasiewicz, pois, o princípio da
não-contradição carece de qualquer
dignidade lógica a priori; possui, não
obstante, um valor ético e 'prático' sumamente
importante.
Como enfatiza o lógico polonês, se não
aceitássemos a validade do Princípio para as
atividades 'práticas', estaríamos sujeitos a
toda sorte de problemas. Assim sendo, para a vida
ordinária (atividades comunicativas, sociais, etc.),
como Aristóteles já havia assinalado, o
princípio da não-contradição
constitui pressuposto fundamental. Todavia, é
necessário sublinhar que imprescindibilidade
prático-ética do Princípio é
matéria totalmente distinta de sua validez
lógico-teórica. A conclusão de
Lukasiewicz a este respeito não deixa de ser assaz
perturbadora: a necessidade de se reconhecer como
'válida' a lei da
não-contradição é tão
somente um sintoma da imperfeição ética
e intelectual do Homem."
"O lógico polonês sustenta que
Aristóteles percebeu a importância
prático-ética do princípio da
não-contradição, mesmo que tal
constatação não tenha sido claramente
formulada em sua obra. Numa época em que o
declínio político da Grécia já
era patente, o Estagirita tornou-se o fundador e principal
promotor de um trabalho filosófico-científico
sistemático e de grande rigor. É muito
provável que o filósofo grego, especula
Lukasiewicz, encarasse todo esse esforço intelectual
como um instrumento poderoso para a futura grandeza de sua
nação. A negação do
Princípio, por conseguinte, deixaria livre o caminho
para toda a sorte de falsidades e incertezas, abalando as
então frágeis estruturas da
investigação científica.
Concluindo seu artigo, Lukasiewicz argumenta que
Aristóteles, talvez justamente por ter percebido a
fraqueza e a inconsistência de seus postulados, mas
tendo plena consciência da importância
'prática' que ela envolvia, acabou por estabelecer o
princípio da não-contradição
como fronteira última que não poderia ser
ultrapassada por um discurso racional."[5]
Até aqui, foi possível acompanhar os diversos
pontos de vista sobre os princípios elementares. Se em
Chesterton os princípios elementares são dogmas
que não se provam, não importando se são
auto-evidentes ou não, para Hilbert, a
auto-evidência é uma interpretação
que não deve influir na formulação dos
axiomas, posição essa que Frege discorda, pois
assume que os axiomas precisam ser auto-evidentes.
Contudo, ainda existe uma posição completamente
diferente de tudo que tem sido proposto até agora.
É que Lukasiewicz defende que até mesmo os
axiomas auto-evidentes, considerados mais irrefutáveis,
como o princípio da
não-contradição, seria na verdade,
refutável, e com isso chegou-se ao extremo oposto
daquilo que foi afirmado inicialmente: Ao contrário de
Chesterton, ao qual afirma que os princípios
elementares são dogmas que não se provam,
Lukasiewicz diz que até mesmo o princípio da
não contradição é refutável
e que o conceito de auto-evidência não passa de
uma ilusão psicológica por motivos morais. A
participação de Chesterton nesta
exposição possui inclusive um significado
adicional. É que, confirmando num certo sentido as
palavras de Lukasiewicz, ele entende haver uma conexão
entre moral e verdade, algo que este último nega e
aponta, inclusive, como a causa da impressão geral de
se achar que o princípio da não
contradição é uma verdade
necessária.
Se o leitor neste momento pensa que o assunto foi esgotado,
que já foi dito tudo que é concebível
para ser dito sobre os princípios elementares, os
axiomas, engana-se. Por incrível que possa parecer,
ainda existe algo dizer. Este algo é a resposta que
Olavo deu aos argumentos de Lukasiewicz.
2.1.4. A concepção de Olavo de Carvalho.
"O princípio de identidade é de ordem
metafísica e sua contestação, para
valer, tem de ser metafisicamente válida. A de
Lukasiewicz não é nem pretende ser. Ela
pretende apenas demonstrar que na lógica
construtivista podemos lidar com objetos
contraditórios (coisa que Aristóteles
não apenas não contesta, mas afirma
resolutamente), e obviamente todos os objetos dessa
lógica existem apenas como definições
hipotéticas e não têm o mínimo
alcance metafísico. A possibilidade de construir
raciocínios contraditórios é a base
mesma da dialética de Aristóteles, mas
Aristóteles jamais cairia na esparrela de confundir a
ratio arguendi com a ratio essendi."
"Quando Lukasiewicz afirma que "existem"
objetos contraditórios, a palavra
"existência" é aí usada para
designar a mera possibilidade de uma coisa ser logicamente
construída. É um erro tão
primário que não mereceria
atenção, se não fosse pela elegante
linguagem lógica que o encobre.
Toda a argumentação de Lukasiewicz destinada a
impugnar o princípio de identidade subentende a
identidade das proposições e conceitos que a
expressam. Este é o típico caso de uma regra
geral que tenho adotado como critério para o exame
crítico de teorias filosóficas: quando o fato
mesmo de uma teoria ser enunciada desmente o conteúdo
dessa teoria, a teoria pode ser descartada como simples caso
de confusão mental. Quando Lukasiewicz afirma que as
proposições "A é B" e "A
não é B" podem coexistir logicamente, ele
não apenas não distingue entre
coexistência "in re" e "in verbis"
(distinção que está fora do alcance do
puro construtivismo), como também subententende como
constantes e idênticas a si mesmas as
definições de A e de B, pois, se lhes
aplicasse o mesmo princípio da coexistência dos
contraditórios que acaba de afirmar, não teria
duas e sim quatro definições, e assim por
diante indefinidamente, o que mostra que sua pretensa
contestação do princípio de identidade
dá por pressuposta a validade desse mesmo
princípio, apenas mostrando que sua
negação é pensável, porém
pensável, precisamente, como
autocontradição que se automultiplica
indefinidamente. Toda essa confusão nasce do mau
hábito de cortar as ligações da
lógica com a ontologia, obtendo uma lógica de
pura invenção construtivista da qual se tiram,
em seguida conclusões que pretendem ser
ontologicamente válidas, introduzindo
subrepticiamente no discurso termos como
"existência". Tudo isso é de uma
burrice sem par, aliada a uma formidável
malícia."
"Dizer, por exemplo, que a noção de
identidade envolve a noção de
conjunção, é coisa válida em
pura lógica construtivista, mas não em
metafísica. Na identidade de um ser consigo mesmo
não há conjunção nenhuma. A
conjunção entra em jogo apenas na
construção da proposição
lógica que traduz essa identidade para o microcosmo
verbal. Atribuir, retroativamente, à identidade do
ser as qualidades formais da proposição que o
designa é o mesmo que pentear, em vez dos
próprios cabelos, a sua imagem no espelho.
É verdade que Lukasiewicz admite a
distinção entre validade lógica e
ontológica, mas, na medida em que ele admite
também uma lógica não-ontológica
que ao mesmo tempo possa servir de critério de
veracidade nas ciências, essa admissão fica sem
efeito, de modo que ele pode continuar a tirar impunemente
conclusões ontológicas de puros formalismos
construtivos. Enfim, é uma confusão dos
diabos.” [6]
Ao longo deste texto, Lukasiewicz é refutado
duplamente: a) ao mostrar precisamente onde foram cometidos os
erros em seu argumento de impugnar o princípio da
não-contradição b) ao identificar
propriedades tais nos axiomas auto-evidentes, que permitem
até mesmo que estes sejam distinguidos das outras
fórmulas, fundamentando inclusive, o princípio
da não-contradição, algo que Lukasiewicz
não acreditava ser possível porque provavelmente
não tentou imaginar um meio de fazê-lo.
Em relação à refutação
“a)”, os erros de Lukasiewicz podem ser divididos
em três grupos: confundir a lógica com a
dialética, assumir como válido o pressuposto que
pretende negar e confundir a representação de
uma coisa com a própria coisa representada, abordando
formalmente ambas como se tudo fosse uma coisa só.
É justamente o pensamento dialético que
justifica a existência de objetos contraditórios,
na medida em que estão numa situação
intermediária onde suas definições ainda
estão sendo depuradas pelos argumentos opostos. A
utilidade de um objeto assim, se compreende quando a sua
concepção é entendida como um estado
qualquer de um progresso no discurso que posteriormente
terá suas inconsistências resolvidas, e desta
forma deixará de ser um objeto contraditório,
para ser um objeto logicamente válido. Considerando
isso, o valor dialético de um objeto
contraditório, conforme vai justificando sua utilidade
no discurso, acaba por ser tomado como um objeto logicamente
válido porque o papel que este assume enquanto parte
integrante de uma linha de argumentação, passa a
receber equivocadamente a mesma legitimidade que se atribui a
uma etapa de um raciocínio lógico. Em
particular, o paradoxo de Russel, ao invalidar a Teoria
Conjuntos como formulada por Cantor, ao mesmo tempo em que
tais conjuntos eram um instrumento eficaz para o
desenvolvimento da matemática, não favoreceu a
legitimidade de objetos não-contraditórios. O
verdadeiro significado do Paradoxo de Russel, é que
este apenas indicou que o objeto matemático
identificado com o Conjunto de Cantor, ainda estava em fase se
depuração dialética que terminou por ser
concluída, até onde se sabe, na proposta
axiomática de Zermelo-Fraenkel.
Quanto ao segundo grupo da refutação
“a)”, fica mais claro perceber que o pressuposto
que se pretende negar é assumido, quando é
analisado uma parte do seguinte silogismo de Lukasiewicz:
B é A (e também não é
não-A)
C, que é não-C, é B e não-B
_________________________
C é A (e não é também
não-A)
Tomando a fórmula “C, que é não-C,
é B e não-B”, é possível
abstrair uma mensagem subtendida que afirma que o mesmo C que
é definido como sendo não-C, é igual ao C
que também é definido como sendo B e em seguida
pode ser identificado com o C que é assumido como
não-B. Se qualquer um dos C’s citados deixa de
ser igual a algum outro C que está incluído na
fórmula analisada, violando o princípio da
não contradição, então a
inferência seguinte não pode ser realizada.
Por ultimo, existe uma associação que
está implícita nos argumentos de Lukasiewicz,
que é a de tomar as afirmações que
são feitas para as relações
algébricas da lógica proposicional, e assumi-las
como portadora de significado ontológico. É esta
postura que tornou plausível a Lukasiewicz fazer
manipulações simbólicas, que se
formalmente justificariam a negação do
princípio da
não-contradição, por outro lado, ao se levar em conta o que cada passo da
argumentação significa, o resultado seria uma
reflexão impossível. Este mesmo erro Lukasiewicz
vai tornar mais evidente ao dizer “que a
noção de identidade envolve a
noção de conjunção”, pois
“é coisa válida em pura lógica
construtivista, mas não em metafísica. Na
identidade de um ser consigo mesmo não há
conjunção nenhuma”.
Mas o filósofo Olavo não só demoliu os
argumentos de Lukasiewicz. Ele foi adiante e mostrou uma coisa
inédita para a maioria dos livros de lógica: que
os axiomas auto-evidentes possuem uma propriedade
específica que permite distingui-los das outras
espécies de formulações lógicas, e
que, portanto, não são auto-evidentes por
interpretação ou pragmatismo moral, mas
são auto-evidentes por um motivo que pode ser detectado
mediante o manuseio das fórmulas lógicas!
O método de verificação de Olavo de
Carvalho:
"1. "Eu estou aqui": Esta
proposição é auto-evidente sempre que
proferida por um sujeito a respeito de si mesmo, não
é tautológica e é unívoca.
2. Sua contraditória, "Eu não estou
aqui" significa "Não sou eu quem
está aqui", ou "Este lugar não
é aqui"? Sendo impossível decidir, a
proposição é ambígua, e portanto
"Eu estou aqui" é auto-evidente."[7]
Ou seja, um axioma é auto-evidente porque ao se gerar
uma nova fórmula mediante a sua negação,
o resultado será uma expressão dúbia
incapaz de determinar o que, no axioma original, está
sendo negado. Podemos imaginar, para a sentença
“Eu estou aqui”, a sua negação sob
forma de um cenário em que alguém aponta para um
quadro que representa uma pessoa e uma paisagem e diz:
“eu não estou aqui”. É a paisagem
que não representa o lugar onde ela está ou
é a pessoa pintada que não é ela ?
Testando o método de Olavo no
princípio da não-contradição.
"1. O princípio de identidade A = A é
auto-evidente, não porque tal nos pareça ou
porque tenhamos um sentimento de certeza de que é
auto-evidente, mas porque sua contraditória, A ¹
A, tem duplo sentido: se A ¹ A, o sujeito da
proposição não é igual ao seu
predicado, mas, sendo a proposição
reversível — o predicado tornando-se sujeito, e
o sujeito predicado —, temos então dois
sujeitos diferentes, que são ambos sujeitos da mesma
proposição: A1 ¹ A2. Logo, a
sentença A ¹ A não é
unívoca e não pode ser unívoca, donde
se patenteia que A = A é auto-evidente."
"2. A objeção tola de que essa
demonstração por sua vez dá por
pressuposto o princípio de identidade cai ante a
verificação de que a objeção
também o dá por pressuposto. O
propósito aliás não é aqui
"demonstrar" o princípio de identidade mas
sim demonstrar a impossibilidade de sua
negação unívoca."[8]
Ou seja, um axioma é auto-evidente porque ao se gerar
uma nova fórmula mediante a sua negação,
o resultado será uma expressão dúbia
incapaz de determinar o que, no axioma original, está
sendo negado. Podemos imaginar, para a sentença
“Eu estou aqui”, a sua negação sob
forma de um cenário em que alguém aponta para um
quadro que representa uma pessoa e uma paisagem e diz:
“eu não estou aqui”. É a paisagem
que não representa o lugar onde ela está ou
é a pessoa pintada que não é ela?
Para aquele que tem acompanhado tudo desde o início,
comparando cada um dos comentários que se referiam ao
conceito de auto-evidência, irá perceber uma
abordagem inovadora pelo filósofo Olavo de Carvalho.
Chesterton entende como um dogma que não se prova,
Hilbert o considera como uma questão de
interpretação e Frege defende a sua necessidade.
Mas é o filósofo Olavo que propõe um
método para obter uma espécie de prova indireta,
onde a falsidade da proposição se manifestaria
por meio de uma expressão incomunicável,
ambígua, cujo significado é dúbio e
não permite meios para determinar o quê,
especificamente, está sendo dito. Jamais se encontrou
em alguma publicação, algo mostrando um esquema
que sirva de critério para abstrair uma propriedade
específica dos axiomas auto-evidentes, e
principalmente, que revele no
princípio da
não-contradição, uma característica singular fazendo de sua natureza
auto-evidente algo de concreto e não apenas uma
impressão subjetiva.
Axiomas auto-evidentes são aqueles que quando negados
resulta numa forma de indefinição, uma ruptura
entre o sujeito e o objeto.
2.2 - Olavo e a Teoria do Sujeito-Objeto.
O filósofo Olavo de Carvalho explicou que a
ambigüidade resultante da negação dos
axiomas auto-evidentes é um efeito da ruptura entre o
sujeito e o objeto. Ocorre que para o filósofo, este
efeito não é somente uma curiosidade
lógica, mas o sintoma de uma degradação
do pensamento filosófico moderno, que ao repetir a
ruptura manifestada pela negação dos axiomas
auto-evidentes, acaba mostrando ser no fundo tão
inconsistente quanto qualquer formula lógica
trivialmente absurda, portando inclusive, o sinal
inconfundível de todas as contradições.
Além disso, na medida em que a defesa da
consciência individual é identificada com a
preservação da unidade desta mesma
consciência, onde, por sua vez, é representada
pela unidade do sujeito, do “eu”, unidade esta que
se projeta no pressuposto assumido pelo
princípio da identidade, o pressuposto que no
fim das contas foi abandonado na postura subjetivista da
filosofia moderna, sendo este o verdadeiro significado da
fraqueza que estaria na raiz de suas nefastas
conseqüências; fica caracterizada uma
concepção filosófica
originalíssima que propõe a existência de
um conjunto de nexos que em nenhum outro livro ou
publicação no Brasil será, ao menos,
sugerido: a da unidade da consciência com a unidade do
eu, a unidade do eu com o
princípio da identidade, o
princípio da identidade com a integridade da
relação entre o sujeito e o objeto, e a ruptura
da relação entre o sujeito e objeto com a
fraqueza epistemológica das filosofias modernas[9].
São quatro, os nexos relatados acima. Mas existe um
quinto nexo que pode ser encontrado entre esta ruptura da
unidade do sujeito-objeto com o conceito por ele criado
chamado de paralaxe cognitiva . A
paralaxe cognitiva, um conceito criado pelo
filósofo que pode ser definido como “o
deslocamento entre o eixo da concepção
teórica e o da perspectiva existencial concreta do
pensador”[10] em que “as próprias
condições existenciais nas quais a teoria brotou
e se desenvolveu trazem o desmentido completo do
conteúdo da teoria”[11], seria um sintoma de uma
patologia espiritual que tem como causa o desdobramento da
falha teórica em conceber a possibilidade de
conhecimento por meio da separação do sujeito
com o objeto, um conseqüência previsível da
tendência de se separar o objeto observado de seu foco
de observação.
2.3 - Olavo e a filosofia aristotélica
Todo este quadro característico da
degradação do pensamento moderno, segundo a tese
de Olavo de Carvalho, é especialmente pertinente com a
sua interpretação, também original, do
papel que o aristotelismo ocupou no desenvolvimento da
filosofia grega. A relação entre a doença
de espírito e a atitude intelectualmente
irresponsável dos sofistas, fica evidente quando em sua
apostila é ressaltada a inspiração
médica que motivou as teorias de Aristóteles,
que teria tomado como seu modelo orientador, o conceito de um
organismo vivo, daí se chamar Organon a
coleção que reúne seus trabalhos. A
unidade de conjunto que permite o funcionamento
saudável do organismo serve de referência a uma
busca de unidade no conhecimento, e este ideal de unidade
servirá por sua vez, de diagnóstico para a
crescente incoerência da mentalidade social.
Mas um outro motivo justifica a leitura de Olavo de Carvalho,
em seus estudos filosóficos, é a sua capacidade
de realizar explicações engenhosas sobre
vários aspectos implícitos ou obscuros do tema.
Um exemplo disso pode ser lido aqui:
“Em Sócrates, a divisão entre o aspecto
existencial e o conceptual era apenas técnica; era um
artifício através do qual Sócrates
tentava apreender um aspecto mais valioso da realidade,
digno de ser investigado. Em Platão, esse aspecto
separado por Sócrates é enfatizado como sendo
ele mesmo a realidade, ao passo que o aspecto existencial,
acidental e transitório é visto como uma
espécie de tecido de aparências que nos oculta
a verdadeira realidade. A passagem de Sócrates para
Platão é bastante nítida; é uma
diferença quase abissal. Uma coisa é dizer que
vale mais a pena olhar a realidade por determinado aspecto
por ser ele mais revelador; outra coisa é dizer que
este aspecto é que é real e que o outro
é, se não totalmente falso, pelo menos
parcialmente ilusório."
"Podemos resumir tudo dizendo que em Sócrates a
divisão dos dois mundos ou aspectos tinha um sentido
metodológico, ou gnoseológico, e em
Platão passa a ter um alcance ontológico.
Um preceito metodológico ensina como você
deve investigar as coisas; um princípio
ontológico estabelece como as coisas realmente
são...
Muitas vezes, na história do pensamento e na
história das ciências, aconteceu que
preceitos metodológicos se transformaram em leis
ontológicas.”[12]
Que pensador é tão ousado a ponto de fazer uma
descrição precisa do modo como a epistemologia
aristotélica superou a platônica?
Perceba o leitor como este trecho abaixo demonstra uma
capacidade de conceber um nexo entre tantos detalhes
minuciosos, ao contrário de muitos autores que
acreditam que o conhecimento deve ser expresso como uma
coleção enciclopédica de dados
incoerentes. Costurando idéias e personalidades que
vão desde Platão, passando por um historiador da
arte até Jung, existe uma tese única e singular
que é diferente de todo tipo de concepção
estereotipada que é comum em apostilas
universitárias e artigos acadêmicos:
“A doutrina dos dois mundos é quase um
tendência natural do espírito humano. Hoje
vemos, dois mil e tantos anos depois de Platão, que
certo platonismo já aparecia na arte do homem das
cavernas. Isto foi destacado por um grande historiador da
arte, chamado Wilhelm Worringer. Ele observou que o homem
primitivo, longe de ser um cidadão perfeitamente
integrado na natureza, sentindo-se perfeitamente bem ali,
é, ao contrário, um ente aterrorizado pela
natureza imensa que o cerca, cheia de imprevistos e
ameaças incompreensíveis. Por isso mesmo, a
arte dos povos primitivos, longe de ser uma arte
naturalista, uma arte que retrate a natureza com toda a sua
variedade de formas e cores e seres, é uma arte
simplificadora, uma arte geométrica, que expressa um
impulso abstrativo muito intenso. Worringer explica assim
este estilo de arte: quando o mundo real nos parece
demasiadamente complicado ou ameaçador, tendemos a
nos refugiar num domínio intelectual puro, para
podermos encontrar dentro dele os princípios de
organização simplificadora, com os quais mais
tarde voltaremos a tentar nos instalar no mundo externo.
Como você não está entendendo o que se
passa fora, recua para organizar os próprios
pensamentos. Depois de os ter organizado, volta à
ação exterior. Ora, uma arte de
ornamentação puramente geométrica
é o que se observa em praticamente todas as
sociedades tribais; e uma arte naturalista, na qual o
artista se deleita em copiar as formas da natureza,
só aparece nas sociedades organizadas, na polis. O
naturalismo, a curtição da natureza,
são próprios do homem civilizado, e não
do primitivo. Para este a natureza é um caos, porque
ele não tem poder sobre ela."
"A partir da hora em que consegue organizar o
pensamento humano, e em consequência, a sociedade,
coloca uma hierarquia, coloca todo mundo para trabalhar,
monta as cidades, cria sistemas de produção e
defesa, e afinal sente-se mais seguro e face desta natureza,
então sim os aspectos terrificantes dela são
atenuados e começam a aparecer os aspectos
estéticos. A beleza da natureza só é
visível depois que você está a uma boa
distância dela.
Esta arte primitiva tem também um sentido religioso,
ritual, de modo que as formas puramente geométricas
expressam um realidade que, não sendo visível
neste mundo, não estando na natureza, é no
entanto superior a ele, e na qual o homem se sente protegido
contra o caos exterior. Expressa um mundo de
relações puramente espirituais,
angélicas. São símbolos, signos
mágicos ou religiosos. Podemos ver nestes
fenômenos descritos por Worringer uma espécie
de platonismo primitivo, e aí entenderíamos o
platonismo não apenas a filosofia de um certo
cidadão, mas como uma tendência constante do
espírito humano, e que reaparece sempre que a
situação fica caótica e o homem,
não conseguindo entender o que se passa, procura em
primeiro lugar reordenar o seu mundo interior. Por isto
dizia Alain que Platão é o filósofo bom
para os que estão em dificuldades interiores, ao
passo que Aristóteles é para os cientistas e
pesquisadores do mundo.
Num outro contexto completamente diferente, Carl-Gustav
Jung, que não levo muito a sério como
teórico mas cujas observações
clínicas são primorosas, notou que sonhar com
objetos geométricos acontece na hora em que a
anima está dialogando com o superego (anima
é a parte da psique que congrega desejos,
aspirações de felicidade; superego é
senso imanente de autoridade, legalidade interna), no
sentido de obter autorização para fazer alguma
coisa que ela deseja. Na hora e que se estabelece este
diálogo que visa reordenar a relação
entre as leis e os desejos, é que o sujeito
começa a sonhar com figuras geométricas."
"O geometrismo expressa um princípio de
reorganização da mente. Por um motivo muito
simples: o geométrico forma uma espécie de
ponte entre o puramente matemático e o
sensível. As matemáticas começam a se
desenvolver primeiro pela geometria e só depois
chegam à aritmética pura. No tempo de
Platão, a geometria já estava bastante
desenvolvida e a aritmética só começa a
caminhar uns quatro séculos depois. É mais
fácil raciocinar matematicamente com figuras
geométricas do que com números abstratos. O
geometrismo aparece como um diálogo, uma
intermediação entre a parte sensível e
a parte inteligível, ou como diria Jung, entre a
anima e o superego.
O geometrismo é um recuo para uma
reorganização interior, um rearranjo entre as
exigências da alma humana e o senso de ordem,
hierarquia lógica, realidade firme, etc. Visto assim,
o platonismo não é a filosofia de
Platão, mas um tendência que reaparece a todo
momento, sempre que o homem sente a necessidade de refluir
desde um situação exterior caótica
até um princípio espiritual, interno,
invisível ou transcendente de
organização. E se é assim, sempre que
houver uma situação de caos social,
intelectual, moral, ressurgirá algum platonismo, ou
seja, uma divisão do mundo em dois estratos, dando
mais atenção ao estrato superior interno,
representado em geral por figuras e relações
de tipo geométrico.
Veremos isto às portas da Renascença,
época de muito caos, de dissolução da
unidade da civilização cristã, e onde
indivíduos mais sensíveis, como Kepler, sentem
a necessidade de restaurar a doutrina platônica sob as
formas geométricas do cosmos. Segundo Kepler, haveria
entre as distintas esferas planetárias as mesmas
relações que existem na sequência dos
sólidos geométricos platônicos. O desejo
de encontrar na realidade externa um princípio
geométrico é um desejo de
ordenação.”[13]
2.4 - Olavo e a Teoria dos Quatro Discursos
No livro Simetria Perfeita do físico Heinz
Pagels, é narrado a estória do William Herschel,
o maior astrônomo do século XVIII, que teria
começado a sua carreira como jovem músico
tocador de oboé, uma tipo de flauta muito comum em
orquestras. Num momento qualquer da narrativa, é
destacado o modo como as experiências musicais de
Herschel teriam lhe ajudado em seu novo interesse pela
astronomia: “Ajudado pela irmã Caroline, e pelo
irmão, Alexander, fabricou um óptimo
telescópio de reflexão numa
fundição que construiu em casa. Sem
dúvida que a habilidade para os instrumentos musicais
lhe foi muito útil na construção do
instrumento de precisão. Com auxílio do
telescópio, descobriu um novo planeta – Urano
–, que, inicialmente julgou ser um cometa.”[14].
Em outra parte desta mesma narrativa pode ser encontrado o
seguinte: “A paixão pela ciência e a
paixão pela música eram movidas pelo mesmo
desejo: dar realidade à beleza de uma imagem do
mundo.”[15].
Isto é um exemplo de conexão entre duas
atividades humanas que não são consideradas
relacionadas uma com a outra, mas cujo nexo foi sugerido por
se suspeitar que de alguma forma, existe uma
relação entre ambas. Se este conceito não
passava de uma trivialidade subjetiva, superficial, na
Teoria dos Quatro Discursos ganha contornos
filosóficos mais precisos, quando este estudo emerge
sob forma de uma concepção aristotélica,
que numa ótica inovadora, o velho legado do estagirita
deixa de ser um coleção de trabalhos individuais
para se constituir numa teoria unificada do conhecimento[16].
Mas a grande novidade, é que ao estabelecer
vínculos entre as várias modalidades do
pensamento humano – Poética, Retórica,
Dialética e Analítica (lógica) –,
é revelado um histórico do desenvolvimento da
criatividade intelectual que permite um grau de
compreensão da gênese do saber como jamais foi
abordado por qualquer dos filósofos da ciência
que atualmente são lidos e celebrados. Cada discurso
serve de degrau para a concepção do discurso
seguinte, este é o segredo. E a
explicação deste segredo fornece o entendimento
para um novo sentido de coerência que explica toda a
trama: a estrutura da obtenção do conhecimento
– a unidade aristotélica dos quatro discursos que
é o modo natural de se conhecer –, se torna uma
sabedoria perdida porque em algum momento na história
do mundo, a mentalidade social passou a optar pela
anulação da consciência, que com o tempo
foi se expressando na evolução da idéias
sob forma de ruptura do sujeito com o objeto, ruptura esta que
é representada pelo formalismo lógico
através da violação do
princípio da identidade, que por sua vez
está na raiz do sintoma da degradação
progressiva da filosofia, cujo resultado final é a
burrice humana transformada em ideologia.
________________
Notas:
[1]
http://www.chesterton.org/gkc/philosopher/v1n6.gkcessay.hm
[2] KRAUSE, Décio –Introdução aos
fundamentos axiomáticos da ciência. São
Paulo: E.P.U. (Editora Pedagógica e
Universitária), 2002, p. 3-4.
O livro pode ser baixado por este link:
http://heliopereiriano.4shared.com/file/11706146/8f84ec3d
[3] KRAUSE, Décio –Introdução aos
fundamentos axiomáticos da ciência. São
Paulo: E.P.U. (Editora Pedagógica e
Universitária), 2002, p. 5.
[4] KRAUSE, Décio – Introdução aos
fundamentos axiomáticos da ciência. São
Paulo: E.P.U. (Editora Pedagógica e
Universitária), 2002, p. 6-7.
[5] O texto integral pode ser encontrado no seguinte link:
/apostilas/identidade.htm
[6] Idem
[7] Idem
[8] Idem
[9] /apostilas/sujobj.htm
[10]
/semana/02152003globo.htm
[11] /semana/060424dc.html
[12]
/apostilas/pensaris3_1.htm
Propus uma explicação, por sua vez, sobre o
porquê desta tendência “em que preceitos
metodológicos se transformaram em leis
ontológicas”: este equívoco é
inspirado pelos procedimentos matemáticos, onde os
preceitos metodológicos e juízos
ontológicos acabam sendo uma coisa só. O
conjunto total de passos para obter a solução de
uma equação, e a solução desta
mesma equação, freqüentemente são
tratados como se fosse uma coisa única, uma
indistinção que se justifica na maioria dos
casos.
[13]
/apostilas/pensaris3_1.htm
[14] PAGEL, Heinz R. Simetria perfeita. Trad: Henrique
Leitão e Paulo Ivo Teixeira, Gradiva. Lisboa,1985. pp.
25
[15] Idem.
[16]
/livros/4discursos.htm
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