Sapientiam Autem Non Vincit Malitia - Foto da águia: Donald Mathis Mande um e-mail para o Olavo Links Textos Informações Página principal

 

3a. edi��o,
revista e aumentada.

 

barra.jpg (2142 bytes)

 

Ap�ndice II.

O Brasil do PT

 

A entrevista do te�rico do PT, Marco Aur�lio Garcia, no Jornal da Tarde de 12 de janeiro, mostra que, por tr�s de uma tranquilizante fachada moderninha, esse partido n�o tem nada a propor sen�o o bom e velho comunismo.

l. Segundo o entrevistado, o governo do PT n�o ser� socialista. Os ing�nuos tomam esta promessa como uma garantia. Mas, prossegue Marco Aur�lio, esse governo ser� uma "democracia popular" e constituir� "um aperfei�oamento do capitalismo" com vistas a "um horizonte socialista" — um horizonte vago e indistinto o bastante para n�o alarmar o eleitorado. O que o eleitorado, novo e inculto, ignora por completo � que aperfei�oar o capitalismo para chegar ao socialismo n�o � nenhuma proposta nova, mas sim a �nica estrat�gia de governo comunista que j� existiu e a �nica que poderia existir, j� que, segundo Marx, o socialismo n�o pode ser implantado antes que o capitalismo desenvolva suas potencialidades at� o esgotamento. A fun��o do governo de transi��o, "democr�tico-popular", � acelerar esse esgotamento. Na R�ssia, essa fase intermedi�ria chamou-se NEP, Nova Pol�tica Econ�mica, implantada por L�nin logo ap�s a tomada do poder pelos comunistas. Se o pr�prio L�nin, subindo ao poder no bojo de uma revolu��o armada, n�o implantou logo o comunismo, e sim apenas um "capitalismo aperfei�oado", por que o PT haveria de fazer mais, levado ao poder pela via gradual e pac�fica do gramscismo?

2. Marco Aur�lio Garcia, prosseguindo na linha tranquilizante, assegura que os empres�rios nada perder�o e ter�o tudo a ganhar no Brasil petista: "Se queremos desenvolver um grande mercado de massas, � claro que grande parte da burguesia vai tirar proveito disso." Mas � exatamente o que dizia L�nin: n�o se pode fazer a transi��o para o socialismo sem que, na passagem, a burguesia ganhe um bocado de dinheiro com o incremento dos neg�cios. Nisto consistiu precisamente a NEP. Mas n�o se pense que os comunistas fiquem tristes com a s�bita prosperidade dos seus desafetos. Ao contr�rio: acenando com a promessa de ganhos r�pidos, o governo comunista faz trabalhar em favor da revolu��o a cobi�a imediatista dos burgueses, cumprindo a profecia de L�nin: "A burguesia tece a corda com que ser� enforcada." O truque � simples: com o progresso r�pido do capitalismo, cresce tamb�m rapidamente o proletariado, base de apoio do governo comunista. T�o logo esta base esteja firme para sustentar o governo sem a ajuda dos burgueses, o governo puxa o la�o. Em seguida os burgueses mortos ou banidos s�o substitu�dos em suas fun��es dirigentes por uma nova classe de burocratas de origem prolet�ria ao menos nominal.

3. Garcia diz que o PT quer um "Estado forte", dotado de "mecanismos de controle do Parlamento, da Justi�a, do Tribunal de Contas e das estatais". Mas que diabo � isto sen�o o totalitarismo mais descarado? Nas democracias, a autonomia dos tr�s poderes tem sido um mecanismo confi�vel e suficiente para o controle do poder. O que o PT advoga � que dois desses poderes sejam controlados por um terceiro, o Executivo, desde o momento em que este caia nas m�os do sr. Lu�s In�cio Lula da Silva. Nesta hip�tese, dar� na mesma que o Executivo policie os outros dois poderes diretamente, numa ditadura ostensiva, ou que o fa�a por interm�dio de organiza��es autonomeadas representantes da sociedade civil — sindicatos, ONGs, grupos de intelectuais, gr�mios estudantis — e controladas, por sua vez, pela fac��o pol�tica dominante, isto �, pelo PT: em ambos os casos, o que teremos ser� o crescimento hipertr�fico do poder e seu absoluto descontrole.

4. Interrogado sobre o destino que o governo petista dar� �s For�as Armadas, Garcia responde, com toda a clareza de quem diz exatamente o que pensa: mudar a Constitui��o, para que as For�as Armadas deixem de ter, entre suas atribui��es, a de combater inimigos internos, e passem a se incumbir exclusivamente da defesa das fronteiras nacionais. Ora, mandadas para a fronteira, desligadas do combate a inimigos internos, as For�as Armadas estar�o duplamente impedidas — pela obriga��o constitucional e pela dist�ncia — de mover um s� dedo contra o crime organizado, que, sob aplausos de uma certa intelectualidade esquerdista, j� domina um Estado da Federa��o. Se, ampliando o que hoje acontece no Rio, uma alian�a entre pol�ticos e delinquentes atear fogo ao pa�s inteiro, as For�as Armadas nada poder�o fazer contra isso, porque estar�o, fi�is ao dever constitucional, aquarteladas num cafund� amaz�nico, velando contra a iminente invas�o boliviana ou talvez dando nos marines uma surra de fazer inveja ao vietcongue.

Mas ser� estranho que um dirigente petista alimente esse projeto insano, quando seu partido tamb�m tem, entre seus principais quadros te�ricos, um tal sr. C�sar Benjamin, bi�grafo-apologista do fundador do Comando Vermelho? Recordemos: escrito com a ajuda deste te�rico petista, o livro em que o quadrilheiro William Lima da Silva faz a apologia do crime foi publicado pela Editora Vozes, da esquerda cat�lica, e lan�ado, com noite de aut�grafos e muita badala��o, em cerim�nia realizada na sede da ABI em 199l. Apesar do que disp�e o Art. 287 do C�digo Penal, ningu�m foi processado. Alguns v�em em fatos como esse perigosos sinais de liga��es entre as esquerdas e o crime organizado. Se h� ou n�o a� uma alian�a pol�tica subterr�nea, � algo que s� o tempo dir�. Mas que as esquerdas est�o ligadas ao Comando Vermelho pelo passado comum e por uma profunda afinidade "espiritual" baseada no culto dos mesmos mitos e dos mesmos rancores, � coisa que est� fora de d�vida. E como os senhores do crime n�o haveriam de sentir essa afinidade como um verdadeiro reconforto, diante da promessa petista de tirar do seu caminho o �nico obst�culo que ainda pode inibir suas ambi��es?

A proposta petista de aumentar a dota��o or�amentaria das For�as Armadas em troca de retirar delas a responsabilidade pelo combate ao inimigo interno � puro suborno, em que o PT veste implicitamente a carapu�a de inimigo interno. Se ainda existe consci�ncia estrat�gica entre os militares, a proposta indecente ser� repelida.

5. Enfim, se Marco Aur�lio Garcia procura aplacar o temor ante o espectro comunista dizendo que o regime petista n�o ser� socialismo e sim "democracia popular", tamb�m nisto n�o h� novidade alguma: todos os regimes comunistas se intitulavam "democracias populares".

O PT, seguindo a li��o de Hitler, n�o se d� sequer o trabalho de ocultar o que pretende fazer: anuncia seus planos abertamente, contando com a certeza de que o wishfulthinking popular dar� �s suas palavras um sentido atenuado e inocente, sem enxergar qualquer periculosidade mesmo nas amea�as mais expl�citas. Afinal, quanto mais assoberbado de males se encontra um povo, mais ansioso fica de crer em alguma coisa e menos disposto a encarar com realismo a imin�ncia de males ainda maiores. Nessas horas, a maneira mais segura de ocultar uma inten��o maligna � proclam�-la cinicamente, para que, tomada como inveross�mil em seu sentido literal, seja interpretada metaforicamente e aceita por todos com aquela benevol�ncia compulsiva que nasce do medo de ter medo. Quando Hitler prometeu dar um fim aos judeus, tamb�m foi interpretado em sentido metaf�rico.

A predisposi��o da opini�o p�blica para n�o enxergar o risco evidente nasce, por um lado, da pr�pria hegemonia que as ideologias de esquerda exercem sobre o nosso panorama cultural, impondo viseiras psicol�gicas mesmo a pessoas que, politicamente, divergem da esquerda. A pol�tica � apenas uma superf�cie da vida social, e de nada adianta divergir na superf�cie se, no fundo — nas convic��es morais, nos sentimentos b�sicos, nas atitudes vitais elementares — copiamos servilmente o figurino mental do advers�rio.

Nasce, por outro lado, da ilus�o de que o comunismo est� morto. � um excesso de ingenuidade — ou, talvez, medo de ter medo — supor que o fracasso do comunismo no Leste europeu liquidou de vez as ambi��es dos comunistas em toda parte. O ressentimento move montanhas, dizia Nietzsche. Particularmente no Brasil, � muito profunda nas esquerdas a aspira��o m�tica de alcan�ar uma vit�ria local que, pelo seu pr�prio car�ter inesperado e tardio, possa resgatar a honra do movimento comunista humilhado em todo o mundo. Permitir que o PT realize seus planos de "democracia popular", sob o pretexto de que o comunismo � um cavalo morto, � arriscar-se a um coice que provar� a vitalidade do defunto.

Ademais, o movimento das id�ias no Brasil n�o acompanha pari passu a evolu��o do mundo, mas fica sempre atr�s. Em 1930, quando o positivismo de Augusto Comte j� era pe�a de museu no seu pa�s de origem, uma revolu��o tomou o poder no Brasil inspirada no modelo positivista do Estado. O espiritismo, moda europ�ia que morreu por volta da Primeira Guerra sem nunca mais reencarnar, ainda � no Brasil quase uma religi�o oficial. Nossos intelectuais ainda est�o empenhados no combate ao lusitanismo em literatura, quase um s�culo depois de rompido o interc�mbio liter�rio entre Brasil e Portugal. As velhas religi�es africanas, que os negros de todo o mundo v�o abandonando para aderir ao islamismo, aqui v�o conquistando novas massas de crentes entre os brancos. Enfim, o tempo nesta parte do mundo corre ao contr�rio. Por que o comunismo, morto ou moribundo em toda parte, n�o poder� ressurgir neste pa�s, fiel ao atraso cr�nico do nosso calend�rio mental? Pelo menos � o que nos promete a entrevista de Marco Aur�lio Garcia: se depender dele, n�o falharemos em nossa miss�o c�smica de coletores do lixo refugado pela Hist�ria.

Homens de forma��o arraigadamente marxista, insens�veis durante toda uma vida a quaisquer outras correntes de id�ias, simplesmente n�o podem, no breve prazo decorrido desde a queda do Muro de Berlim, ter feito uma revis�o profunda e s�ria de suas convic��es. Mudan�as, se houve, foram epid�rmicas, para n�o dizer simuladas. A for�a atrativa do messianismo comunista n�o acabou: refluiu para a obscuridade, de onde, vitalizada pelo apelo nost�lgico e pela �nsia de um renouveau transfigurador, est� pronta a ressurgir ao menor sinal de uma oportunidade. Declara��es improvisadas de arrependimento nada significam, sobretudo em homens que, habituados por uma praxe do cerimonial comunista a utilizar-se de rituais de "autocr�tica" como instrumentos de sobreviv�ncia pol�tica, acabaram por assimilar profundamente o v�cio da linguagem d�plice, a ponto de torn�-la uma segunda natureza. Um s�culo de hist�ria do comunismo prova que nada iguala a capacidade da esquerda de tapar os pr�prios ouvidos � verdade, sen�o a sua habilidade de desviar dela os olhos alheios. A pressa mesma com que alguns pr�ceres comunistas compareceram ante as c�meras de TV para declarar a fal�ncia do comunismo � suspeita, uma vez que em nenhum deles a desilus�o foi profunda a ponto de faz�-lo desejar abandonar a pol�tica. Do dia para a noite, desvestiram a camisa sovi�tica, vestiram um modelito novo, e sem mais delonga reapareceram, prontos para outra, com o maior vigor e anima��o, discursando com aquela certeza, com aquela seguran�a de quem jamais tivesse sido desmentido pelos fatos. Acredite nessa gente quem quiser.

Da minha parte, n�o duvido de todos os comunistas. Acredito em Antonio Gramsci, quando diz que o Partido � o novo "Pr�ncipe" de Maquiavel, e acredito em Bertolt Brecht, quando diz que para um comunista a verdade e a mentira s�o apenas instrumentos, ambos igualmente �teis � pr�tica da �nica virtude que conta, que � a de lutar pelo comunismo.

 

Nota

Aos que, lido este ap�ndice, enxergarem no autor um hidr�fobo antipetista, advirto que votei em Lula para presidente e o faria de novo, com prazer, se ele tomasse as seguintes provid�ncias:

l. Banir do seu partido o elenco de vedettes intelectuais que, formadas numa atmosfera marxista, e apegadas a ela como um beb� � saia da m�e, insistem em manter aprisionado nela o movimento socialista que anseia por novas id�ias. Exorcizar de vez os fantasmas de Marx, L�nin, D�bray, Althusser, Gramsci e tutti quanti, e permitir que a id�ia socialista cres�a livre de gurus e totens. Quando Lula diz que nossas elites viveram "com os olhos voltados para a Fran�a e a bunda voltada para o Brasil", n�o percebe ele que isso � uma descri��o exata da elite intelectual petista, e esquerdista em geral?

2. Reprimir o uso de t�ticas de movimento clandestino e revolucion�rio, que s�o indecentes num partido que professa conviver democraticamente com outros partidos num Estado de direito. Infiltra��o, espionagem, dela��o, boicote moral podem ser necess�rios e inevit�veis a um movimento de oposi��o que queira sobreviver numa ditadura. Em regime de liberdade, s�o pr�ticas intoler�veis, principalmente em pol�ticos que posam de professores de �tica. Quando os ap�stolos da �tica citam como um exemplo para o Brasil o que os americanos fizeram com Nixon ap�s o caso Watergate, esquecem de dizer que Nixon n�o caiu por causa de um desvio de verbas, mas por causa da pr�tica de espionagem. Se a corrup��o � um crime, a espionagem � um ato de guerra, que destr�i, pela base, o edif�cio democr�tico.

Lula � um homem decente e, como disse Francisco Weffort, � algu�m maior do que o seu partido. Se ele se utilizar da tremenda for�a do seu prest�gio para exterminar esses dois v�cios, o marxismo e o clandestinismo, o Partido dos Trabalhadores se transformar� naquilo que seu nome promete, deixando de ser apenas o partido da nostalgia comunista.

 

Voltar para o �ndice

Home - Informa��es - Textos - Links - E-mail