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3a edi��o,
revista e aumentada.

 

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Observa��es finais

 

Expondo em confer�ncias as id�ias que depois viria a registrar neste livro, muitas vezes recebi dos ouvintes a exig�ncia de uma "defini��o pol�tica". Sentiam-se desconfort�veis ante um interlocutor sem filia��o identific�vel, algo assim como um UFO ideol�gico, e desejavam saber com quem estavam falando.

Minha resposta, invariavelmente, tem sido a seguinte:

O pressuposto dessa exig�ncia � que n�o se pode criticar uma ideologia sen�o em nome de uma outra ideologia, dentre as reconhecidas no cat�logo do momento. Esse pressuposto, por sua vez, funda-se num preconceito meio historicista, meio sociologista, segundo o qual todo pensamento individual � apenas "express�o" de algum anseio coletivo, e deve a este sua validade. Em oposi��o a este preconceito e �quele pressuposto, estou profundamente convicto de que somente o pensamento do indiv�duo como tal pode ter validade objetiva, pois n�o h� verdade sen�o para a consci�ncia reflexiva, que s� existe no indiv�duo. As correntes de pensamento coletivas apenas manifestam desejos, anseios, temores, e jamais se levantam ao n�vel de autoconsci�ncia cr�tica no qual a distin��o entre verdade e falsidade pode ter algum sentido. Somente a autoconsci�ncia do indiv�duo pode captar essa distin��o, ascender � esfera dos ju�zos universalmente v�lidos e da veracidade objetiva. Logo, � ela quem � juiz do pensamento coletivo.

A monstruosa invers�o que submete o ju�zo da consci�ncia individual ao crit�rio das ideologias coletivas prov�m de uma mutila��o da mente moderna, incapaz de atinar com alguma "universalidade" que n�o seja meramente quantitativa, reduzida portanto � "generalidade" e, em �ltima an�lise, � valida��o puramente estat�stica. Como, de outro lado, toda prova estat�stica pressup�e a validade universal das leis da aritm�tica elementar, cujo fundamento � a evid�ncia apod�ctica somente acess�vel � consci�ncia individual, o primado do pensamento coletivo repousa numa autocontradi��o pela qual nega sua pr�pria validade.

Para piorar ainda mais as coisas, o pensamento coletivista, n�o tendo acesso � esfera da validade objetiva, logo perde toda refer�ncia ao "objeto" como tal e se fecha num subjetivismo coletivo: da estat�stica dos "fatos" ca�mos para a estat�stica das "opini�es", e a contagem dos votos se torna o supremo crit�rio da veracidade. Este processo, que se inicia na esfera da pol�tica, termina por contaminar a ci�ncia mesma, onde hoje em dia ouvimos apelos generalizados em favor da aceita��o de crit�rios puramente ret�ricos de argumenta��o como fundamentos leg�timos da credibilidade cient�tica. O marketing, em suma, � elevado a ci�ncia suprema, modelo e juiz de todas as outras ci�ncias.

Ou aceitamos esse resultado, ou devemos negar pela raiz o primado do pensamento coletivo, restaurando a consci�ncia individual no posto de dignidade que lhe cabe. E, neste caso, deveremos admitir que o indiv�duo humano possa elevar-se acima das ideologias e julg�-las, contanto que n�o o fa�a em nome de um protesto pessoal e subjetivo, mas em nome da veracidade universal e apod�ctica, da qual ele, com todas as suas fraquezas, com todos os seus condicionamentos limitantes, continua, afinal, o �nico representante sobre a Terra.

No s�culo XX, a consci�ncia individual sofreu, das pseudoci�ncias emergentes, os mais violentos ataques, que pretenderam neg�-la, reduzi-la a um epifen�meno dos pap�is sociais introjetados, a uma proje��o do instinto de sobreviv�ncia, a uma fic��o gramatical, a mil e uma formas do falso e do ilus�rio. De outro lado, no campo das t�cnicas psicol�gicas, nunca se investiu tanto na busca de meios para subjugar a consci�ncia individual, quebrar sua autonomia, for��-la a repetir mecanicamente o discurso coletivo. Se o nosso � o s�culo do marxismo, da psican�lise, do estruturalismo, � tamb�m o da hipnose, o das t�cnicas de influ�ncia subliminar, o da lavagem cerebral, o da "modifica��o de comportamento" e o da Programa��o Neurolingu�stica. Se, por um lado, tudo se faz para demonstrar teoricamente a inanidade da consci�ncia individual, de outro lado n�o se poupam esfor�os para reprimi-la e subjug�-la. Ora, estas duas s�ries de fatos, quando confrontadas, sugerem uma pergunta: para que tanto empenho em derrotar na pr�tica algo que, em teoria, n�o existe? Se o cavalo est� morto, para que a�oit�-lo com tanta f�ria?

Este � al��s o tema de um livro que estou preparando, A Aliena��o da Consci�ncia. � uma resenha dos ataques te�ricos e pr�ticos dirigidos pelas doutrinas pseudocient�ficas, em alian�a com os governos totalit�rios ou com o establishment tecnocr�tico, contra a autonomia da consci�ncia individual. Foi este estudo, precisamente, que me levou � rejei��o completa e taxativa de todo pensamento ideol�gico. N�o me perguntem, portanto, em nome de que ideologia combato esta ou aquela ideologia. Combato-a desde um plano que n�o � acess�vel ao pensamento ideol�gico, e que s� existe para a autoconsci�ncia individual, quando firmemente decidida a n�o abdicar de seu direito — e de seu dever — � verdade e � universalidade. Em consequ�ncia, tamb�m n�o me dirijo a ouvintes e leitores enquanto representantes desta ou daquela fac��o ou grupo, mas enquanto portadores de uma intelig�ncia universalmente v�lida, capaz de sobrepor-se ao discurso de fac��es e grupos e julg�-lo objetivamente. N�o converso com fantoches coletivos, mas com seres humanos, investidos da dignidade suprema da autoconsci�ncia, que os torna imagens de Deus. Se, enquanto apegada � identidade biol�gica e sujeita portanto � ilus�o passional, a consci�ncia do indiv�duo � pura Maya, por outro lado � somente o indiv�duo, e n�o o aglomerado estat�stico das coletividades, que pode ascender ao plano da universalidade onde � l�cito dizer: Eu sou Brahman.

Rio, mar�o de 1994.

 

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