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3a edi��o,
revista e aumentada.

 

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III

A NOVA ERA E A REVOLU��O CULTURAL

 

AS ID�IAS de Capra e de Gramsci s�o puras fic��es, mas nem por isto as semelhan�as entre elas s�o mera coincid�ncia. A simples listagem basta para por � mostra uma raiz comum:

1 - Ambas essas correntes s�o radicalmente "historicistas" — quer dizer: para elas, toda "verdade" � apenas a express�o do sentimento coletivo de um determinado momento hist�rico. O que importa n�o � se esse sentimento coletivo capta uma verdade objetivamente v�lida, mas, ao contr�rio, ele vale por si como �nico crit�rio do pensamento correto.

2 - Em ambas, o sujeito ativo do conhecimento n�o � a consci�ncia individual, mas a coletividade. Elas divergem somente, na superf�cie, quanto � delimita��o desse m�stico "sujeito coletivo": para Capra, � "a humanidade", ou, mais vagamente ainda, "n�s" ( � caracter�stico dos doutrin�rios da Nova Era, como Capra ou Marilyn Ferguson, dirigir-se a um audit�rio universal na primeira pessoa do plural, de modo que n�o sabemos se quem fala � um Autor divino ocultando sua supra-personalidade num plural majest�tico, ou se � a autoconsci�ncia coletiva da humanidade ). Para Gramsci, o sujeito coletivo � o "proletariado", ou, mais propriamente, o conjunto dos intelectuais org�nicos que o "representam", isto �, o Partido.

3 - Ambas insistem menos em provar alguma tese do que em induzir uma "mudan�a de percep��o", uma virada repentina que fa�a as pessoas sentirem as coisas de um modo diferente. Com Capra e Gramsci ningu�m pode discutir, tese por tese, demonstra��o por demonstra��o: a convers�o tem de ser integral e s�bita, ou n�o se realiza jamais: capristas e gramscistas s�o "convertidos" ou "renascidos", que num determinado instante de suas vidas "viram a luz" mediante uma rota��o instant�nea do eixo de sua cosmovis�o. O decisivo, em ambos os casos, n�o � a argumenta��o racional, mas uma ades�o pr�via, volitiva ou sentimental: o sujeito "sente-se" de repente, como um todo, identificado com a Nova Era ou com a causa do proletariado, e em seguida passa a ver os detalhes de acordo com o novo quadro de refer�ncia.

4 - Ambas s�o "revolu��es culturais". Pretendem inaugurar um novo cen�rio mental para a humanidade, no qual todas as vis�es e opini�es anteriores ser�o implicitamente invalidadas como meras express�es subjetivas de um tempo que passou. Como, de outro lado, a nova cosmovis�o tamb�m n�o se apresenta como verdade objetivamente v�lida e sim apenas como express�o de um "novo tempo", j� n�o se pode confrontar as id�ias de hoje com as de antigamente para saber quem tem raz�o: o crit�rio de veracidade foi substitu�do pelo da "atualidade", e como toda �poca � atual para si mesma, cada qual constitui uma unidade cerrada, com suas id�ias que s� s�o v�lidas subjetivamente para ela. Plat�o tinha as id�ias do "seu tempo"; n�s temos a do "nosso tempo" — cada um na sua.

5 - A dimens�o "tempo" � assim absolutizada, reinando sozinha num mundo de onde foi extirpado todo senso de perman�ncia e de eternidade. Em Gramsci, a amputa��o � expl�cita; em Capra e na Nova Era em geral, impl�cita e disfar�ada pela verborr�ia m�stica. Ap�s essa cirurgia, a mente humana torna-se incapaz de captar o que quer que seja das rela��es ideais que, para al�m do real emp�rico, apontam para a esfera do poss�vel, da infinitude, do universal. O emp�rico, o fato consumado, o horizonte imediato das preocupa��es pr�ticas — pessoais ou coletivas — torna-se o extremo limite da vis�o humana. O "cosmos" de Capra e a "Hist�ria" de Gramsci s�o camp�nulas de chumbo que prendem a imagina��o humana num mundo pequeno, artificialmente engrandecido pela ret�rica.

6 - Com o senso da eternidade e da universalidade, vai embora tamb�m o senso da verdade, a capacidade humana de distinguir o verdadeiro do falso, substitu�da por um sentimento coletivo de "adequa��o" ao "nosso tempo". A "supra-consci�ncia" da Nova Era e o "intelectual coletivo" de Gramsci t�m em comum a mais absoluta falta de intelig�ncia. Para ambos vale o que o jornalista Russel Chandler disse de um deles:

"A maior capacidade da mente humana � a sua habilidade de discriminar entre o que � verdadeiro e o que � falso, distinguir o que � real do que � ilus�rio ou aparente. Mas a ‘supraconsci�ncia’ da Nova Era est� programada para ignorar essas distin��es."

7 - Dissolve-se tamb�m a autoconsci�ncia reflexiva e cr�tica, pela qual o indiv�duo humano � capaz de sobrepor-se �s ilus�es coletivas e julgar o seu tempo. Fechado na redoma do momento hist�rico, � vedado ao indiv�duo enxergar para al�m dele, exercer os privil�gios de uma intelig�ncia aut�noma, ter raz�o contra a opini�o majorit�ria — seja ela a opini�o conservadora do establishment ou o anseio coletivo dos ambiciosos insatisfeitos.

8 - A deprecia��o da consci�ncia individual vem com a nega��o do crit�rio da evid�ncia intuitiva como base para julgar a verdade. Reduzida a seu aspecto psicol�gico, imanente, a intui��o torna-se apenas uma experi�ncia interna como qualquer outra, incapaz de evid�ncia apod�ctica. Confunde-se com o sentimento, com o pressentimento, com a vaga impress�o e com a fantasia. Da� a necessidade de um novo crit�rio, que ser�, na Nova Era, a fantasia mesma, adornada com o t�tulo de intui��o m�stica, e na Revolu��o Cultural de Gramsci o sentimento coletivo do Partido, detentor prof�tico do sentido da Hist�ria.

As semelhan�as s�o t�o substanciais que, perto delas, as diferen�as se tornam meramente adjetivas. A filia��o comum remonta, no m�nimo, ao mito mais querido da ilus�o moderna: o mito da Revolu��o, do "apocalipse terreno", que, num giro s�bito de todas as apar�ncias, transfigurar� o mundo, inaugurando um C�u na Terra. O mito da Revolu��o � a cenoura-de-burro que h� s�culos mant�m a humanidade no encal�o do comboio da Hist�ria disparado em dire��o a uma miragem, sem poder atingir outro resultado sen�o a acelera��o do devir, que, n�o chegando a parte alguma, acaba sendo entronizado ele mesmo como supremo objetivo da vida: o acontecer pelo acontecer, a eterniza��o do fluxo das impress�es, a redu��o do homem ao ser emp�rico preso a uma gir�ndola sem fim de "experi�ncias" e "momentos" atom�sticos. Em termos orientais, que o linguajar da Nova Era repete sem compreender-lhes o sentido, � a absolutiza��o da Maya, a pris�o eterna no c�rculo do samsara.

Nem as id�ias de Capra nem as de Gramsci necessitam de refuta��o. Sua interpreta��o ordenada e clara j� vale como refuta��o. O simples desejo de compreend�-las basta para exorciz�-las. S�o id�ias que s� podem prosperar sob a prote��o de uma n�voa de ambiguidades, e s� encontram terreno f�rtil nas almas que anseiam por ilus�es lisonjeiras, em cujo colo macio possam esquecer sua pr�pria mis�ria, a mis�ria de toda vaidade.

 

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