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3a edi��o,
revista e aumentada.

 

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II

STO. ANTONIO GRAMSCI
E A SALVA��O DO BRASIL

 

QUEM DESEJE reduzir a um quadro coerente o aglomerado ca�tico de elementos que se agitam na cena brasileira, tem de come�ar a desenh�-lo tomando como centro um personagem que nunca esteve aqui, do qual a maioria dos brasileiros nunca ouviu falar, e que ademais est� morto h� mais de meio s�culo, mas que, desde o reino das sombras, dirige em segredo os acontecimentos nesta parte do mundo.

Refiro-me ao ide�logo italiano Antonio Gramsci. Tendo-se tornado praxe entre as esquerdas jamais pronunciar o nome de Gramsci sem acrescentar-lhe a men��o de que se trata de um m�rtir, apresso-me a declarar que o referido passou onze anos numa pris�o fascista, de onde remeteu ao mundo, mediante n�o sei que artif�cio, os trinta e tr�s cadernos de notas que hoje constituem, para os fi�is remanescentes do comunismo brasileiro, a b�blia da estrat�gia revolucion�ria. Mas n�o est� s� nisso a raz�o da aura beat�fica que envolve o personagem. Da estrat�gia, tal como vista por ele, constitu�a um cap�tulo importante a cria��o de um novo calend�rio dos santos, que pudesse desbancar, na imagina��o popular, o prest�gio do hagiol�gio cat�lico ( uma vez que a Igreja, na vis�o dele, era o maior obst�culo ao avan�o do comunismo ). O novo pante�o seria inteiramente constitu�do de l�deres comunistas c�lebres, e baseado no crit�rio segundo o qual "Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht s�o maiores do que os maiores santos de Cristo" — palavras textuais de Gramsci. Os seguidores do novo culto, com inteira l�gica, puseram ainda mais alto na escala celeste o instituidor do calend�rio, motivo pelo qual n�o se pode falar dele sem a correspondente un��o. E eu, temeroso como o sou de todas as coisas do al�m, n�o poderia iniciar esta breve exposi��o do gramscismo brasileiro sem a preliminar invoca��o ao seu patrono, em quem se depositam, neste momento, muitas esperan�as de salva��o do Brasil. Digo, pois: Sancte Antonie Gramsci, ora pro nobis.

Atendida esta devota formalidade, retorno aos fatos. Gramsci ficou, dizia eu, meditando na cadeia. Mussolini, que o mandara prender, acreditava estar prestando um servi�o ao mundo com o sil�ncio que impunha �quele c�rebro que ele julgava tem�vel. Aconteceu que no sil�ncio do c�rcere o referido c�rebro n�o parou de funcionar; apenas come�ou a germinar id�ias que dificilmente lhe teriam ocorrido na agita��o das ruas. Homens solit�rios voltam-se para dentro, tornam-se subjetivistas e profundos. Gramsci transformou a estrat�gia comunista, de um grosso am�lgama de ret�rica e for�a bruta, numa delicada orquestra��o de influ�ncias sutis, penetrante como a Programa��o Neurolingu�stica e mais perigosa, a longo prazo, do que toda a artilharia do Ex�rcito Vermelho. Se L�nin foi o te�rico do golpe de Estado, ele foi o estrategista da revolu��o psicol�gica que deve preceder e aplainar o caminho para o golpe de Estado.

Gramsci estava particularmente impressionado com a viol�ncia das guerras que o governo revolucion�rio da R�ssia tivera de empreender para submeter ao comunismo as massas recalcitrantes, apegadas aos valores e praxes de uma velha cultura. A resist�ncia de um povo arraigadamente religioso e conservador a um regime que se afirmava destinado a benefici�-lo colocou em risco a estabilidade do governo sovi�tico durante quase uma d�cada, fazendo com que, em rea��o, a ditadura do proletariado — na inten��o de Marx uma breve transi��o para o para�so da democracia comunista — amea�asse eternizar-se, barrando o caminho a toda evolu��o futura do comunismo, como de fato veio a acontecer.

Para contornar a dificuldade, Gramsci concebeu uma dessas id�ias engenhosas, que s� ocorrem aos homens de a��o quando a impossibilidade de agir os compele a medita��es profundas: amestrar o povo para o socialismo antes de fazer a revolu��o. Fazer com que todos pensassem, sentissem e agissem como membros de um Estado comunista enquanto ainda vivendo num quadro externo capitalista. Assim, quando viesse o comunismo, as resist�ncias poss�veis j� estariam neutralizadas de antem�o e todo mundo aceitaria o novo regime com a maior naturalidade.

A estrat�gia de Gramsci virava de cabe�a para baixo a f�rmula leninista, na qual uma vanguarda organizad�ssima e armada tomava o poder pela for�a, autonomeando-se representante do proletariado e somente depois tratando de persuadir os apatetados prolet�rios de que eles, sem ter disto a menor suspeita, haviam sido os autores da revolu��o. A revolu��o gramsciana est� para a revolu��o leninista assim como a sedu��o est� para o estupro.

Para operar essa virada, Gramsci estabeleceu uma distin��o, das mais importantes, entre "poder" ( ou, como ele prefere cham�-lo, "controle" ) e "hegemonia". O poder � o dom�nio sobre o aparelho de Estado, sobre a administra��o, o ex�rcito e a pol�cia. A hegemonia � o dom�nio psicol�gico sobre a multid�o. A revolu��o leninista tomava o poder para estabelecer a hegemonia. O gramscismo conquista a hegemonia para ser levado ao poder suavemente, imperceptivelmente. N�o � preciso dizer que o poder, fundado numa hegemonia pr�via, � poder absoluto e incontest�vel: domina ao mesmo tempo pela for�a bruta e pelo consentimento popular — aquela forma profunda e irrevog�vel de consentimento que se assenta na for�a do h�bito, principalmente dos automatismos mentais adquiridos que uma longa repeti��o torna inconscientes e coloca fora do alcance da discuss�o e da cr�tica. O governo revolucion�rio leninista reprime pela viol�ncia as id�ias adversas. O gramscismo espera chegar ao poder quando j� n�o houver mais id�ias adversas no repert�rio mental do povo.

Que esse neg�cio � tremendamente maquiav�lico, o pr�prio Gramsci o reconhecia, mas fazendo disto um t�tulo de gl�ria, j� que Maquiavel era um dos seus gurus. Apenas, ele adaptou Maquiavel �s demandas da ideologia socialista, coletivizando o "Pr�ncipe". Em lugar do condottiere individual que para chegar ao poder utiliza os expedientes mais repugnantes com a consci�ncia tranquila de quem est� salvando a p�tria, Gramsci coloca uma entidade coletiva: a vanguarda revolucion�ria. O Partido, em suma, � o novo Pr�ncipe. Como o sangue-frio dos homens fica mais frio na medida em que eles se sentem apoiados por uma coletividade, o Novo Pr�ncipe tem uma consci�ncia ainda mais tranquila que a do antigo. O condottiere da Renascen�a n�o tinha apoio sen�o de si mesmo, e nas noites frias do pal�cio tinha de suportar sozinho os conflitos entre consci�ncia moral e ambi��o pol�tica, encontrando no patriotismo uma solu��o de compromisso. No Novo Pr�ncipe, a produ��o de analg�sicos da consci�ncia � trabalho de equipe, e nas fileiras de militantes h� sempre uma imensa reserva de talentos te�ricos que podem ser convocados para produzir justifica��es do que quer que seja.

Os intelectuais desempenham por isso, na estrat�gia gramsciana, um papel de relevo. Mas isto n�o quer dizer que suas id�ias sejam importantes em si mesmas, pois, para Gramsci, a �nica import�ncia de uma id�ia reside no refor�o que ela d�, ou tira, � marcha da revolu��o. Gramsci divide os intelectuais em dois tipos: "org�nicos" e "inorg�nicos" ( ou, como ele prefere cham�-los, "tradicionais" ). Estes �ltimos s�o uns esquisit�es que, baseados em crit�rios e valores oriundos de outras �pocas, e sem uma definida ideologia de classe, emitem id�ias que, ignoradas pelas massas, n�o exercem qualquer influ�ncia no processo hist�rico: acabam indo parar na lata de lixo do esquecimento, a n�o ser que tenham a esperteza de aderir logo a uma das correntes "org�nicas". Intelectuais org�nicos s�o aqueles que, com ou sem vincula��o formal a movimentos pol�ticos, est�o conscientes de sua posi��o de classe e n�o gastam uma palavra sequer que n�o seja para elaborar, esclarecer e defender sua ideologia de classe. Naturalmente, h� intelectuais org�nicos "burgueses" e "prolet�rios". Estes s�o a nata e o c�rebro do Novo Pr�ncipe, mas aqueles tamb�m t�m alguma utilidade para a revolu��o, pois � atrav�s deles que os revolucion�rios v�m a conhecer a ideologia do inimigo. Gramsci mencionava como prot�tipos de intelectuais org�nicos burgueses Benedetto Croce e Giovanni Gentile: o liberal antifascista e o ministro de Mussolini.

O conceito gramsciano de intelectual funda-se exclusivamente na sociologia das profiss�es e, por isto, � bem el�stico: h� lugar nele para os contadores, os meirinhos, os funcion�rios dos Correios, os locutores esportivos e o pessoal do show business. Toda essa gente ajuda a elaborar e difundir a ideologia de classe, e, como elaborar e difundir a ideologia de classe � a �nica tarefa intelectual que existe, uma vedette que sacuda as banhas num espet�culo de protesto pode ser bem mais intelectual do que um fil�sofo, caso se trate de um "inorg�nico" como por exemplo o autor destas linhas.

Os intelectuais no sentido el�stico s�o o verdadeiro ex�rcito da revolu��o gramsciana, incumbido de realizar a primeira e mais decisiva etapa da estrat�gia, que � a conquista da hegemonia, um processo longo, complexo e sutil de muta��es psicol�gicas graduais e crescentes, que a tomada do poder apenas coroa como uma esp�cie de orgasmo pol�tico.

A luta pela hegemonia n�o se resume apenas ao confronto formal das ideologias, mas penetra num terreno mais profundo, que � o daquilo que Gramsci denomina — dando ao termo uma acep��o peculiar — "senso comum". O senso comum � um aglomerado de h�bitos e expectativas, inconscientes ou semiconscientes na maior parte, que governam o dia-a-dia das pessoas. Ele se expressa, por exemplo, em frases feitas, em giros verbais t�picos, em gestos autom�ticos, em modos mais ou menos padronizados de reagir �s situa��es. O conjunto dos conte�dos do senso comum identifica-se, para o seu portador humano, com a realidade mesma, embora n�o constitua de fato sen�o um recorte bastante parcial e frequentemente imaginoso. O senso comum n�o "apreende" a realidade, mas opera nela ao mesmo tempo uma filtragem e uma montagem, segundo padr�es que, herdados de culturas ancestrais, permanecem ocultos e inconscientes.

Como o que interessa n�o � tanto a convic��o pol�tica expressa, mas o fundo inconsciente do "senso comum", Gramsci est� menos interessado em persuas�o racional do que em influ�ncia psicol�gica, em agir sobre a imagina��o e o sentimento. Da� sua �nfase na educa��o prim�ria. Seja para formar os futuros "intelectuais org�nicos", seja simplesmente para predispor o povo aos sentimentos desejados, � muito importante que a influ�ncia comunista atinja sua clientela quando seus c�rebros ainda est�o tenros e incapazes de resist�ncia cr�tica.

O senso comum n�o coincide com a ideologia de classe, e � precisamente a� que est� o problema. Na maior parte das pessoas, o senso comum se comp�e de uma sopa de elementos heter�clitos colhidos nas ideologias de v�rias classes. � por isto que, movido pelo senso comum, um homem pode agir de maneiras que, objetivamente, contrariam o seu interesse de classe, como por exemplo quando um prolet�rio vai � missa. Nesta simples rotina dominical oculta-se uma mistura das mais surpreendentes, onde um valor t�pico da cultura feudal-aristocr�tica, reelaborado e posto a servi�o da ideologia burguesa, aparece transfundido em h�bito prolet�rio, gra�as ao qual um pobre coitado, acreditando salvar a alma, comete, na realidade, apenas uma grossa sacanagem contra seus companheiros de classe e contra si mesmo.

A� � que entra a miss�o providencial dos intelectuais. Sua fun��o � precisamente por um fim a essa suruba ideol�gica, reformando o senso comum, organizando-o para que se torne coerente com o interesse de classe respectivo, esclarecendo-o e difundindo-o para que fique cada vez mais consciente, para que, cada vez mais, o prolet�rio viva, sinta e pense de acordo com os interesses objetivos da classe prolet�ria e o burgu�s com os da classe burguesa. A este estado de perfeita coincid�ncia entre id�ias e interesses de classe, quando realizado numa dada sociedade e cristalizado em leis que distribuem a cada classe seus direitos e deveres segundo uma clara delimita��o dos respectivos campos ideol�gicos, Gramsci denomina Estado �tico. � a escala��o final dos dois times, antes de come�ar o pr�lio decisivo que levar� o Partido ao poder. O p�blico brasileiro tem ouvido este termo, proferido num contexto de combate � corrup��o e de restaura��o da moralidade. Mas ele � um termo t�cnico da estrat�gia gramsciana, que designa apenas uma determinada etapa na luta revolucion�ria — uma etapa, ali�s, bastante avan�ada, na qual a radicaliza��o do conflito de interesses de classe prepara o in�cio da etapa org�stica: a conquista do poder. Que, no ca�tico senso comum brasileiro, o termo Estado �tico tenha resson�ncias moralizadoras inteiramente alheias ao seu verdadeiro intuito, mostra apenas que o p�blico nacional ignora a inspira��o diretamente gramsciana do Movimento pela �tica na Pol�tica e nem de longe suspeita que seu �nico objetivo � politizar a �tica, canalizando as aspira��es morais mais ou menos confusas da popula��o de modo a que sirvam a objetivos que nada t�m a ver com o que um cidad�o comum entende por moral. O Estado �tico, na verdade, n�o apenas � compat�vel com a total imoralidade, como na verdade a requer, pois consolida e legitima duas morais antag�nicas e inconcili�veis, onde a luta de classes � colocada acima do bem e do mal e se torna ela mesma o crit�rio moral supremo. Da� por diante, a mentira, a fraude ou mesmo o homic�dio podem se tornar louv�veis, quando cometidos em defesa da "nossa" classe, ao passo que a dec�ncia, a honestidade, a compaix�o podem ter algo de criminoso, caso favore�am a classe advers�ria10. Que o tradicional discurso moralista da burguesia brasileira tenha podido ser assim usado como arma para desferir um golpe mortal na hegemonia burguesa, mostra menos a esperteza da esquerda gramsciana do que a estupidez paquid�rmica da nossa classe dominante. Que, por outro lado, os pr�prios agentes do gramscismo finjam acreditar no car�ter apol�tico e puramente higi�nico da campanha moralizante — apaziguando assim os temores daqueles que ser�o suas primeiras v�timas — � nada mais que uma express�o da linguagem dupla, inerente a uma estrat�gia na qual a camuflagem � tudo. S�o li��es de Antonio S�-a-Cabecinha Gramsci.

� quase imposs�vel que, a esta altura, a express�o "invers�o de valores" n�o ocorra ao leitor. Essa invers�o �, de fato, um dos objetivos priorit�rios da revolu��o gramsciana, na fase da luta pela hegemonia. Mas Gramsci �, neste ponto, bastante exigente: n�o basta derrotar a ideologia expressa da burguesia; � preciso extirpar, junto com ela, todos os valores e princ�pios herdados de civiliza��es anteriores, que ela de algum modo incorporou e que se encontram hoje no fundo do senso comum. Trata-se enfim de uma gigantesca opera��o de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda a heran�a moral e cultural da humanidade, para substitu�-la por princ�pios radicalmente novos, fundados no primado da revolu��o e no que Gramsci denomina "historicismo absoluto" ( mais adiante explico ).

Uma opera��o dessa envergadura transcende infinitamente o plano da mera prega��o revolucion�ria, e abrange muta��es psicol�gicas de imensa profundidade, que n�o poderiam ser realizadas de improviso nem � plena luz do dia. O combate pela hegemonia requer uma pluralidade de canais de atua��o informais e aparentemente desligados de toda pol�tica, atrav�s dos quais se possa ir injetando imperceptivelmente na mentalidade popular toda uma gama de novos sentimentos, de novas rea��es, de novas palavras, de novos h�bitos, que aos poucos v� mudando de dire��o o eixo da conduta.

Da� que Gramsci d� relativamente pouca import�ncia � prega��o revolucion�ria aberta, mas enfatize muito o valor da penetra��o camuflada e sutil. Para a revolu��o gramsciana vale menos um orador, um agitador not�rio, do que um jornalista discreto que, sem tomar posi��o expl�cita, v� delicadamente mudando o teor do notici�rio, ou do que um cineasta cujos filmes, sem qualquer mensagem pol�tica ostensiva, afei�oem o p�blico a um novo imagin�rio, gerador de um novo senso comum. Jornalistas, cineastas, m�sicos, psic�logos, pedagogos infantis e conselheiros familiares representam uma tropa de elite do ex�rcito gramsciano. Sua atua��o informal penetra fundo nas consci�ncias, sem nenhum intuito pol�tico declarado, e deixa nelas as marcas de novos sentimentos, de novas rea��es, de novas atitudes morais que, no momento prop�cio, se integrar�o harmoniosamente na hegemonia comunista11.

Milh�es de pequenas altera��es v�o assim sendo introduzidas no senso comum, at� que o efeito cumulativo se condense numa repentina muta��o global ( uma aplica��o da teoria marxista do "salto qualitativo" que sobrevem ao fim de uma acumula��o de mudan�as quantitativas ). Ao esfor�o sistem�tico de produzir esse efeito cumulativo Gramsci denomina, significativamente, "agress�o molecular": a ideologia burguesa n�o deve ser combatida no campo aberto dos confrontos ideol�gicos, mas no terreno discreto do senso comum; n�o pelo avan�o maci�o, mas pela penetra��o sutil, mil�metro a mil�metro, c�rebro por c�rebro, id�ia por id�ia, h�bito por h�bito, reflexo por reflexo.

� claro que a muta��o almejada n�o abrange somente o terreno das convic��es pol�ticas, mas visa principalmente �s rea��es espont�neas, aos sentimentos de base, �s cadeias de reflexos que determinam inconscientemente a conduta. Condutas sedimentadas no inconsciente humano h� s�culos ou mil�nios devem ser desarraigadas, para ceder lugar a uma nova constela��o de rea��es. � importante, por exemplo, varrer do imagin�rio popular figuras tradicionais de her�is e de santos que expressem determinados ideais, pois essas figuras est�o imantadas de uma for�a motivadora que dirige a conduta dos homens num sentido hostil � proposta gramsciana. Elas devem ser substitu�das por um novo pante�o de �dolos, no qual, como se viu acima, Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo, L�nin, St�lin e obviamente o pr�prio Gramsci ocupam os lugares de S. Francisco de Assis, Santa Terezinha do Menino Jesus e tutti quanti. Gramsci copiou nisto uma id�ia de Augusto Comte, de trocar o calend�rio dos santos da Igreja por um pante�o de her�is revolucion�rios. Apenas, os �dolos de Comte eram os da Revolu��o Francesa: Gramsci atualizou a folhinha.

Uma lavagem cerebral de t�o vasta escala n�o poderia, certamente, limitar-se a extirpar da cabe�a humana cren�as religiosas, imagens, mitos e sentimentos tradicionais: ela deveria tamb�m estender-se �s grandes concep��es filos�ficas e cient�ficas. A estas, Gramsci queria destruir pela base, todas de uma vez, para substitu�-las por uma nova cosmovis�o inspirada no marxismo, ou antes, numa caricatura hipertr�fica de marxismo que o pr�prio Marx rejeitaria com desprezo. Pois Marx considerava-se, sobretudo, o herdeiro de grandes tradi��es filos�ficas como o aristotelismo, e construiu sua filosofia no intuito de torn�-la uma ci�ncia, uma descri��o objetivamente v�lida das bases do processo hist�rico. Para Gramsci, as tradi��es filos�ficas devem ser todas varridas de uma vez, e junto com elas a distin��o entre "verdade" e "falsidade". Pois Gramsci n�o � um marxista puro-sangue. Atrav�s de seu mestre Antonio Labriola, ele recebeu uma poderosa influ�ncia do pragmatismo, escola para a qual o conceito tradicional da verdade como uma correspond�ncia entre o conte�do do pensamento e um estado de coisas deve ser abandonado em proveito de uma no��o utilit�ria e meramente operacional. Nesta, "verdade" n�o � o que corresponde a um estado objetivo, mas o que pode ter aplica��o �til e eficaz numa situa��o dada. Enxertando o pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que se jogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovis�o, toda atividade intelectual n�o deveria buscar mais o conhecimento objetivo, mas sim a mera "adequa��o" das id�ias a um determinado estado da luta social. A isto Gramsci denominava "historicismo absoluto". Nesta nova cosmovis�o, n�o haveria lugar para a distin��o — burguesa, segundo Gramsci — entre verdade e mentira. Uma teoria, por exemplo, n�o se aceitaria por ser verdadeira, nem se rejeitaria por falsa, mas dela s� se exigiria uma �nica e decisiva coisa: que fosse "expressiva" do seu momento hist�rico, e principalmente das aspira��es da massa revolucion�ria. Dito de modo mais claro: Gramsci exige que toda atividade cultural e cient�fica se reduza � mera propaganda pol�tica, mais ou menos disfar�ada.

A "filosofia" de Gramsci resolve-se assim num ceticismo teor�tico que completa a nega��o da intelig�ncia pela sua submiss�o integral a um apelo de a��o pr�tica; a��o que, realizada, resultar� em varrer a intelig�ncia da face da Terra, por supress�o das condi��es que possibilitam o seu exerc�cio: a autonomia da intelig�ncia individual e a f� na busca da verdade. Substitu�da a primeira pela arregimenta��o de "intelectuais org�nicos" de carteirinha, e a segunda pela concentra��o de todas as energias intelectuais no nobre mister da propaganda revolucion�ria, qu� sobrar� da aptid�o humana para discernir entre verdade e mentira?

Gramsci �, em suma, o profeta da imbecilidade, o guia de hordas de imbecis para quem a verdade � a mentira e a mentira a verdade. Somente um outro imbecil como Mussolini podia consider�-lo "uma intelig�ncia perigosa". O perigo que h� nela � o da mal�cia que obscurece, n�o o da intelig�ncia que clareia; e a mal�cia � a contrafa��o simiesca da intelig�ncia. Mas a rea��o de Mussolini � significativa. H� nela a t�pica inveja m�rbida do brutamontes de direita pelo intelectual esquerdista, sua sombra junguiana que ele n�o compreende e que por isto mesmo lhe parece, por suas habilidades vistosas, o prot�tipo mesmo da intelig�ncia. A atra��o � m�tua, como se v� pelo culto de Nelson Rodrigues entre os esquerdistas que ele achincalhou como ningu�m. Entre a grossura direitista e a pseudo-intelectualidade esquerdista, a rela��o � o amor-�dio de um casamento sadomasoquista. Casamento entre le genti dolorose / C'hanno perduto il ben dello intelletto... Non ragioniam di lor, ma guarda e passa.

Para quem quer que pense com a pr�pria cabe�a, as teorias de Gramsci n�o apresentam o menor interesse, tanto quanto n�o o apresentam as velhas escolas c�ticas gregas, das quais o gramscismo � uma reedi��o mal atualizada. A refuta��o do ceticismo �, como se sabe, o primeiro teste do aprendiz de fil�sofo. Tal como se refuta o ceticismo — a nega��o de toda certeza — pela simples afirma��o de que a nega��o tamb�m � incerta, o gramscismo igualmente n�o resiste a um confronto consigo mesmo: tendo negado a veracidade objetiva, ele se reduz a uma "express�o de aspira��es". Tendo reduzido toda a cultura � propaganda, ele pr�prio se desmascara como mera propaganda. N�o tem sequer a pretens�o de ser verdadeiro: nada pretende provar nem demonstrar; quer apenas seduzir, induzir, conduzir. O tipo de mentalidade que se interessa por pensamentos desse g�nero � certamente imune a qualquer preocupa��o de veracidade, mas � movido por uma ambi��o insaci�vel que o faz revolver sem descanso as trevas, numa "a��o" est�ril, nervosa, destrutiva, da qual promete em v�o fazer nascer um mundo. Por uma inevit�vel e tr�gica compensa��o, quanto menos um homem � apto a enxergar o mundo, mais assanhado fica de transform�-lo — de transform�-lo � imagem e semelhan�a da sua pr�pria escurid�o interior12.

Se nos perguntamos, agora, como foi poss�vel que uma filosofia assim grosseira alcan�asse no Brasil t�o vasta audi�ncia a ponto de inspirar o programa de um partido pol�tico, a resposta deve levar em considera��o tr�s aspectos: primeiro, a predisposi��o da intelectualidade brasileira; segundo, as condi��es do momento; terceiro, a natureza mesma dessa filosofia.

Ao longo da nossa hist�ria intelectual, somente tr�s correntes de pensamento lograram exercer uma influ�ncia duradoura e profunda sobre as camadas intelectuais brasileiras: o positivismo de Augusto Comte, o neotomismo de Le�o XIII, o marxismo. O que h� de comum entre elas � que n�o s�o propriamente filosofias, mas programas de a��o coletiva, destinados a moldar ou remoldar o mundo segundo as aspira��es de suas �pocas e de seus mentores. O positivismo parte da constata��o de que a Revolu��o Francesa, derrubando as concep��es crist�s, deixou sua obra pela metade, na medida em que n�o p�s no lugar delas uma nova religi�o; o positivismo constitui esta nova religi�o, com templo, calend�rio dos santos, ritual e tudo o mais; e as teorias filos�ficas n�o s�o sen�o a sustenta��o do novo Estado teocr�tico que Comte pretende fundar. O neotomismo � a rea��o que, ao novo Estado teocr�tico, op�e um apelo ao retorno do antigo, devidamente revisto e atualizado. Finalmente, o marxismo � o programa de a��o do movimento socialista. Nos tr�s, as id�ias, as teorias, n�o t�m um valor intr�nseco mas servem apenas como retaguardas psicol�gicas da a��o pr�tica. Os tr�s n�o querem interpretar o mundo, mas transform�-lo. ( Cabe uma ressalva com rela��o ao neotomismo: n�o confundi-lo com o tomismo, se por esta palavra se entende a filosofia de Sto. Tom�s de Aquino. O tomismo � filosofia no sentido pleno; o neotomismo �, ao contr�rio, um movimento cultural e pol�tico — ideol�gico, em suma — votado � difus�o dessa filosofia, tomada como solu��o pronta de todos os problemas e, portanto, esvaziada de boa parte de sua subst�ncia filos�fica. Afinal, tudo o que � neo-alguma-coisa �, por defini��o, apenas uma nova casca da qual essa coisa � o miolo. Observa��es semelhantes poderiam fazer-se, com reservas, tamb�m do positivismo e do marxismo: em ambos h� na raiz algo de filosofia aut�ntica, sufocada pelo desenvolvimento hipertr�fico de um programa de a��o pr�tica, dela deduzido aos trambolh�es. )

Filosofias que recuam da especula��o teor�tica para a proposi��o de a��es pr�ticas s�o filosofias da decad�ncia; marcam as �pocas em que os homens j� n�o conseguem compreender o mundo e passam a agitar-se para escapar de um mundo incompreens�vel. A sof�stica nasce, na Gr�cia, do fracasso das primeiras especula��es cosmol�gicas de Tales, Anaximandro, Anaximenes, Parm�nides e Her�clito; incapaz de resolver as contradi��es entre as teorias, ela transfere o eixo das preocupa��es humanas para a vida pr�tica imediata: para a pol�tica do dia. Os sofistas s�o professores de ret�rica, que ensinam aos jovens pol�ticos os meios de agir sobre as consci�ncias. � sof�stica op�e S�crates a dial�tica e o ideal da demonstra��o apod�ctica que orientar� os esfor�os gregos em dire��o ao saber cient�fico. Cinco s�culos mais tarde, ap�s o esquecimento das grandes s�nteses teor�ticas de Plat�o e Arist�teles, tornam-se novamente dominantes as escolas praticistas: os c�nicos, os cirenaicos, os meg�ricos e, em parte, os est�icos. E assim prossegue a hist�ria do pensamento Ocidental, numa pulsa��o entre o empenho da compreens�o teor�tica e a queda no ceticismo praticista. O fundo comum de onde emergem o positivismo, o marxismo e o neotomismo � a dissolu��o do racionalismo cl�ssico, levado a um beco sem sa�da pela cr�tica kantiana e que tem no idealismo alem�o o seu canto de cisne. Positivismo, marxismo e neotomismo s�o as filosofias de uma �poca que n�o tem filosofia nenhuma; de uma �poca que anseia por transformar o mundo na medida mesma em que � incapaz de desempenhar o esfor�o teor�tico necess�rio para compreend�-lo.

Num texto cl�ssico — Crise da Filosofia Ocidental ( l874 ) —, o fil�sofo russo Vladimir Soloviev previu que a filosofia, como atividade intelectual essencialmente individual, oposta ao pensamento coletivo da religi�o e da ci�ncia, estava em vias de acabar, para ceder lugar a algo de totalmente diferente. Ele esperava o advento de uma grande s�ntese, mas o que se viu foi o advento do "s�culo das ideologias". Ora, o Brasil entra no curso espiritual do mundo justamente no momento em que Soloviev faz esse diagn�stico: recebemos maci�amente o impacto das novas ideologias, antes de termos podido vivenciar a tradi��o filos�fica que as antecedeu. Nosso contato com as fontes filos�ficas da civiliza��o do Ocidente continuou superficial, ao passo que nos entreg�vamos de corpo e alma �s ret�ricas coletivistas. Passado mais de um s�culo, ainda n�o temos uma boa tradu��o de Arist�teles, mas publicamos, j� na d�cada de 60, as obras completas de Antonio Gramsci.

De outro lado, toda tentativa nossa de penetrar mais fundamente no campo da filosofia mesma ficou limitada pela timidez, pela inseguran�a, que nos fazia apegar-nos como crian�as � prote��o de algum superego estrangeiro da moda. Cinco d�cadas de atividade filosofante na USP foram resumidas no t�tulo acachapante do livro rec�m-publicado de Paulo Arantes: Um Departamento Franc�s de Ultramar. Escrit�rios de importa��o, representantes autorizados, imita��o, pedantismo, oscila��o entre a falsa consci�ncia e a consci�ncia de culpa marcam todos os nossos esfor�os filos�ficos universit�rios no sentido de um pensamento independente. No fim, o intelectual com pretens�es filos�ficas s� encontra al�vio quando desiste delas e recai no pensamento coletivo; quando, abdicando de interpretar o mundo, se alinha, contrito e obediente, numa das correntes que professam transform�-lo: as convers�es ao catolicismo, ao comunismo e �s ideologias cientificistas originadas do positivismo constituem — independentemente dos motivos pessoais em cada caso — um melanc�lico ritornello na hist�ria dos fracassos das nossas ambi��es filos�ficas. A queda no pensamento coletivo � vivenciada como um retorno da ovelha desgarrada, como uma liberta��o das culpas, como um reencontro com a inf�ncia perdida. Ao reintegrar-se numa comunidade ideol�gica o ex-fil�sofo arrependido encontra ainda um al�vio para o isolamento que cerca o intelectual no meio subdesenvolvido, e o ingresso no grupo solid�rio arremeda a descoberta de um "sentido da vida".

A intelectualidade brasileira estava, por todos esses fatores, fundamente predisposta ao apelo gramsciano, onde a vida intelectual deixa de ser o esfor�o solit�rio de quem cherche en g�missant, para tornar-se a participa��o num "sentido da vida" amparado pela solidariedade coletiva. O Partido � �s vezes chamado por Gramsci "intelectual coletivo". � o abrigo dos fracos. A� a ascens�o ao estatuto de intelectual � barateada: j� n�o custa a penosa aquisi��o de conhecimentos, a investiga��o pessoal, a luta direta com as incertezas. Obt�m-se pelo cont�gio passivo de cren�as, de um vocabul�rio comum, de cacoetes distintivos13. A sociedade em torno legitima a par�dia: diante dessas marcas exteriores, o brutamontes de direita acredita piamente estar na presen�a de um intelectual. A m�dia faz o resto.

O segundo fator, a situa��o do momento, pode-se descrever mais ou menos assim: desde a derrota da luta armada, a esquerda andava em busca de uma estrat�gia pela qual se orientar. N�o sendo capaz de criar uma nova e n�o encontrando no repert�rio mundial uma outra � sua disposi��o, ela aderiu a Gramsci quase por automatismo, sonambulicamente, levada pela car�ncia de op��es.

De fato, o comunismo internacional s� teve, ao longo de sua hist�ria, um n�mero pequeno de propostas estrat�gicas. Marx n�o apresentou nenhuma. A primeira que fez sucesso foi a de L�nin. Consistia na forma��o de uma elite autonomeada, na tomada do poder por um golpe s�bito, na posterior convers�o for�ada do proletariado a uma causa vencedora que se apresentava como sua. A proposta de L�nin veio a predominar sobre o socialismo evolucion�rio de Edward Bernstein, o que provocou o racha entre os partidos comunistas e a social-democracia, que pregava a tomada do poder por via pac�fica, eleitoral e gradualista. Hoje em dia a social-democracia � a grande vencedora, dominando toda a Europa; mas, no tempo de L�nin, sua rejei��o pelos comunistas parecia prenunciar o seu fracasso, o que a queda de governos social-democratas ante o avan�o do nazismo aparentemente confirmou. A terceira grande estrat�gia foi a de Mao Ts�-tung. Nas condi��es da China, n�o havia um proletariado urbano suficiente sequer para dar apoio moral � guerra revolucion�ria, e como, por outro lado, o ex�rcito revolucion�rio, banido dos grandes centros, acabasse iniciando uma "grande marcha" pelos campos, o apoio das popula��es camponesas tornou-se fundamental, e Mao teorizou a coisa a posteriori, transformando a revolu��o prolet�ria em "guerra revolucion�ria oper�rio-camponesa" — o que teria provocado engulhos em Karl Marx, que via nos camponeses uma horda de reacion�rios incur�veis. Paralelamente, a submiss�o do movimento comunista internacional aos interesses da pol�tica exterior sovi�tica deu nascimento a uma quarta estrat�gia, que encontrou sua mais clara express�o no Front Popular, e que consistia fundamentalmente numa alian�a dos comunistas com os "elementos progressistas" de todas as outras correntes, direitistas inclusive. A�, a pretexto de antifascismo, at� Benedetto Croce ficou simp�tico. Finalmente, a quinta estrat�gia do movimento comunista surgiu da revolu��o cubana e da guerra do Vietn�. Sem um autor definido, resultando de enxertos e mixagens de v�rias proveni�ncias, ela fundia, num vasto plano de guerrilhas, o combate rural e o urbano. Uma de suas vers�es foi a "teoria foquista" difundida por um doid�o de nome R�gis D�bray, que obteve ampla audi�ncia na Am�rica Latina e propunha, para fazer face ao poder maci�o do imperialismo norte-americano, a forma��o de variados e simult�neos "focos" de guerrilhas. A teoria resumia-se no slogan ent�o pixado nos muros de todas as universidades: "Um, dois, tr�s, muitos Vietn�s". Deu no que deu. Dentre as muitas mixagens, uma particularmente interessante foi a que fundiu a estrat�gia comunista — at� a� fundamentalmente prolet�ria e camponesa, ao menos no nome — com as heresias de Herbert Marcuse, segundo o qual prolet�rios e camponeses tinham-se integrado ao "sistema" e a revolu��o n�o tinha outros representantes autorizados sen�o os estudantes e intelectuais, de um lado, e, de outro, a massa dos miser�veis e marginalizados, o vasto Lumpenproletariat, do qual o velho Karl Marx aconselhava que os militantes comunistas fugissem como se foge de um assaltante � m�o armada. Um dos resultados locais deste enxerto foi que, ap�s a derrota da luta armada, os militantes brasileiros presos passaram a alimentar uma vaga esperan�a no potencial revolucion�rio do Lumpen, e, para adiantar o expediente, trataram de ir ensinando t�ticas de guerrilha aos bandidos com quem conviviam no pres�dio da Ilha Grande. ( Mais tarde ainda, a fus�o do gramscismo com res�duos do marcusismo transformaria num dos pratos de resist�ncia do card�pio esquerdista a defesa da legitimidade do banditismo como "protesto social", que, formando polaridade com a onda de combate moralista aos "colarinhos brancos", estabeleceria uma dupla moral para o julgamento dos crimes: brando para com o Lumpen, mesmo quando este mata ou estupra, rigoroso para com os ricos e a classe-m�dia, quando cometem delitos contra o patrim�nio — a mais curiosa invers�o j� observada na hist�ria da moralidade. )

Nessa resenha das estrat�gias comunistas, onde entra o gramscismo? N�o entra. Ele ficou de fora, restrito a c�rculos locais italianos, e s� alcan�ou maior difus�o, mesmo na It�lia, ap�s a d�cada de 50, com a edi��o das obras completas de Gramsci por Einaudi. A partir de l964, a fac��o comunista brasileira ainda fiel � orienta��o moscovita de alian�a com a burguesia acreditou ver em Gramsci um potencial renovador desta estrat�gia, com a qual ele coincide ao menos no que diz respeito ao car�ter eminentemente n�o-sangrento da luta revolucion�ria e na cuidadosa exclus�o de quaisquer radicalismos que pudessem estreitar a base das colabora��es poss�veis. Porta-voz dessa corrente, o editor �nio Silveira empreendeu ent�o a publica��o ao menos das principais obras de Gramsci: A Concep��o Dial�tica da Hist�ria; Maquiavel, a Pol�tica e o Estado Moderno; Os Intelectuais e a Organiza��o da Cultura; Literatura e Vida Nacional e Cartas do C�rcere.

Estas obras foram muito lidas, mas, numa atmosfera dominada pela obsess�o da luta armada, n�o exerceram influ�ncia pr�tica imediata. Seu potencial ficou retido at� a derrota da luta armada, que provocou, como n�o poderia deixar de ser, um retorno generalizado �s teses do combate pac�fico e aliancista defendidas pelo PC pr�-Moscou. O reatamento do romance entre a esquerda armada e a desarmada deu-se, naturalmente, sobre um fundo musical orquestrado pelo maestro Antonio Gramsci. Simplesmente n�o havia outro capaz de musicar esta cena. A esquerda tornou-se gramsciana meio �s tontas, jogada pelo entrechoque dos acontecimentos, como bolas de bilhar que, impelindo umas �s outras, v�o dar todas enfim na ca�apa.

Agora, a imprensa brasileira acaba de descobrir, com um atraso de dez anos, que o programa do PT � gramsciano. Mas, al�m de tardia, esta descoberta � inexata: n�o � s� o PT que segue Gramsci: todos os homens de esquerda neste pa�s o fazem h� uma d�cada, sem se dar conta. O gramscismo domina a atmosfera por simples aus�ncia de outras propostas e tamb�m por uma raz�o especial: atuando menos no campo do combate ideol�gico expresso do que no da conquista do subconsciente, ele se propaga por mero cont�gio de modas e cacoetes mentais, de maneira que p�e a seu servi�o informal uma legi�o de pessoas que nunca ouviram falar em Antonio Gramsci. O gramscismo conta menos com a ades�o formal de militantes do que com a propaga��o epid�mica de um novo "senso comum". Sua facilidade de arregimentar colaboradores mais ou menos inconscientes �, por isto, simplesmente prodigiosa.

Eis ai o terceiro fator a que me referi. O gramscismo � menos uma filosofia do que uma estrat�gia de a��o psicol�gica, destinada a predispor o fundo do "senso comum" a aceitar a nova t�bua de crit�rios proposta pelos comunistas, abandonando, como "burgueses", valores e princ�pios milenares.

Que essa "filosofia", para se propagar, n�o conte tanto com a persuas�o racional como com a efic�cia da penetra��o sutil no inconsciente das massas, � o que se v� claramente pela sua �nfase na conquista das mentes infantis — um terreno onde o avan�o da esquerda vem causando um dano incalcul�vel a milh�es de crian�as brasileiras, usadas como cobaias de uma desastrosa experi�ncia gramsciana. Que, enfim, essa corrente haja alcan�ado sucesso no Brasil, � algo que testemunha a mis�ria intelectual de um meio onde os letrados, incapazes de suportar o isolamento, buscam menos a verdade e o conhecimento do que uma carteirinha de intelectual org�nico, que lhes garanta o apoio psicol�gico de um vasto grupo solid�rio e os aureole de um amb�guo prest�gio aos olhos dos brutamontes de direita, sua mal disfar�ada paix�o.

Isso n�o poderia acontecer sen�o aqui.

 

 

Adendos

 

1

O n�mero dos adeptos conscientes e declarados do gramscismo � pequeno, mas isto n�o impede que ele seja dominante. O gramscismo n�o � um partido pol�tico, que necessite de militantes inscritos e eleitores fi�is. � um conjunto de atitudes mentais, que pode estar presente em quem jamais ouviu falar de Antonio Gramsci, e que coloca o indiv�duo numa posi��o tal perante o mundo que ele passa a colaborar com a estrat�gia gramsciana mesmo sem ter disto a menor consci�ncia. Ningu�m entender� o gramscismo se n�o perceber que o seu n�vel de atua��o � muito mais profundo que o de qualquer estrat�gia esquerdista concorrente. Nas demais estrat�gias, h� objetivos pol�ticos determinados, a servi�o dos quais se colocam v�rios instrumentos, entre eles a propaganda. A propaganda permanece, em todas elas, um meio perfeitamente distinto dos fins. Por isto mesmo a atua��o do leninismo, ou do maoismo, � sempre delineada e vis�vel, mesmo quando na clandestinidade. No gramscismo, ao contr�rio, a propaganda n�o � um meio de realizar uma pol�tica: ela � a pol�tica mesma, a ess�ncia da pol�tica, e, mais ainda, a ess�ncia de toda atividade mental humana. O gramscismo transforma em propaganda tudo o que toca, contamina de objetivos propagand�sticos todas as atividades culturais, inclusive as mais in�cuas em apar�ncia. Nele, at� simples giros de frase, estilos de vestir ou de gesticular podem ter valor propagand�stico. � esta onipresen�a da propaganda que o singulariza e lhe d� uma for�a que seus advers�rios, acostumados a medir a envergadura dos movimentos pol�ticos pelo n�mero de adeptos formalmente comprometidos, nem de longe podem avaliar.

Um detalhe que assinala bem as diferen�as � a atitude do gramscismo perante a arte engajada. Outras estrat�gias exigem do artista que ele imprima �s suas obras um sentido pol�tico determinado, ou que, pelo menos, sua vis�o do mundo, expressa em cada obra, seja coerente com a interpreta��o marxista. A literatura engajada do leninismo, do stalinismo ou do maoismo, � portanto uma cole��o de obras das quais cada uma, por si, � uma pe�a de propaganda, com valor aut�nomo. J� no gramscismo o que interessa � apenas o efeito de conjunto da massa de obras liter�rias em circula��o. Esse efeito de conjunto deve tender � mudan�a do senso comum desejada pelo Partido, pouco importando que cada obra, tomada isoladamente, nada tenha de marxista ou seja mesmo destitu�da de qualquer valor propagand�stico.

Gra�as a isto, o julgamento gramsciano de cada obra � muito menos r�gido e dogm�tico que o de outras correntes marxistas — o que muito contribuiu para elevar o seu prest�gio entre intelectuais ansiosos por conciliar seus ideais marxistas com seu desejo pessoal de liberdade.

No gramscismo, qualquer obra liter�ria pode contribuir para a propaganda marxista, dependendo apenas do contexto em que � divulgada — tal como num jornal o teor das not�cias tomadas individualmente interessa menos do que sua localiza��o na p�gina, ao lado de outras not�cias cujo efeito de conjunto imprime um novo sentido a cada uma delas.

O objetivo primeiro do gramscismo � muito amplo e geral em seu escopo: nada de pol�tica, nada de prega��o revolucion�ria, apenas operar um giro de cento e oitenta graus na cosmovis�o do senso comum, mudar os sentimentos morais, as rea��es de base e o senso das propor��es, sem o confronto ideol�gico direto que s� faria excitar prematuramente antagonismos indesej�veis.

As mudan�as a� operadas podem ser, no entanto, muito mais profundas e decisivas do que a mera ades�o consciente de um eleitorado �s teses comunistas. Mudan�as de crit�rio moral, por exemplo, t�m efeitos explosivos. Essas mudan�as podem ser induzidas atrav�s da imprensa, sem qualquer ataque frontal e expl�cito aos crit�rios admitidos. Um caso que ilustra isto perfeitamente bem, e que demonstra o alcance da estrat�gia gramsciana no Brasil, � o do notici�rio sobre corrup��o. A campanha pela �tica na Pol�tica n�o surgiu com um intuito moralizador, mas como uma proposta pol�tica antiliberal. Numa entrevista ao Jornal do Brasil, um dos fundadores da campanha, Herbert de Souza, o Betinho, deixou isso perfeitamente claro. A campanha surgiu numa reuni�o de intelectuais de esquerda em busca de uma f�rmula contra Collor, muito antes de que houvesse qualquer den�ncia de corrup��o no governo. Mais tarde, estas den�ncias vieram a dar � campanha uma for�a inesperada, trazendo para ela a ades�o de massas de classe-m�dia moralista que, politicamente, teriam tudo para se opor a qualquer proposta explicitamente esquerdista. Ora, a campanha exerceu uma influ�ncia decisiva na dire��o do notici�rio nos jornais e na TV. Essa influ�ncia foi tal que introduziu nos julgamentos morais uma mudan�a profunda. Impressionado pelo conte�do escandaloso das not�cias, o p�blico nem de longe reparou que a edi��o delas subentendia essa mudan�a, que, conscientemente, ele n�o aprovaria. Ela consistiu em fazer com que os crimes contra o patrim�nio p�blico parecessem infinitamente mais graves e revoltantes do que os crimes contra a pessoa humana. P. C. Farias, um tr�mulo estelionat�rio incapaz de dar um pontap� num cachorro, era apresentado como um Al Capone, ao mesmo tempo que se minimizava a gravidade do banditismo armado. Se de um lado jornalistas de esquerda promovem um ataque maci�o aos criminosos de colarinho branco e de outro lado intelectuais de esquerda lutam para que os chefes de bandos de assassinos armados sejam reconhecidos como "lideran�as populares" leg�timas, o efeito conjugado dessas duas opera��es � bem n�tido: atenuar a gravidade dos crimes contra a pessoa, quando cometidos pela classe baixa e aproveit�veis politicamente pelas esquerdas, e enfatizar a dos crimes contra o patrim�nio, quando cometidos por membros da classe dominante. Eis a� a luta de classes transformada em supremo crit�rio da moral, desbancando o preceito milenar, arraigado no senso comum, de que a vida � um bem mais sagrado do que o patrim�nio.

Para que essas duas opera��es ocorram simultaneamente, produzindo um resultado unificado, n�o � preciso que emanem de um comando central organizado. Basta que os intelectuais envolvidos numa e noutra comunguem ainda que vagamente de um esp�rito revolucion�rio gramsciano, para que, numa esp�cie de cumplicidade impl�cita, cada qual realize sua tarefa e todos os resultados venham a convergir na dire��o dos fins gramscianos. Isto n�o exclui, � claro, a hip�tese de um comando unificado, mas, para o sucesso da estrat�gia gramsciana, a unidade de comando, ao menos ostensiva, � bastante dispens�vel na fase da luta pela hegemonia.

� interessante saber que, na Constitui��o do Estado sovi�tico, o homic�dio doloso era punido com apenas dez anos de cadeia e os crimes contra a administra��o p�blica sujeitavam o culpado � pena de morte. Nem poderia ser de outro modo, dado o pouco valor que, na perspectiva marxista, tem a vida individual quando n�o posta a servi�o da revolu��o. Ora, o notici�rio sobre corrup��o conseguiu introduzir na mente brasileira o h�bito de julgar as coisas segundo uma escala moral sovi�tica; e o fez com muito mais efici�ncia do que lograria em anos e anos de debates expl�citos. Uma vez explicitada, essa mudan�a seria rejeitada com horror por um povo em que ainda s�o vivos, no fundo, os sentimentos crist�os. Introduzida por baixo, como crit�rio subjacente, ela penetra �s ocultas no senso comum e o perverte at� a raiz, preparando-o para aceitar passivamente, no futuro, aberra��es maiores ainda, que venham a ser impostas por um Estado socialista14.

A atua��o espont�nea, aparentemente inconexa, de milhares de intelectuais — no sentido gramsciano — em setores distintos da vida p�blica, pode ser facilmente dirigida para onde o deseja a revolu��o gramsciana, n�o sendo necess�rio para isto nem mesmo um oculto Comit� Central de super-c�rebros a comandar o conjunto da opera��o. Basta que uma cumplicidade inicial se estabele�a entre certos grupos, para que, sobretudo na aus�ncia de qualquer confronto cr�tico com outras correntes, o gramscismo avance como sobre trilhos azeitados, na estrada que leva � conquista da hegemonia. Ele j� penetrou fundo, por esse caminho, na mentalidade brasileira. Quando um partido pol�tico assume publicamente sua identidade gramsciana, � que a fase do combate informal — a decisiva — j� est� para terminar, pois seus resultados foram atingidos. Vai come�ar a luta pelo poder. O que marca esta nova fase � que todos os advers�rios ideol�gicos j� foram vencidos ou est�o moribundos; nenhum outro discurso ideol�gico se op�e ao gramscismo, e os advers�rios pol�ticos que restam lhe d�o ainda maior refor�o, na medida em que, n�o possuindo alternativa mental, pensam dentro dos quadros conceituais e valorativos demarcados por ele e s� podem combat�-lo em nome dele mesmo. Isto � hegemonia.

 

2

Gramsci jura que � leninista, mas como ele atribui a L�nin algumas id�ias de sua pr�pria inven��o das quais L�nin nunca ouviu falar, as rela��es entre gramscismo e leninismo s�o um abacaxi que os estudiosos buscam descascar revirando os textos com uma paci�ncia de exegetas cat�licos. Uma dessas id�ias � a de "hegemonia", central no gramscismo. Gramsci diz que ela foi a "maior contribui��o de L�nin" � estrat�gia marxista, mas o conceito de hegemonia n�o aparece em parte alguma dos escritos de L�nin. Alguns exegetas procuraram resolver o enigma identificando a hegemonia com a ditadura do proletariado, mas isto n�o d� muito certo porque Gramsci diz que uma classe s� implanta uma ditadura quando n�o tem a hegemonia. As rela��es entre Gramsci e Marx tamb�m s�o embrulhadas, como se v� no uso do termo "sociedade civil": para Marx, sociedade civil � o termo oposto e complementar do "Estado", e, logo, se identifica com o reino das rela��es econ�micas, ou infra-estrutura. Em Gramsci, a sociedade civil, somada � sociedade pol�tica ou Estado, comp�e a superestrutura que se assenta sobre a base econ�mica.

Essas e outras dificuldades de interpreta��o do pensamento de Gramsci decorrem, em parte, do car�ter fragment�rio e disperso dos seus escritos. Talvez elas possam ser resolvidas, mas o que � realmente espantoso � que, alguns anos ap�s revelada ao mundo a ma�aroca dos textos gramscianos, e antes mesmo que algum s�rio exame produzisse uma interpreta��o aceit�vel do seu sentido, ela j� fosse adotada como norma diretiva por v�rias organiza��es, come�ando a produzir efeitos pr�ticos sobre os quais ningu�m, nessas condi��es, poderia ter o m�nimo controle. Essa ades�o apressada a uma id�ia que mal se compreendeu assinala uma tremenda irresponsabilidade pol�tica, um desejo �vido de atuar sobre a sociedade humana sem medir as consequ�ncias. � claro que ningu�m adere a Gramsci com outro prop�sito que n�o o de implantar o comunismo em alguma parte do mundo. Mas, sendo o gramscismo um pensamento obscuro e �s vezes incompreens�vel, n�o h� nenhum motivo para crer que sua aplica��o deva produzir nem mesmo esse resultado, lament�vel o quanto seja. Pode acontecer, por exemplo, que a estrat�gia gramsciana n�o gere outro efeito al�m de tornar os burgueses ateus, retirando os freios que a religi�o impunha � sua cobi�a e ao seu maquiavelismo. Algo muito parecido aconteceu na pr�pria terra de Gramsci: � imposs�vel n�o haver conex�o entre a decad�ncia da f� cat�lica e a transforma��o da It�lia numa Sodoma capitalista. A nova cultura materialista e gramsciana que dominou a atmosfera intelectual italiana desde a d�cada de 60 muito contribuiu para esse resultado; apenas, n�o se v� que vantagem os comunistas puderam tirar disso. Os esquerdistas brasileiros deveriam pensar na experi�ncia italiana antes de atirar-se a aventuras gramscianas que, na educa��o como na pol�tica, podem levar a resultados t�o confusos quanto as id�ias que as inspiram.

 

3

O termo "Estado �tico" � ele mesmo um dos primores de ambiguidade que se encontram na mix�rdia gramsciana. Ora ele designa o Estado comunista, ora o Estado capitalista avan�ado, ora qualquer Estado. De modo mais geral, Gramsci denomina "�tico" todo Estado que procure elevar a psique e a moral de seus cidad�os ao n�vel atingido pelo "desenvolvimento das for�as produtivas", subentendendo-se que o Estado comunista faz isto melhor do que ningu�m. A id�ia � intrinsecamente imoral: consiste em submeter a moral �s exig�ncias da economia. Se, por exemplo, um determinado est�gio do "desenvolvimento das for�as produtivas" requer que todos os habitantes de uma regi�o sejam removidos para o outro extremo do pa�s, como aconteceu muitas vezes na Uni�o Sovi�tica, torna-se "�tica" a conduta de um garoto que denuncie o pai �s autoridades por tentar fugir para uma cidade pr�xima. A asquerosa admira��o que os brasileiros v�m demonstrando nos �ltimos tempos pelos irm�os que delatam irm�os, pelas esposas que delatam maridos, � �ndice de uma nova moralidade, inspirada em valores gramscianos. N�o h� d�vida de que o novo crit�rio � "�tico" no sentido gramsciano, isto �, economicamente �til, j� que a dela��o generalizada de pais, irm�os, maridos e amantes pode ressarcir alguns preju�zos sofridos pelo Estado. Mas isto n�o atenua sua imoralidade intr�nseca.

 

415

Em cursos e confer�ncias, venho falando do gramscismo petista desde 1987 pelo menos, para plat�ias em que n�o faltaram jornalistas. Mas a imprensa brasileira, refrat�ria a tudo quanto seja novo, s� em 1994 informou ao p�blico a inspira��o gramsciana do petismo, quando ela n�o era mais uma tend�ncia latente e j� se havia externalizado no programa oficial do partido. O primeiro a dar o alarma foi Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, logo ap�s a publica��o deste livro que ali�s nem sei se ele leu; mas limitava-se a mencionar o nome do ide�logo italiano, sem nada dizer do conte�do de suas id�ias. N�o teve a menor repercuss�o. Mais tarde li duas ou tr�s frases alusivas a Gramsci, em outros jornais e em Veja. Tudo muito sum�rio, num tom de quem contasse com a compreens�o de uma plat�ia versad�ssima em gramscismo. � o velho jogo-de-cena do histrionismo brasileiro: dar por pressuposto que o ouvinte sabe do que estamos falando � um modo de induzi-lo a crer que sabemos do que falamos. Na verdade, fora dos c�rculos do petismo letrado, s� sabem de Gramsci uns quantos acad�micos, entre os quais Oliveiros da Silva Ferreira, que defendeu uma tese sobre o assunto numa USP carregada de odores gramscianos, na d�cada de 60. Gramsci continua esot�rico, lido s� em fam�lia, a salvo de qualquer cr�tica exceto amig�vel — uma cr�tica dos meios, conivente com os fins, numa atmosfera de culto e devo��o que raia a pura e simples babaquice. Mas pelo mundo civilizado circulam cr�ticas devastadoras, que provavelmente jamais chegar�o ao conhecimento do p�blico brasileiro. Assinalo as de Roger Scruton16 e Alfredo S�enz17, que tomam o assunto por lados bem diferentes daquele que abordo neste livro, mas chegam a conclus�es n�o menos reprobat�rias.

Devo apontar como exce��o not�vel, ainda que tardia, um artigo de M�rcio Moreira Alves18. Ele resgata parcialmente a honra da imprensa brasileira, mostrando que h� nela pelo menos um c�rebro capaz de saber de Gramsci algo mais do que o nome e pelo menos um rep�rter que n�o foge da not�cia. Ele explica em linhas gerais a estrat�gia gramsciana e o estado presente de sua aplica��o pela lideran�a petista, levando � conclus�o de que, em vez de criar uma democracia como o partido promete, ela vai produzir aqui a ditadura de uma capelinha de intelectuais. � lament�vel, apenas, que no reduzido espa�o de sua coluna o sempre surpreendente Moreira Alves n�o pudesse abranger assunto t�o vasto sen�o em abreviatura pesadamente t�cnica, de dif�cil assimila��o pelo p�blico. O Globo deveria dar-lhe duas p�ginas inteiras para trocar em mi�dos os ensinamentos ali contidos, talvez os mais importantes e urgentes que a imprensa brasileira transmitiu ao p�blico nos �ltimos anos.

Particularmente oportuna � ali a observa��o de que o programa mesmo do PT reconhece — oficialmente, por assim dizer — a hegemonia da esquerda, principalmente no campo cultural mas tamb�m na pol�tica, na medida em que proclama o ingresso atual do Brasil num novo "bloco hist�rico" ( sistema cerrado de rela��es entre a economia e a superestrutura cultural, moral e jur�dica ). � digna da maior aten��o, no programa do PT, a parte referente � "revolu��o passiva". A passagem ao novo "bloco hist�rico" ser� feita pela elite ativista com base no "consenso passivo" da popula��o. Isto quer dizer, sumariamente, que o povo n�o precisar� manifestar seu apoio ao programa do PT para que este se sinta autorizado a promover a transforma��o revolucion�ria da sociedade. A simples aus�ncia de rea��o hostil, para n�o dizer de rebeli�o, ser� interpretada como aprova��o popular: quem cala consente, em suma. A proposta � de um cinismo descarado. Ela investe o PT do direito divino de agir em nome do povo sem precisar ouvi-lo, j� que o sil�ncio se tornar� aplauso. Durante sete d�cadas o sil�ncio de um povo oprimido foi interpretado como "aprova��o passiva" pelo governo da URSS. Em linguagem t�cnica mas incisiva, M�rcio Moreira Alves mostra que por esse caminho n�o se pode chegar a uma democracia. Discordo dele s� num ponto: ele acha que a estrat�gia petista � uma trai��o aos ideais de Gramsci, e eu estou seguro de que ela � a mais pura encarna��o do gramscismo universal19.

O mais lament�vel em toda essa hist�ria � que a massa dos militantes do PT n�o tem a menor condi��o intelectual de compreender as sutilezas da estrat�gia gramsciana, e vai se deixando conduzir sonambulicamente pelos guias iluminados, sem fazer perguntas quanto � verdadeira meta da jornada.

 

NOTAS

  1. Para Karl Marx, aqueles que captam o sentido do movimento da Hist�ria e representam as "for�as progressistas" ficam ipso facto liberados de qualquer dever com a "moral abstrata" da burguesia; seu �nico dever � acelerar o devir hist�rico em dire��o ao socialismo, pouco importando os meios. Baseado nesse princ�pio, L�nin codificou a moral partid�ria, onde o �nico dever � servir ao partido. Esta moral, por sua vez, deu origem ao Direito sovi�tico, que colocava acima dos direitos humanos elementares os deveres para com o Estado revolucion�rio. A dela��o de corruptos ou traidores, por exemplo, era na Uni�o Sovi�tica uma obriga��o b�sica do cidad�o. Mas n�o � s� na teoria que o comunismo � imoral. No Estado socialista, todos s�o funcion�rios p�blicos, e basta isto para que a corrup��o se torne institucional. Na Uni�o Sovi�tica ningu�m conseguia tirar um documento ou consertar uma linha telef�nica sem soltar propinas: ao socializar a economia, socializa-se a corrup��o. A desonestidade desce das camadas dominantes para corromper todo o povo. O mesmo aconteceu na China, pa�s que ademais se notabilizou por ser o maior distribuidor de t�xicos deste planeta. A justificativa, na �poca, era que os t�xicos enfraqueceriam a "juventude burguesa" e facilitariam o avan�o do socialismo, sendo, portanto, ben�ficos ao progresso humano. As drogas s� se tornaram um problema de escala mundial gra�as ao comunismo chin�s, que, com isto, se tornou culpado de um crime de genoc�dio pelo qual, at� hoje, ningu�m teve coragem de acus�-lo.

    Ainda segundo a moral comunista, as pessoas profundamente apegadas aos ideais burgueses s�o doentes incorrig�veis, devendo por isto ser isoladas ou exterminadas. Sessenta milh�es de pessoas foram mortas, na Uni�o Sovi�tica, em nome da reedifica��o da cultura e da personalidade. No Camboja, o genoc�dio foi adotado como procedimento normal e leg�timo.

    Foram os comunistas que, com base nas descobertas de Pavlov, desenvolveram o sistema de lavagem cerebral, para despersonalizar os prisioneiros e lev�-los a confessar crimes que n�o haviam cometido.

    Foi tamb�m o comunismo que instituiu o sistema de romper sem aviso pr�vio acordos internacionais, tratados de paz e compromissos comerciais, institucionalizando no mundo o do gangsterismo como norma de conduta diplom�tica, depois copiado por Hitler. Campos de concentra��o e de exterm�nio s�o tamb�m uma inven��o comunista imitada pelo nazismo.

    O governo comunista da URSS criou o maior sistema de espionagem interna de que se teve not�cia na hist�ria humana, a KGB, e por meio dela tornou-se o primeiro governo essencialmente policial do mundo.

    O comunismo foi ainda o primeiro regime a instituir em escala continental a mentira sistem�tica como padr�o de ensino p�blico, e a falsifica��o da ci�ncia como meio de controle da opini�o.

    Que tudo isso possa ser um enorme tecido de coincid�ncias, que n�o haja nenhuma conex�o intr�nseca entre todos esses horrores e a ideologia socialista, � somente mais uma mentira propagada por intelectuais ativistas cuja forma��o marxista os tornou para sempre c�nicos, hip�critas e incapazes de qualquer sentimento moral.

    A participa��o intensa de intelectuais marxistas na campanha pela "�tica na Pol�tica" � um sinal seguro de que essa campanha n�o moralizar� a pol�tica, mas apenas politizar� a �tica, tornando-a uma serva de objetivos intrinsecamente imorais. Quem viver, ver�. [ N. da 2� ed.. ] Voltar
  2. Exemplo caracter�stico da muta��o da escala moral � a campanha contra a Aids. � mais do que evidente que a libera��o sexual favorece a dissemina��o dessa doen�a. No entanto, jornalistas e agitadores culturais do mundo todo est�o levando as pessoas a crer que o conservadorismo moral, particularmente cat�lico, � o culpado pela difus�o da Aids, na medida em que se op�e � distribui��o de camisinhas. Fazer de um efeito desastroso da libera��o sexual um argumento contra a moral conservadora � um truque sof�stico que s� ocorreria a mentalidades inteiramente perversas. Os liberacionistas d�o com isso um exemplo horrendo de insensibilidade moral, de hipocrisia c�nica. Ocultar suas pr�prias culpas por tr�s da acusa��o lan�ada a um inocente � um dos comportamentos mais baixos que se podem conceber. Por outro lado, do ponto de vista meramente pr�tico, a esperan�a no poder das camisinhas � uma insensatez, para dizer o m�nimo. Junto com ela vem a recusa de enxergar a parcela de raz�o que t�m os religiosos nessa quest�o. Qual a taxa de Aids entre cat�licos praticantes, evang�licos, monges budistas, judeus ortodoxos, mussulmanos devotos? � praticamente nula. Uma bela campanha moralista, por desagrad�vel que fosse ( e para mim tamb�m o seria, pois pessoalmente sou mais pela libera��o ), faria mais para conter o avan�o da Aids do que a distribui��o de trilh�es de camisinhas. Neste momento da hist�ria, qualquer campanha moralista, por boboca que nos pare�a, � um empreendimento digno de louvor, uma contribui��o � salva��o da esp�cie humana. Se amanh� ou depois a popula��o do Brasil aderir em peso aos Pentecostais, ao Bispo Macedo ou � Renova��o Carism�tica, a Aids estar� vencida entre n�s. Isto � uma obviedade que s� os intelectuais n�o enxergam. [ N. da 2� ed. ] Voltar
  3. Querem um retrato moral de Antonio Gramsci? Podem encontr�-lo numa das f�bulas que, da pris�o, ele remetia para que fossem lidas � sua filha:

    "Enquanto um menino dormia, um rato bebeu o leite que a m�e lhe havia preparado. Quando o menino acordou, p�s-se a chorar porque n�o encontrou o leite; a m�e, por seu lado, tamb�m chora. O rato tem remorsos, bate a cabe�a contra a parede, mas finalmente percebe que aquilo de nada serve. Ent�o, corre � cabra para conseguir mais leite. Mas a cabra diz ao rato que s� lhe dar� leite se tiver capim para comer. Ent�o, o rato vai at� o campo, mas o campo � �rido e n�o pode dar capim se n�o for molhado antes. O rato vai � fonte, mas esta foi destru�da pela guerra e a �gua se perde; � preciso que o pedreiro conserte a fonte. O pedreiro precisa das pedras, que o rato vai buscar numa montanha, mas a montanha est� toda desmatada pelos especuladores. O rato conta toda a hist�ria e promete que o menino, quando crescer, plantar� novas �rvores na montanha. E assim a montanha dar� as pedras, o pedreiro refar� a fonte, a fonte dar� a �gua, o campo dar� o capim, a cabra fornecer� o leite e, finalmente, o menino poder� comer e n�o chorar� mais." ( Laurana Lajolo, Antonio Gramsci. Uma Vida, trad. Carlos Nelson Coutinho, S�o Paulo, Brasiliense, 1982. )

    As f�bulas sempre foram, ao longo dos tempos, um dep�sito de s�mbolos portadores de um ensinamento espiritual. Por meio delas, a crian�a tinha o acesso ao conhecimento das possibilidades humanas mais elevadas, e este conhecimento, tanto mais potente porque cristalizado numa linguagem m�gica e alusiva, bastava para defender sua alma da total imers�o na banalidade esterilizante do meio adulto. Elas representavam, assim, o fio de continuidade do n�cleo mais puro da alma humana no meio da agita��o alienante da "Hist�ria".

    Gramsci consegue aqui inverter a fun��o da f�bula, transformando-a num meio de ensinar � crian�a, com realismo literal, o processo de produ��o capitalista - da mat�ria-prima � comercializa��o - e para lhe inocular, de um s� golpe, o �dio aos malditos especuladores e a esperan�a na futura utopia socialista, onde "tudo ser� mais belo".

    O que Gramsci fez com sua pr�pria filha, por que n�o o faria com os filhos dos outros? � preciso que a prega��o comunista atinja os c�rebros enquanto ainda est�o tenros e indefesos, e, fechando-lhes o acesso a toda concep��o de ordem espiritual, os encerre para sempre no c�rculo de ferro da mundanidade "hist�rica" ( v. adiante, Cap. III ).

    Gramsci revela aqui toda a mesquinhez da sua concep��o do mundo, onde a economia � n�o s� o motor da Hist�ria, mas o limite final do horizonte humano.

    Que um tipo desses possa ser objeto de culto sentimentalista entre os militantes, isto mostra que a ideologia comunista traz em seu bojo uma pervers�o dos sentimentos, uma mutila��o da alma humana. � preciso muito agitprop para fazer de Gramsci um personagem digno de admira��o. Mas entre militantes esquerdistas j� vi sujeitos capazes de proferir toda sorte de blasf�mias contra a religi�o alheia terem tremeliques de emo��o religiosa ante o santo nome de Ant�nio Gramsci. Essa sentimentalidade pseudo-religiosa n�o � um excesso de zelo: � a ess�ncia mesma do gramscismo, que beatifica o mundano para abafar e perverter o impulso religioso e transform�-lo em devo��o partid�ria. Querem ver no que d�? Narrando a morte de Gramsci, a hagi�grafa Laurana Lajolo ( op. cit., p. 148 ) termina falando dos cadernos "nos quais Ant�nio Gramsci havia depositado, em sentido laico e historicista, a imortalidade da sua alma, a possibilidade de sobreviv�ncia intelectual na hist�ria". S� um gramsciano roxo � incapaz de enxergar o rid�culo que h� em teologizar a esse ponto a fama liter�ria. Se a id�ia valesse, os imortais da Academia j� n�o seriam imortais figuradamente, mas literalmente - e nossas preces pela vida eterna n�o deveriam dirigir-se a Jesus Cristo, e sim � pessoa do sr. Josu� Montello. [ N. da 2� ed. ] Voltar
  4. O fen�meno da pseudo-intelectualidade � um dos tra�os mais marcantes do chamado Terceiro Mundo, e � ela, n�o o proletariado ou as massas famintas, a base social dos movimentos revolucion�rios. Eric Hoffer, que examinou o assunto com mais seriedade do que ningu�m, explica esse fen�meno pelas condi��es peculiares em que, nessa parte do globo, se deu, com a reforma modernizadora empreendida pelas pot�ncias Ocidentais, a quebra do modo de vida comunit�rio-patriarcal. Escrevendo no come�o da d�cada de 50, e mencionando nomeadamente a �sia, ele fala em termos que se aplicam com precis�o ao Brasil de hoje: "Em toda a �sia, antes do advento da influ�ncia Ocidental, o indiv�duo estava integrado num grupo mais ou menos compacto - a fam�lia patriarcal, o cl� ou a tribo. Do nascimento � morte, sentia-se parte de um todo eterno e cont�nuo. Jamais se sentia sozinho, jamais se sentia perdido, jamais se via como um peda�o de vida flutuando numa eternidade de nada. A influ�ncia Ocidental [...] destruiu e corroeu a maneira tradicional de vida. O resultado n�o foi a emancipa��o, e sim o isolamento e o desamparo. Um indiv�duo imaturo foi arrancado do calor e seguran�a de uma exist�ncia coletiva e deixado �rf�o num mundo frio.

    "O indiv�duo rec�m-surgido pode atingir algum grau de estabilidade [...] somente quanto lhe oferecem abundantes oportunidades de auto-afirma��o ou auto-realiza��o. Somente assim ele poder� adquirir a autoconfian�a e auto-estima [...]. Quando a autoconfian�a e a auto-estima parecem inating�veis, o indiv�duo em forma��o torna-se uma entidade altamente explosiva. Tenta obter uma impress�o de confian�a e de valor abra�ando alguma verdade absoluta e identificando-se com os atos espetaculares de um l�der ou de algum corpo coletivo - seja uma na��o, uma congrega��o, um partido ou um movimento de massa.

    "� necess�rio uma rara constela��o de circunst�ncias para que a transi��o de uma exist�ncia comunit�ria para a individual siga o seu curso sem ser desviada ou invertida por complica��es catastr�ficas. [...] O indiv�duo em surgimento na Europa, no fim da Idade M�dia, enxergou panoramas deslumbrantes de novos continentes, de novas rotas de com�rcio, de novos conhecimentos. O ar estava carregado de novas expectativas e havia a sensa��o de que o indiv�duo por si s� era capaz de qualquer empreendimento. A mudan�a [...] produziu uma explos�o de vitalidade [...].

    "Essa excepcional combina��o de circunst�ncias n�o estava presente na �sia. Ali, ao inv�s de ser estimulado por perspectivas deslumbrantes e oportunidades jamais sonhadas, [ o indiv�duo ] se viu enfrentando uma vida estagnada, debilitada, e extraordinariamente pobre. � um mundo onde a vida humana � a coisa mais abundante e barata. �, al�m disso, um mundo analfabeto. [...]

    "A minoria letrada �, assim, impedida de adquirir um senso de utilidade e de valor tomando parte no mundo do trabalho, e � condenada a uma vida de pseudo-intelectuais tagarelas e cheios de pose.

    "O extremista da �sia � hoje geralmente um homem de certa instru��o que tem horror ao trabalho manual e um �dio mortal pela ordem social que lhe nega uma posi��o de comando. Todo estudante, todo escritur�rio e funcion�rio menos graduado se sente como um escolhido. � essa gente palavrosa e f�til que d� o tom na �sia. Vivendo vidas est�reis e in�teis, n�o possuem autoconfian�a e auto-respeito, e anseiam pela ilus�o de peso e import�ncia.

    "� principalmente a esses pseudo-intelectuais que a R�ssia comunista dirige seu apelo. Traz-lhes a promessa de tornarem-se membros de uma elite governante, a perspectiva de terem a��o no processo hist�rico e, com seu falat�rio doutrin�rio, proporciona-lhes uma sensa��o de peso e profundidade." ( Eric Hoffer, The Ordeal of Change, London, Sidgwick & Jackson, 1952; trad. brasileira de Sylvia Jatob�, O Intelectual e as Massas, Rio, Lidador, 1969, pp. 16 ss..) � a descri��o exata da lideran�a petista. [ N. da 2a. ed.. ] Voltar
  5. A proposta do PT, de dar pr�mios aos cidad�os que delatem casos de corrup��o, seria repelida com horror se apresentada uns anos atr�s, quando a corrup��o n�o era menor mas os sentimentos morais da popula��o brasileira conservavam uns vest�gios de normalidade porque ainda n�o tinham sido corrompidos pela "campanha da �tica". Hoje, � aceita com aplausos dos que n�o percebem nela aquilo que ela verdadeiramente �: a instaura��o do Estado policial em nome da moralidade, a corrup��o de todas as rela��es humanas pela universaliza��o da suspeita, o incentivo � espionagem de todos contra todos. Para que o Estado n�o perca dinheiro, ser� preciso que todos os brasileiros percam a dignidade e o respeito pr�prio, transformando-se em alcag�etes premiados. [ N. da 2� ed. ] Voltar
  6. Escrito para a 2a. edi��o. Voltar
  7. Roger Scruton, Thinkers of the New Left, Harlow ( Essex ), Longman, 1985. [ N. da 2a. ed. ] Voltar
  8. Alfredo S�enz, s. J., "La estrat�gia ate�sta de Antonio Gramsci", em Ate�smo y Vigencia del Pensamiento Cat�lico. Actas del Cuarto Congreso Catolico Argentino de Filosof�a, C�rdoba, Asociaci�n Cat�lica Interamericana de Filosof�a, 1988, pp. 355-366. [ N. da 2a. ed.. ] Voltar
  9. "A revolu��o passiva", O Globo, 28 de junho de 1994. Voltar
  10. H� pensadores de quem a gente diverge com o maior respeito. Entre os marxistas, esse � para mim o caso de um Adorno, de um Horkheimer, de um Marcuse, ou mesmo de um Luk�cs. Mas por Gramsci, como o leitor j� deve ter percebido, n�o consigo sentir o menor respeito, porque ele n�o respeita nada e se porta ante dois mil�nios de civiliza��o com a petul�ncia dos ignorantes. Acho uma babaquice ter ante um escritor qualquer uma rever�ncia maior do que a que ele tem ante Mois�s, Jesus Cristo ou a Virgem Maria. Mas a atmosfera de culto em torno do nome de Antonio Gramsci � t�o carregada de zelo, que acaba inibindo por cont�gio inconsciente at� os melhores c�rebros, impedindo-os de chegar a uma vis�o objetiva e cr�tica do pensamento de Gramsci. [ N. da 2a. ed. ] Voltar

 

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