O Imbecil Coletivo

 

Cartas e respostas

 


Carta � revista
Caros Amigos

 

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Helga Helena Monteiro
Su�nio Campos de Lucena
Henry Grazinoli Filho

 

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B�rbara Abramo
Rose Villanova
Caio Navarro de Toledo
Oswaldo Porchat Pereira
Gilberto Vasconcellos
Roseli Fischman

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

          Ao comprometer-me a responder, sempre que poss�vel, a todos os leitores, n�o me escapava o risco de que, indo eventualmente para o lado pol�mico, a conversa da� resultante fosse tomada como rixa pessoal entre eu e um determinado cidad�o. Mas quem me leia com aten��o ver� que procuro, em cada caso, salientar o que tem de geral e t�pico, para fazer dele uma ocasi�o de meditar sobre o estado da nossa cultura e da nossa psicologia coletiva. Se n�o fosse para isso, n�o responderia nada.
          Mas, como a mente humana � constitu�da de tal modo que concede ao erro o privil�gio de poder ser sempre mais breve do que a sua refuta��o, a consecu��o desse meu prop�sito esbarrava na cl�usula p�trea do jornalismo atual, que ordena tudo reduzir a p�lulas rapidamente diger�veis por quem n�o goste de ler. Mesmo a revista Bravo!, excelente mens�rio de cultura que tem recebido meu aplauso e meu apoio incondicional, n�o escapa dessa limita��o, que me obriga, agora, a usar de minha homepage para responder a insultos e provoca��es veiculados em suas edi��es de abril e maio de l998. Aproveito para responder tamb�m aos demais leitores, seja de Bravo!, seja de outras publica��es, seja �queles que escrevam diretamente para esta homepage.
          Como uma parte ao menos destas respostas consistem de an�lises de argumenta��es capciosas, devo advertir que ser�o transcritas, como ap�ndices altamente elucidativos, nas pr�ximas edi��es de meu livro Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Raz�o: a "Dial�tica Er�stica" de Arthur Schopenhauer. Texto e Coment�rios (Topbooks, 1998). Assim como os artigos de jornais e revistas analisados em O Imbecil Coletivo d�o um mostru�rio significativo da patologia intelectual reinante no primeiro escal�o das nossas classes falantes, as cartas de leitores, que aqui come�o a coligir, poder�o constituir uma documenta��o preciosa sobre o segundo escal�o, mais discreto mas n�o menos significativo do esp�rito dos tempos.
          Reunidos, respondidos e catalogados, os remetentes movidos pelas piores inten��es ter�o tido assim, ainda que a contragosto, a oportunidade de colaborar para uma iniciativa ben�fica e, sem falsa mod�stia, pioneira, que � a de educar o p�blico brasileiro para a distin��o entre argumentar e embromar.
          A todos, pois, honestos e trapaceiros, os meus mais sinceros agradecimentos.

Olavo de Carvalho

 

Bravo!

Helga Helena Monteiro

(S�o Paulo SP)

Na �ltima edi��o de Bravo!, D. Helga Helena Monteiro diz que no n�mero de abril de 1998 o Sr. H�lion P�voa Jr. me convocou para um debate e eu n�o quis debater. � precisamente o contr�rio da verdade. O que o sr. P�voa fez foi apenas sugerir minha exclus�o da revista, e portanto do debate. Quem deseja um debate n�o come�a por pedir que o advers�rio v� embora.

� verdade que ele tamb�m me qualificou de "elitista", o que n�o deixa de ser uma afirma��o, gramaticalmente, que segundo D. Helga deveria portanto ser discutida no plano te�rico. Mas como poderia um simples adjetivo ser objeto de debate, quando, solto no ar, n�o responde a nenhuma opini�o minha em especial e se reduz a uma interjei��o, � express�o geral e vaga de um sentimento confusamente hostil?

O leitor que deseja um debate deve expressar opini�es definidas sobre pontos precisos. Um pedido de cabe�a seguido de uma carimbada sum�ria n�o � uma opini�o que caiba discutir, mas apenas uma a��o, muito pr�tica e incisiva, destinada a constranger, humilhar e prejudicar o destinat�rio.

Responder a isso com uma teoria sobre o elitismo seria t�o inadequado e rid�culo quanto por-me a discutir a anatomia dos gl�teos com um agressor que me chutasse o traseiro.

A resposta que dei ao sr. P�voa foi, em vista disso, polida demais. Quem sobe � tribuna num estado de rancor pr�-verbal n�o pode exigir que seus apelos e interjei��es sejam respondidos como argumentos. J� ter� muita sorte se conseguir que sejam diagnosticados como sintomas. De mim o Sr. P�voa obteve at� mais do que isso: passei do diagn�stico � terap�utica, incitando-o, mediante sarcasmo, a elaborar suas rea��es prim�rias, a transmut�-las em opini�es debat�veis. O sr. P�voa que diga, em suma, onde est� o meu elitismo, que em seguida passaremos ao debate, se ele permitir que eu continue a escrever aqui.

Se respondi com alguma rispidez, foi por dois motivos, que ali n�o expliquei por falta de espa�o mas que os demais leitores t�m agora o direito de conhecer: l) o Sr. P�voa � um psicanalista, algu�m que ganha para ensinar os outros a verbalizar, e de quem, portanto, n�o se pode verossimilmente esperar que venha com tatibitates; 2) se ele caiu nisto, n�o foi portanto por incapacidade de express�o, mas sim porque, em vez de me desafiar para um debate, quis apenas ostentar desprezo lac�nico, t�tica de uso corrente no meio intelectual brasileiro para desqualificar o advers�rio tirando-lhe, ao mesmo tempo, os meios de debater sem fazer de si pr�prio o objeto do debate. Somados, esses fatores indicavam n�o se tratar de um caso de burrice espont�nea, e sim de mal�cia auto-imbecilizante, que s� cede, quando cede, ao tratamento de choque. Para poder realizar este tratamento de maneira discreta, sem ter de denunciar com todas as letras o truque do Sr. P�voa, fiz de conta que o considerava apenas um bob�o, o que, nas circunst�ncias, foi um fingimento piedoso, cujo intuito mais profundo, sem dar na vista do p�blico, n�o deve ter escapado no entanto ao seu destinat�rio. D. Helga foi quem p�s tudo a perder, obrigando-me a explica��es que s�o menos dolorosas para mim do que para aquele cuja defesa ela assumiu t�o desastradamente.

Quanto a D. Helga em pessoa, n�o sei se lhe falta acuidade de leitura ou sinceridade, e prefiro n�o saber. Um ind�cio em favor da primeira hip�tese � a interpreta��o que ela deu � minha amplia��o humor�stica dos desejos do sr. P�voa, que come�ando por me tirar da reda��o terminavam por me excluir da exist�ncia terrestre. D. Helga tomou-a de maneira literal, parecendo n�o perceber ali a �bvia figura de linguagem que subentendia uma dedu��o ad absurdum. Imaginou que eu atribu�a ao sr. P�voa intuitos homicidas e se p�s, com desvelo pat�tico, a refutar a acusa��o. Num ambiente de politicismo simpl�rio, proliferam os leitores desprovidos de sintonia fina, que n�o distinguem entre um ju�zo formal e a figura verbal que o transporta. Mas em alguns casos essa car�ncia n�o � natural, e sim premeditada para confundir o ouvinte e produzir nele, artificialmente, uma indigna��o contra algo que, de fato, n�o aconteceu.

Em favor desta �ltima hip�tese h� o fato de que D. Helga, para me acusar de desejar reduzir os leitores a um sil�ncio passivo, se utilize do espa�o mesmo que a revista abriu para que os leitores dialogassem comigo. Nada mais falso do que uma afirma��o que nega sua pr�pria possibilidade de ser emitida. Se o amor que certas pessoas alardeiam ter pelo debate democr�tico fosse sincero, n�o se limitariam a alarde�-lo, mas tratariam de salvaguardar as condi��es que o possibilitam. Assinalei algumas delas ao falar do Sr. P�voa. Mas igualmente indispens�vel � n�o apelar a argumentos que boicotem o debate mesmo em que se proferem, usando plenamente o direito de express�o para alegar mentirosamente um cerceamento do direito de express�o. A hip�tese da falta de sinceridade explica, ademais, que a linguagem de D. Helga tenha sido t�o "serena", como a qualificou o editor. Uma acusa��o falsa, para se tornar cr�vel, deve ser mesmo proferida em tom de calma imparcial.

N�o me cabendo sondar as inten��es de D. Helga, paro por aqui mesmo, sugerindo-lhe que retifique sua compreens�o de leitura, no primeiro caso, seus crit�rios morais, no segundo.

Su�nio Campos de Lucena

(de algum lugar do passado)

Protestando contra a concess�o de espa�o a um ilustre desconhecido, o universalmente celebrado Su�nio Campos de Lucena, ou coisa assim, refuta com meticulosa argumenta��o tudo o que eu jamais disse contra Lygia Fagundes Telles, corrige um erro que n�o cometi — atribuir ao governo brasileiro a sele��o dos convidados ao Sal�o de Paris —, contesta valentemente uma compara��o que n�o fiz (Lygia versus Ant�nio Torres) e diagnostica os motivos secretos do meu artigo sobre Sal�o do Livro em Bravo! de mar�o-98, a saber, "frustra��o, recalque, autopromo��o e inveja". Grafa este �ltimo termo em mai�sculas, repetindo-o tr�s vezes e fazendo-o acompanhar de outros tantos pontos de exclama��o, num elegante giro estil�stico que sugere, pelo efeito sinest�tico, o som do seu pezinho batendo no ritmo correspondente. Em seguida critica o meu estilo descomedido. Por fim, acusa-me de ter uma falsa consci�ncia do "dever comprido" (sic) e profetiza, para al�vio geral da macacada, o meu breve falecimento de c�ncer pulmonar.

Se eu me chamasse Su�nio tamb�m estaria revoltado.

Henry Grazinoli Filho

(S�o Paulo SP)

Quanto ao leitor Henry Grazinoli Filho (Bravo!, maio-98), este sim diz alguma coisa debat�vel: que, no artigo sobre o Sal�o do Livro, exagerei nas cr�ticas a Chico Buarque. Exagerei, sim, mas s� para enfatizar o absurdo da situa��o — um recurso consagrado n�o s� em argumenta��o jornal�stica mas at� mesmo em ci�ncia social. Eu poderia portanto responder como Max Weber, quando lhe censuraram o uso de caricaturas no desenho dos "tipos ideais": "Exagerar � a minha profiss�o."

Em todo caso, parab�ns ao Henry por dizer alguma coisa sobre alguma coisa.

 

Folha de S. Paulo

B�rbara Abramo

(S�o Paulo SP)

A jornalista B�rbara Abramo enviou � Folha de S. Paulo, em 22 de abril, a seguinte carta:

Parab�ns, Olavo, pelo artigo "O saber e a pose"! Est� na hora de colocar as id�ias no lugar e voc�, mais do que ningu�m, soube faz�-lo neste artigo. Nada melhor pra comemorar esta inven��o de branco chamada Dia do �ndio, que este ano comemora a morte tamb�m do chefe Patax� queimado em Bras�lia no ano passado e enterrado no alto de uma montanha numa Lua Cheia!

B�rbara Abramo.

Recebeu por e-mail a seguinte resposta do jornal:

Agradecemos o envio de sua mensagem. Pedimos desculpas por n�o t�-la publicado. � que recebemos no per�odo um volume expressivo de correspond�ncia. Esperamos contar com sua colabora��o em outra oportunidade.

Fernanda Ravagnani

Painel do Leitor

e-mail: [email protected]

Ao enviar-me por e-mail c�pia de sua carta, B�rbara anexou este P.S.:

As meninas da lista Artemis enviaram tamb�m mensaginhas l� pra "Falha" de Sao Paulo, como papai chamava, mas n�o saiu nada.

B�rbara � filha do c�lebre jornalista Cl�udio Abramo, j� falecido, que foi por d�cadas chefe de reda��o da Folha de S. Paulo.

 

Rose Villanova

(Campinas SP)

Rose Villanova, de Campinas SP, enviou � Folha de S. Paulo em 22 de abril a seguinte carta:

Gostaria de parabenizar o jornalista Olavo de Carvalho, pelo seu brilhante artigo "O saber e a pose". Seria preciso que tiv�ssemos mais pessoas corajosas e desprovidas de preconceitos como ele, para que a ci�ncia e por que n�o dizer, o jornalismo fossem menos arrogantes e mais esclarecedores. Essa arrog�ncia que presta enorme desservi�o ao crescimento da pr�pria ci�ncia que insensivelmente contribui para o enorme vazio e insatisfa��o do ser. Caso contr�rio, poderia haver outra explica��o para o aumento da viol�ncia, do desrespeito e do desamor em face de um "desenvolvimento" t�o espetacular desta t�o incensada e insens�vel ci�ncia?

Rose Villanova

Recebeu do jornal a seguinte resposta:

Agradecemos o envio de sua mensagem. Pedimos desculpas por n�o t�-la publicado. � que recebemos no per�odo um volume expressivo de correspond�ncia. Esperamos contar com sua colabora��o em outra oportunidade.

Fernanda Ravagnani

Painel do Leitor

e-mail: [email protected]

Agrade�o a B�rbara Abramo e a Rose Villanova, bem como a todos os autores de elogios impublicados.

Caio Navarro de Toledo

(S�o Paulo SP)

Porque, chamado de "fascista" por uma leitora insolente, respondi, para abreviar a conversa, "� a m�e", o historiador Caio Navarro de Toledo escreveu � Folha, indignado, proclamando que eu ofendera a progenitora da remetente e mostrara "incapaz para o debate democr�tico". Sua carta foi publicada em 9 de abril de 1998.

Resposta, n�o publicada:

1 — Que debate democr�tico pode come�ar com uma rotula��o insultuosa?

2 — Existe algo mais democr�tico do que o direito de responder a uma grosseria com outra equivalente?

3 — Qualquer professor de portugu�s poderia explicar ao democr�tico missivista que a express�o "� a m�e" n�o tem, nesse contexto, o sentido direto de uma ofensa � progenitora de quem quer que seja, mas � uma �nfase ret�rica destinada a fazer sentir, a um interlocutor desbocado, a gravidade da ofensa que me dirigiu. (Por exemplo, posso aqui responder ao Prof. Toledo, sem a m�nima refer�ncia � sua progenitora: Incapaz para o debate democr�tico � a m�e.)

Tal como no caso do Sr. P�voa, o Prof. Toledo n�o � nenhum iletrado, que possa alegar ignor�ncia de coisas t�o �bvias.

Trata-se, novamente, de um caso de mal�cia inspirada em preconceitos pol�ticos. � um velho costume da esquerda arrogar-se todos os direitos, n�o deixando nenhum para o advers�rio. Essa gente acha a coisa mais natural do mundo falar o que quer sem ter de ouvir o que n�o quer.

Mas n�o � s� um h�bito: � uma t�cnica, fartamente usada em campanhas de desmoraliza��o que tornaram c�lebre a efic�cia da m�quina difamat�ria esquerdista.

O truque, padronizado e rotineiro, � simples: insulta-se um sujeito. Se ele nada responde, diz-se que fugiu ao debate. Se ele devolve o insulto, afirma-se que � grosseiro, arrogante e autorit�rio. Se, para n�o cair nem no sil�ncio covarde nem na rispidez indigesta, ele responde de maneira polida, fica na posi��o suspeit�ssima e comprometedora do acusado que tem de arcar com o �nus da prova. � uma forma t�pica de argumenta��o er�stica, que explico no livro Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Raz�o (Topbooks, 1997): o insulto � a premissa, a desmoraliza��o do insultado � a conseq��ncia. O acusador ganha sempre.

Seu uso � t�o costumeiro nas esquerdas, que funciona de modo autom�tico, sem necessidade de pr�vio acordo entre os agentes: onde quer que um militante coloque a premissa, logo aparece outro para enunciar a conclus�o.

Contra esse joguinho malicioso, n�o h� defesa sen�o expor meticulosamente a artimanha, analisando-a com rigor l�gico e denunciando-a para que a plat�ia n�o se deixe enganar pela fala mansa de agressores sorrateiros.

Aqui, novamente, a bitola minimalista da imprensa colabora com a mentira, querendo tudo reduzir a um troca-troca de frases lac�nicas, onde prevalecer� o jogo de palavras em vez da argumenta��o fundamentada.

 

Oswaldo Porchat Pereira

 

Difama��o ou cal�nia?

 

A prop�sito de um artigo meu publicado em Bravo! de junho de 1998, que comentava suas declara��es a Livro Aberto de agosto de 1997, Oswaldo Porchat Pereira acusa-me de difamador, truculento, p�rfido, e indigno de confian�a. Tentando dar alguma substancialidade a estes adjetivos, acrescenta que: (1o) operei em suas palavras uma "montagem", (2o) amputando-as do contexto, (3o) para lhes impor "uma interpreta��o estapaf�rdia" com a finalidade de fazer parecer que "estivessem revelando um fato lament�vel no que concerne ao ensino de filosofia na USP".

Sendo Porchat um conhecedor profundo da an�lise de textos, n�o � cab�vel que se enganasse tanto na interpreta��o de suas pr�prias palavras, bem como do texto jornal�stico que as comentava. O problema pode portanto ser equacionado assim: ou eu alterei as palavras de Porchat para danar sua reputa��o, ou ele � que est� mentindo de caso pensado para me atribuir um crime que n�o cometi. Sou eu o difamador ou Porchat o caluniador? Como diriam os escol�sticos, tertium non datur: n�o h� terceira hip�tese.

Mas ser� normal que um homem culto e no seu ju�zo perfeito, ao lan�ar acusa��es de tal porte, n�o fa�a em seguida a mais �nfima tentativa de prov�-las, mas se limite a afirm�-las, a jog�-las no ar com a presun��o insana de quem imagina ter o direito divino de ser crido sob palavra?

Pois foi exatamente isso o que fez Porchat. N�o digo que apresentasse provas falsas, ou d�beis, ou f�teis. Nada disso: ele n�o apresentou nenhuma.

Isso � tanto mais estranho porque provar aquelas acusa��es, se fossem verazes, teria sido bem f�cil. Bastaria cotejar algumas frases da entrevista com sua transcri��o esp�ria, e pronto: estaria demonstrada a "montagem", a perf�dia do truculento difamador.

Se Porchat n�o fez isso, tendo � sua disposi��o quase uma p�gina inteira da Folha para explicar-se, foi por uma �nica raz�o: porque sabia que suas palavras transcritas em Bravo! eram id�nticas, na forma e no sentido, �s de Livro Aberto. N�o o fez porque sabia que, desse cotejo, quem sairia esmagado seria o acusador e n�o o acusado. N�o o fez porque sabia que estava mentindo.

Farei eu, portanto, o que ele n�o fez. Onde ele preferiu planar no gen�rico e no alusivo para espalhar discretamente veneno no ar evitando os riscos de um confronto direto, vou descer aos detalhes do texto.

I

"Montagem" � desmembrar as partes de um texto para arranj�-las numa nova ordem que pode, eventualmente, alterar o sentido do conjunto. As frases de Oswaldo Porchat citadas no meu artigo foram as seguintes:

Primeira: "Nenhum est�mulo � dado [no departamento de Filosofia da USP] para a reflex�o pessoal e original – mais do que isso: desaconselha-se vivamente qualquer veleidade de proceder a uma elabora��o cr�tica do pr�prio pensamento".

Segunda: "Exerci uma influ�ncia certamente nefasta sobre meus alunos na USP, na medida em que eu defendia essa proposta."

As frases s�o duas e apenas duas. Ora, entre duas frases, como ali�s entre dois elementos quaisquer, s� pode haver duas e n�o mais de duas ordens: da primeira para a segunda e da segunda para a primeira. E as duas frases de Porchat, seja numa ordem, seja na inversa, significam exatamente a mesm�ssima coisa. Montagem, pois, se houvesse, seria in�cua: dando na cabe�a ou na cabe�a dando, o que ele disse foi que o ensino da filosofia na USP inibe a capacidade cr�tica de seus alunos, que isto � uma coisa lament�vel, e que ele pr�prio contribuiu para produzi-la com sua influ�ncia pessoal, mais que lament�vel, nefasta. E "influ�ncia nefasta" � express�o dele, n�o minha.

II

Quanto � segunda acusa��o, de que separadas do contexto as declara��es tinham seu sentido alterado, ela � o contr�rio sim�trico da verdade. O contexto n�o faz sen�o enfatizar o sentido un�voco e inquestion�vel das duas senten�as. Para demonstr�-lo, cederei a meu acusador o espa�o de que disponho, para lhe dar a oportunidade de se enforcar com sua pr�pria corda. Transcrevo aqui, por extenso, o trecho de onde sa�ram as duas frases:

Livro Aberto: � poss�vel afirmar que isso ainda � fato no curso de filosofia da USP?

Porchat: (Eu vou responder a essa pergunta daqui a pouquinho...) Assim, eu n�o tive tempo de fazer op��es pr�prias de leitura e muito menos de elaborar uma reflex�o pessoal. Bom, sob a influ�ncia da doutrina estruturalista, eu deixei de acreditar na reflex�o pessoal.... O estruturalismo funcionou de maneira extremamente castradora sobre mim e meus colegas, isto �, o que � l�cito fazer � estudar o sistema, � compreend�-lo, aprofundar a an�lise interna das obras. N�s podemos eventualmente tornar-nos bons historiadores da filosofia, mas nenhum est�mulo � dado para a reflex�o pessoal e original – mais do que isso: desaconselha-se vivamente qualquer veleidade de proceder a uma elabora��o cr�tica do pr�prio pensamento. Em filosofia, s� cabe conhecer e analisar estruturas de pensamento filos�fico – essa �, vamos dizer, a orienta��o fundamental do estruturalismo filos�fico. Sob influ�ncia desse estruturalismo eu fui v�tima daquilo que chamei, h� pouco, de uma "castra��o" intelectual: ser fil�sofo era, para mim, ser um bom historiador, ser capaz de analisar estruturas. E durante muito tempo eu me consagrei a fazer hist�ria da filosofia, entendendo que isso era fazer filosofia. O problema das op��es pessoais, de elaborar um pensamento cr�tico – tudo isso foi abandonado; mais do que isso, eu tornei-me um defensor encarni�ado do m�todo estruturalista e dessa postura, exercendo uma influ�ncia certamente nefasta sobre meus alunos na USP, na medida em que eu defendia essa proposta, batalhava por ela. Ocorreu que muitos de meus colegas foram – "gra�as" ao Gianotti e a mim – levados a receber essa mesma influ�ncia do Goldschmidt. V�rios professores do Departamento foram para a Fran�a estudar com Goldschmidt por nossa sugest�o e os que n�o foram se formaram aqui conosco, de modo que se desenvolveu, no Departamento de Filosofia, toda uma postura estruturalista no ensino da filosofia, que at� hoje, a meu ver, � dominante. E esse me parece um fato bastante infeliz, na medida em que se privilegia o estudo dos autores, deixando-se totalmente de lado o est�mulo � reflex�o filos�fica pessoal e original. � claro, � fundamental que os autores sejam estudados, eu n�o vejo como se possa fazer uma filosofia pessoal e criadora sem bons e s�lidos conhecimentos hist�ricos. Acho uma felicidade que o Departamento de Filosofia da USP tenha t�o bons historiadores e t�o bons cursos de hist�ria da filosofia como tem (o que n�o acontece em muitos lugares do Brasil e fora dele), mas acho uma infelicidade que, ao lado disso, flores�am pouco outras formas de ensinar filosofia e, sobretudo, que a elabora��o filos�fica pessoal, a elabora��o cr�tica, fique t�o prejudicada. Os alunos n�o s�o estimulados a reagir intelectualmente.

H� alguma d�vida quanto � identidade de sentido do texto e do contexto? Responda-o o pr�prio leitor: o que acaba de ler � ou n�o "a revela��o de um fato lament�vel no que concerne ao ensino de filosofia na USP" e o mea culpa de quem reconhece haver ajudado a produzi-lo?

III

A terceira acusa��o, enfim, � que seria uma "interpreta��o absurda" afirmar que essas palavras "estivessem revelando um fato lament�vel". Para ver o quanto isto � coisa falsa e de m�-f�, basta reparar que, no final do trecho, Porchat, ap�s descrever o estado reinante no ensino de Filosofia da USP, faz dele, literalmente, a seguinte avalia��o: "Esse me parece um fato bastante infeliz."

Pode haver a mais leve d�vida de que a infelicidade � lament�vel e de que a "interpreta��o estapaf�rdia" que ele me atribui � dele mesmo?

A �nica coisa que falta, n�o no meu artigo, mas na entrevista mesma, � a longa introdu��o oca e laudat�ria que Porchat agora acrescentou �s suas declara��es para tentar disfar�ar a gravidade do que denunciavam. Ou seja: n�o fui eu que amputei as declara��es do contexto, foi Porchat que lhes enxertou um contexto posti�o para dar a impress�o de que n�o disse o que disse e de que disse o que n�o disse. Se ele deu a entrevista num arroubo fugaz de sinceridade, e em seguida, acometido de um ataque de temor servil, resolveu voltar atr�s, � problema dele, mas � ali�s coisa que n�o me espanta num adepto do pirronismo filos�fico, o qual �, por defini��o, a filosofia dos indecisos.

Para encerrar, tr�s lembretes:

1) Malgrado algumas goza��es que lhe fiz no meu artigo, Porchat emergia dele na condi��o afinal honrosa de quem dissera parte da verdade onde todos a calavam por completo. Ao recuar, temeroso, das conseq�encias do bem que fizera, ele trocou meia honra pela completa desonra.

2) Ele lan�a suas acusa��es sem nome do destinat�rio mas com indica��es suficientes do seu endere�o, sob a forma de alus�es. � procedimento t�pico do caluniador malicioso, que se abriga por tr�s de um discurso aparentemente gen�rico para poder ferir, sem ser apanhado, um alvo muito preciso e determinado.

3) Ap�s espalhar seu veneno, ele pretende dar o debate por encerrado e sair de fininho. Imagina que pode divulgar uma acusa��o caluniosa e depois ir para casa como se nada tivesse acontecido. Julga portanto que � coisa normal ficar isento das conseq��ncias de seus atos. Mas devo informar-lhe que, desta vez, ele n�o tem autoridade ou poder para conferir a si mesmo semelhante isen��o. O que ele fez contra mim foi acusar-me de um crime do qual sabe que estou inocente – e esta acusa��o � crime maior ainda. N�o cabe a Porchat dar o caso por encerrado. Isto � atribui��o exclusiva da Justi�a, da qual nem os mais escorregadios subterf�gios da sof�stica universal poder�o salv�-lo.

 

Gilberto Vasconcellos

 

Ao supor que refuta O Imbecil Coletivo mediante a alega��o de que o emburrecimento das massas n�o � culpa das esquerdas e sim da TV, o sr. Gilberto Vasconcellos d� uma prova cabal de que n�o leu ou n�o entendeu, do livro, nem mesmo aquele m�nimo indispens�vel para captar, ainda que por alto, o teor geral do assunto.

O Imbecil Coletivo II, como ali�s tamb�m o I, n�o aborda nem de rasp�o a suposta imbecilidade popular, cuja an�lise e revela��o correm por conta da f�rtil imagina��o do sr. Gilberto Vasconcellos. Ambos os volumes tratam unicamente da estupidez de elite, da burrice letrada e acad�mica, da qual, como se v�, n�o � preciso ir muito longe para encontrar exemplos.

Que a TV estupidifique as massas incultas em vez de educ�-las � provavelmente um fato, mas, n�o podendo acreditar que o sr. Vasconcellos atribua seu pr�prio emburrecimento ou o de seus pares acad�micos ao mau h�bito de assistir Faust�o e Xuxa, s� me resta concluir que o livro afirma uma coisa e o cr�tico refuta outra, imaginando que � a mesma.

N�o tendo raz�es para imputar ao sr. Vasconcellos a premeditada inten��o de falsear a conversa para me prejudicar, s� posso concluir pela hip�tese da in�pcia: o sr. Vasconcellos l� mal e, rigorosamente, n�o sabe do que est� falando.

T�o deslocadas s�o as opini�es dele ante o livro nominalmente incumbido de posar como objeto de sua cr�tica, que me vejo desarmado para respond�-las. Ele afirma, por exemplo, que meu discurso neoliberal teria a obriga��o de tomar como ponto de partida as reflex�es de Jos� Guilherme Merquior. N�o tendo escrito jamais algum discurso neoliberal, e n�o tendo tido outra participa��o nessa ideologia pol�tica sen�o uma confer�ncia feita no Instituto Liberal do Rio sob o t�tulo "Por que n�o sou neoliberal", que � que hei de responder? S� me ocorre, de passagem, observar que o sr. Vasconcellos n�o encontrou no livro outros ind�cios de meu suposto neoliberalismo sen�o o fato de eu criticar a esquerda e elogiar, de passagem, alguns escritores liberais – o que mostra que o cr�tico n�o conhece outra leitura sen�o a lambida superficial e que, em mat�ria de compreens�o de textos, o �nico instrumento hermen�utico � sua disposi��o � a cataloga��o dualista mec�nica e sum�ria, burra at� o limite do indiz�vel. Logo, irrespond�vel.

Tamb�m nada posso responder a suas pondera��es sobre a "ditadura liberal" dos militares, pela simples raz�o de que n�o atino com o sentido dessas palavras: se tomadas na acep��o econ�mica, n�o podem designar o regime mais centralizador e estatizante que j� tivemos; na acep��o pol�tica, s� podem querer dizer que a ditadura n�o foi ditatorial o bastante. Em ambos os casos, est�o aqu�m do entendimento humano.

Que o sr. Vasconcelos n�o faz a m�nima quest�o de saber do que fala � coisa que ali�s j� havia sido assinalada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, o qual, mesmo num artigo elogioso (Rep�blica, dezembro de 1997), n�o p�de deixar de observar que o professor da UFMG "n�o se incomoda de ser injusto ou impreciso se isso valer uma boa frase". Eis a� a defini��o mesma do charlatanismo intelectual, j� tantas vezes denunciado na nossa literatura, desde Machado de Assis e Lima Barreto, como a encarna��o mesma da peste que nos atrofia o pensamento. Verboso e inconseq�ente, embriagado pelo pr�prio discurso, desprovido daquele m�nimo de autofiscaliza��o sem o qual a vida da intelig�ncia n�o pode sequer come�ar, o sr. Vasconcellos provou, com seu arremedo de cr�tica, ter as qualifica��es intelectuais requeridas de um aspirante a cabo eleitoral do PDT.

Que em larga medida a vida intelectual brasileira ainda seja dominada por essa orat�ria de psitac�deos, � coisa da qual n�o se pode culpar o Sr. Gilberto Vasconcellos. Culpado � o governo, que d� emprego universit�rio a sujeitos como ele e depois, para n�o se desmoralizar, tem de ajud�-los a fingir que s�o intelectuais. E as piores v�timas deste engodo s�o eles pr�prios: recebendo mensalmente do governo federal um contracheque que os confirma nas mais ilus�rias convic��es acerca de si mesmos, esses indiv�duos tanto mais se afastam da realidade quanto mais se aproximam da aposentadoria.

Mas a auto-ilus�o do sr. Vasconcellos vai ainda mais fundo. Hipnotizado pela sua pr�pria fala, ele perde todo o senso das propor��es e chega ao paroxismo de declarar que sente pelos seus desafetos ideol�gicos nada menos que "asco" – sim, "asco" –, sem perceber que a pr�pria escolha da palavra pomposa e teatral denota menos fanatismo sect�rio do que afeta��o, pose, histrionismo de um infeliz que, tendo perdido todo respeito por si mesmo, necessita fingir um sentimento hipertroficamente elevado da pr�pria dignidade. Que exista plat�ia para levar a s�rio espet�culo t�o miser�vel, eis a� o sinal de que, na vida intelectual como em tudo o mais, a sociedade subdesenvolvida n�o tem fundo: pode-se cair indefinidamente.

Deixarei sem resposta, por conta de t�o abissal patologia, a ofensa direta, brutal e grosseira que ele faz � minha honra pessoal ao incluir-me implicitamente entre os objetos do seu posad�ssimo asco – os liberais que a seu ver s� escrevem "com o interesse posto no jabacul� argent�rio". N�o responderei nada. N�o perguntarei sequer qual ser� a fonte argent�ria da qual aguardo o tal jabacul�, e muito menos que raio de coisa poderia ser, mesmo na estil�stica gosmenta do meu cr�tico, um jabacul� n�o argent�rio. N�o respondo, em suma, nem pergunto. O artigo do sr. Vasconcellos n�o me motiva a uma coisa nem � outra. Lendo-o, n�o sinto nada, nem mesmo asco, j� que t�o forte sentimento de repugn�ncia tenderia a manifestar-se sob a forma de convuls�es estomacais, e a escrita vasconcellina, bem feitas as contas, n�o vale o v�mito.

 

Roseli Fischman

 

D. Roseli Fischman (Folha de SP, 15 set. 98) apresenta-se como militante, e de fato n�o escreve como uma cidad� comum, e sim como pessoa versada na t�cnica da difama��o indireta, arma de precis�o das tropas de assalto psicol�gico a servi�o das ideologias modernas. Ela n�o discute um s� de meus argumentos, n�o toca ali�s nem de longe no assunto do meu artigo. Saltando sobre esses desprez�veis detalhes te�ricos, reage a minhas opini�es com um ato pol�tico: aponta-me � plat�ia de pessoas boas e anti-racistas como a personifica��o do inimigo a ser abominado. Responde a argumentos com uma ordem de combate e transfere a discuss�o do terreno da "verdade versus falsidade" para o do "n�s versus eles", amigo versus inimigo. Sendo "n�s" os representantes da toler�ncia e do anti-racismo, quem quer que seja designado como inimigo est� automaticamente identificado como intolerante e racista, sem que seja preciso declar�-lo. Mil vezes repetido - por ela mesma ou por sol�citos companheiros de milit�ncia -, o discurso de D. Roseli acabar� por me fazer passar por um racista: a cal�nia absurda, de in�cio t�o inveross�mil que n�o ousa vir � tona sen�o como um leve sussurro, terminar� por ser proclamada do alto dos telhados como um dogma inquestion�vel e universalmente admitido, podendo eventualmente servir de prova judicial de si mesma, a t�tulo de "fato not�rio".

Quem n�o conhece esse truque? Mais que mera inculca��o do �dio sob uma ret�rica de toler�ncia fingida, � a pol�tica de Carl Schmitt praticada com a t�cnica de Joseph Goebbels. � esse tipo de peste mental que, se quisermos ter uma vida cultural saud�vel, tem de ser eliminada dos nossos debates p�blicos.

Quanto � observa��o puerilmente ir�nica de que certas estruturas permanentes da percep��o humana seriam, no meu entender, uma cria��o de aristocratas iluminados, governantes superiores do processo temporal humano, � apenas tentativa maldosa de me atribuir uma opini�o imbecil e preconceituosa que n�o tenho nem poderia ter. A percep��o espont�nea do claro e do escuro n�o � evidentemente uma cria��o cultural, mas uma rea��o biol�gica comum a homens e bichos, e por isto mesmo qualquer tentativa de alter�-la por meios pol�ticos � empreendimento de uma engenharia comportamental demente e autorit�ria, esta sim, obra de pretensos iluminados que se arrogam a autoridade de gerentes da evolu��o animal. O parentesco dessa engenharia social com o fascismo � demasiado �bvio, ali�s, para ter de ser enfatizado.

 

Carta � revista Caros Amigos

 

Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 1998
Ilmo. Sr.
S�rgio de Souza
Editor de Caros Amigos
Editora Casa Amarela
R. Fidalga, 174
S�o Paulo 05432-000 SP
fax: 011 816 1276
e-mail: [email protected]

 

Prezado senhor,

 

J� que sua revista n�o respeita mesmo o direito de resposta, n�o tenho alternativa sen�o divulgar pela minha homepage – sem preju�zo das provid�ncias legais cab�veis no caso – a seguinte

Resposta a Andr� Forastieri e Carlos Ribeiro

N�o respondi de imediato ao sr. Andr� Forastieri porque me pareceu mais justo aguardar que algu�m viesse em seu socorro, de modo que os dois, somados, perfizessem um leitor inteiro e eu n�o fosse acusado de entrar na peleja com superioridade num�rica.

Que o sr. Forastieri � apenas meio leitor, ele mesmo o declara, ao assegurar que n�o l� em hip�tese alguma – n�o sei se por princ�pio ou por impossibilidade intr�nseca – livros que tenham cita��es em franc�s e/ou latim. Como se n�o bastasse t�o austera ren�ncia, que exclui de seu horizonte legente praticamente toda a literatura filos�fica, econ�mica, hist�rica, jur�dica etc., ele proclama ainda que se abst�m rigorosamente de qualquer obra que tenha recebido aval de Roberto Campos, com o qu� o seu estado de priva��o bibliogr�fica come�a a raiar o calamitoso, tendo em vista a not�ria afei��o do ex-ministro aos cl�ssicos das letras.

J� o sr. Carlos Ribeiro, de Londrina, PR, � inequ�vocamente um leitor – no sentido, � claro, de que n�o faz parte do corpo de redatores. � um leitor, tamb�m, no sentido de ter lido a p�gina 326 do livro do Maestro J�lio Medaglia, M�sica Impopular, e o t�tulo inteirinho do meu livro Astros e S�mbolos. Do primeiro ele concluiu que a conting�ncia de o maestro ter usado ali a express�o "imbecilidade coletiva" em 1988 prova que foi pura auto-repeti��o casual, sem a mais remota alus�o mesmo inconsciente a O Imbecil Coletivo, o fato de que voltasse a us�-la nove anos depois, em plena efervesc�ncia de uma pol�mica nacional em torno desse livro e no contexto de um debate sobre o mesm�ssimo assunto dele. Do segundo, concluiu que se tratava de "um livro de astrologia". A primeira conclus�o demonstra que o sr. Ribeiro tem raz�es que o pr�prio c�lculo das probabilidades desconhece. A segunda demonstra que a leitura n�o passou do t�tulo, j� que a obra citada trata de simb�lica metaf�sica nas Artes Liberais, e n�o de "astrologia" no sentido corrente do termo, como h� de perceb�-lo, entre v�os espasmos cerebrais, qualquer astr�logo que o tente ler confiado numa forma��o human�stica haurida nas obras de Zora Yonara e Walter Mercado – os par�metros bibliogr�ficos que o sr. Ribeiro parece ter tido em mente ao falar do caso.

N�o � de espantar que, com esse cabedal de informa��es, o sr. Ribeiro alcance t�o p�fio desempenho na sua fun��o, auto-atribu�da, de meu bi�grafo. Sondando o meu passado com as asas da imagina��o, proverbialmente amplas em quem de fatos n�o saiba nem deseje saber, ele informa aos leitores que, tendo estreado somente em 1983 com o supracitado "livro de astrologia", e n�o havendo publicado O Imbecil Coletivo sen�o em 1996, n�o posso estar bem da cabe�a ao alegar minha condi��o de veterano na cr�tica da cultura brasileira.

J� o meu curriculum vitae, do qual eu teria cedido de bom grado uma c�pia ao eminente inventor da vida alheia, documenta que estreei como cr�tico de assuntos culturais na revista Brasil-Israel em 1969; que em 1976, al�m de v�rios artigos sobre cultura e sociedade sa�dos no Jornal da Semana de S�o Paulo, publiquei ainda, na obrinha coletiva Imprensa Hoje, suplemento do mesmo jornal, um longo ensaio onde, sob o t�tulo "Imprensa e Cultura", se anunciavam com anteced�ncia de duas d�cadas alguns dos temas b�sicos de O Imbecil Coletivo, inclusive a propens�o imperial – ent�o apenas nascente – com que o jornalismo de cultura ia subjugando as manifesta��es culturais em vez de refleti-las. Entre o ano de publica��o de Astros e S�mbolos e o de O Imbecil Coletivo, a revista Sala de Aula, distribu�da a todas as escolas secund�rias do pa�s pela Funda��o Victor Civita, publicou v�rios artigos meus sobre crise da educa��o, ilus�es da intelligentzia, etc. E no pr�prio Astros e S�mbolos o sr. Ribeiro encontraria, caso o tivesse lido, algumas p�ginas relativas � dissolu��o da intelig�ncia nacional pela influ�ncia corrosiva das pseudo-religi�es, observa��es que depois seriam retomadas n�o apenas em O Imbecil Coletivo como, antes dele, em A Nova Era e a Revolu��o Cultural (1994). N�o foi, portanto, em 1996 que resolvi – para usar o termo do sr. Ribeiro – "dar uma de" observador cr�tico da cultura brasileira.

O leitor h� de compreender que, se entro nestes detalhes, n�o � por afei��o nost�lgica a meus feitos passados, mas simplesmente para ilustrar o grau de confiabilidade que t�m as especula��es bisbilhot�grafas do sr. Ribeiro. Escritas, ademais, naquela t�pica "eloq��ncia canina" de moralista de palanque, de um mau gosto atroz, sem o m�nimo senso de humor ou das propor��es, elas n�o poderiam terminar sen�o numa desvairada coda onde o sujeitinho, jogando sobre mim todos os dejetos de sua atividade, digamos, cerebral, sente os arrebatamentos de emo��o c�vica de quem assinasse a liberta��o dos escravos ou proclamasse diante do espelho, vestido de Robespierre, com a meia da av� na cabe�a a t�tulo de barrete fr�gio, a senten�a de morte de todos os malvados. Sou a�, em gran finale, acusado de nada menos que "a mais infame e escandalosa tentativa de difama��o que um intelectual j� ousou perpetrar" – o que, confesso, nem ouso responder, tamanha a gl�ria que semelhante asneira me confere.

Depois disso, voltar ao sr. Forastieri � um anticl�max. � cair de Lord Byron a Amado Batista, de tuba sonorosa a reco-reco.

Vamos, pois, �s miudezas.

A primeira delas � o pr�prio Sr. Forastieri. Tendo marcado presen�a num trecho de O Imbecil Coletivo II apenas na condi��o modest�ssima de exce��o parcial �s cr�ticas que eu fazia � orienta��o geral da revista, ele proclama, contra toda evid�ncia, que � o alvo principal delas, "o grande alvo". T�o intenso � seu desejo de remover-se da periferia para o centro, que ele chega ao paroxismo de declarar que o t�tulo desse trecho, "O Imbecil Imitativo", � uma refer�ncia direta � sua pessoa.

N�o sei se o tranq�ilizo ou se o irrito mais ainda ao diz�-lo, mas o fato � que, por defini��o, a exce��o parcial a uma afirma��o geral n�o pode ser o objeto central dela. N�o discutirei este t�pico, pois � coisa que, se j� n�o fosse ponto pac�fico na l�gica de Arist�teles, pelo menos se pode dar por definitivamente resolvida desde o advento da moderna teoria dos conjuntos.

Quanto ao t�tulo, "O Imbecil Imitativo", longe de aludir � pessoa de quem quer que seja, n�o designa sequer a revista Caros Amigos em especial, mas o h�bito geral de parasitar o discurso alheio em vez de contest�-lo lealmente. Esse h�bito est� t�o disseminado entre os pol�ticos de esquerda e direita que se pode consider�-lo, sem erro, um dos pilares do Estado moderno. Sua introdu��o nos debates culturais � efeito da politiza��o sect�ria da vida intelectual. A suspeita de que no caso de Caros Amigos se tratasse precisamente disso � justificada pela seguinte considera��o: quando a revista foi lan�ada, ou os orientadores da revista conheciam o debate aberto pel’O Imbecil Coletivo e decidiram entrar na luta fingindo ignorar que ela j� havia come�ado, ou, ao contr�rio, ignoravam realmente a mais ruidosa pol�mica cultural dos �ltimos meses e estavam portanto muito mal qualificados para dar palpites sobre atualidade cultural brasileira. As duas hip�teses s�o deprimentes e uma delas � necessariamente verdadeira. Pode-se, como o faz ali�s o pr�prio sr. Forastieri, alegar que tudo foi pura coincid�ncia. Mas � preciso ser realmente muito burro para n�o perceber que isto apenas confirma a segunda hip�tese.

Quanto � alega��o pretensamente indignada de que o acusei de pl�gio, s� revela na �tica do sr. Forastieri um grave caso de paralaxe – o deslocamento entre o foco e o objeto. Imitar esquemas da argumenta��o alheia com o prop�sito de inverter-lhe o sentido n�o pode ser pl�gio em hip�tese alguma: vai a� toda a diferen�a entre a c�pia servil e a elabora��o criativamente maliciosa. Foi disto, e n�o daquilo, que acusei Caros Amigos. O sr. Forastieri, n�o podendo defender a revista da acusa��o que lhe fiz, julgou mais f�cil, com raz�o, defend�-la de uma que n�o lhe fiz. N�o tendo argumentos, apelou para o fingimento.

A prova de que ele sabe que est� fingindo � que, logo ap�s refutar a imputa��o que nunca lhe fiz, ele anuncia sua inten��o de aguardar que o autor de O Imbecil Coletivo enrique�a com seus livros para ent�o, no momento prop�cio, "tomar-lhe uma grana" (sic), usando para esse fim os servi�os de advogados, os quais, assegura, "afinal foram feitos para essas coisas".

Ora, quem com sinceridade se sentisse acusado injustamente de pl�gio e contemplasse seriamente a possibilidade de obter uma repara��o na justi�a n�o iria desmoralizar de antem�o a pr�pria causa, apresentando-a como se fosse um tipo de extors�o premeditada e descrevendo-a em termos cafajestes que, apresentados a um juiz, n�o renderiam ao autor da a��o sen�o um processo por desacato.

O sr. Forastieri finge que foi acusado de pl�gio, finge que est� ofendido, finge que se defende, finge que vai me processar. Fingidor sem ser poeta, finge a dor que n�o sente para n�o ter de revelar a que sente. Encena um arremedo de indigna��o para n�o mostrar que est� apenas com vergonha.

Ora, tudo o que � puro fingimento � sumamente tedioso e sem sentido como um teatrinho de velhas esclerosadas num asilo.

O sr. Carlos Ribeiro, malgrado sua condi��o de escriba amador, � muito mais interessante. Pelo menos � o bastante destitu�do de senso de humor para se tornar engra�ado involuntariamente, ao passo que o sr. Forastieri, querendo parecer engra�ado com seu humorismo ginasiano, nos d� apenas o melanc�lico espet�culo de uma falsa consci�ncia que se debate entre as garras do irrespond�vel.

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