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Carta de Olavo de Carvalho � revista Sui Generis

   

Rio de Janeiro, 22 de Julho de 1998

 

Revista Sui Generis
A/c Sr. Nelson Feitosa - Diretor de Reda��o
R. Santa Clara, 307 - Copacabana
Rio de Janeiro RJ
Fax: 021 235 0743
 
 

Prezados Senhores,

No exerc�cio do meu direito de resposta, e sem preju�zo de outras provid�ncias que a lei me faculte, pe�o a V. Sas. publicar as seguintes linhas:

Sui Generis reproduziu minhas declara��es com razo�vel fidelidade – o que antigamente era obriga��o, mas hoje � m�rito. Pelo menos nisso, a rep�rter Clarisse Pereira n�o me decepcionou.

Na abertura, por�m, o editor acrescentou algumas observa��es insultuosas, falsas, umas difamat�rias, outras tamb�m caluniosas, que ali�s prejudicam menos a mim do que ao leitor, o qual, militante gay ou n�o, merece a verdade.

1. N�o se d�, em qualquer institui��o universit�ria do Brasil ou do mundo, t�tulo acad�mico de "fil�sofo" e sim apenas o de "bacharel em filosofia" e o de "doutor em filosofia", que n�o podem nem pretendem conferir a seu portador o estatuto de fil�sofo, mas somente o de professor de filosofia em gin�sios ou faculdades – subentendendo-se a� dist�ncia an�loga � que vai de um escritor a um simples professor de portugu�s. Em vista disso, e tendo-se dado conta do rid�culo em que ca�am, h� mais de um ano meus detratores j� desistiram de lan�ar sobre mim o improvisado ep�teto de "fil�sofo auto-intitulado" (ou "autonomeado"), de que se socorreram na primeira hora e que n�o denunciava, enfim, sen�o o provincianismo mental de seus usu�rios. Ressuscit�-lo, agora, � falso, sem raz�o e extempor�neo.

2. O termo mais adequado para dizer o que queriam, na �poca, teria sido "autoproclamado", mas nem com isto os infelizes atinaram. A imprecis�o vocabular � marca inconfund�vel de quem fala depressa, sem pensar, movido pela raiva insensata – o que foi o caso deles como agora � o de voc�s. Mas, mesmo que �queles afoitos difamadores tivesse ocorrido o termo preciso, isto de nada lhes adiantaria, porque n�o encontrariam uma s� linha de minha autoria onde eu me proclamasse fil�sofo. Quem assim come�ou a me designar foi Jorge Amado, logo seguido de Roberto Campos e de Sebasti�o Vila Nova, diretor do Instituto Joaquim Nabuco, o qual, na sess�o que essa entidade promoveu em minha homenagem em 1o. de maio de 1997, fez ainda quest�o de sublinhar: "Fil�sofo, e n�o apenas professor de filosofia" – distin��o que por si bastaria para resolver o caso. Da� por diante essa designa��o, honrosa mas ali�s irrelevante ao exerc�cio de minhas atividades profissionais, tornou-se h�bito corrente na imprensa.

3. Mas o mais grave n�o � isso. Com uma leviandade atroz, Sui Generis atribui ao "meio acad�mico", assim em geral e an�nimo, uma acusa��o de que eu estaria "em conchavo com a elite do ensino privado no pa�s". A palavra "conchavo" denota contato subterr�neo para fins n�o muito l�citos, e seu emprego tem a manifesta inten��o de atrair sobre mim suspeitas nebulosas e insinua��es mal�volas. Saibam voc�s ou n�o, isto � crime. Sendo assim, Sui Generis tem a obriga��o de declarar nominalmente de quem partiu a acusa��o, para que eu possa tomar contra o caluniador as provid�ncias judiciais cab�veis. N�o havendo designa��o da fonte, a revista assumir� automaticamente a responsabilidade pela falsa den�ncia.

4. Pior ainda, voc�s dizem que o entrevistado "carrega a pecha de racista". Ora, n�o carrego nem jamais carreguei pecha alguma. Ningu�m jamais me chamou de racista, e, se chamasse, seria imediatamente processado por crime de cal�nia. Aqui, novamente, Sui Generis esconde-se atr�s de an�nimos e inexistentes terceiros para lhes atribuir covardemente, com m�o de gato, a pecha que ela pr�pria quer lan�ar sobre mim. Para tornar a coisa ainda mais grave, ningu�m, desejando espalhar uma acusa��o, recorreria a meios t�o tortuosos e indiretos, se n�o soubesse que � falsa. Isto acrescenta ao crime de cal�nia o agravante do dolo e a perversidade da m� consci�ncia.

5. O emprego do r�tulo "homof�bico" mostra tamb�m a inequ�voca inten��o de difamar o entrevistado. "Homofobia" significa horror e repugn�ncia irracionais pela pessoa do gay ou da l�sbica, coisa de que n�o dei o menor sinal ao longo de minhas declara��es, se duras e incisivas contra uma ideologia, sempre respeitosas e at� delicadas no tocante a pessoas e a seus h�bitos privados.

Se voc�s pretendem desacreditar como fobia e preven��o irracional qualquer argumento contra a ideologia gay, por mais racional e ponderado que seja, ent�o, no ato, desmascaram seu intuito de atemorizar mediante chantagem verbal aquele a quem n�o podem vencer no campo da argumenta��o razo�vel. Os qualificativos com que designam a minha argumenta��o – "racional, mas n�o por isso menos homof�bica" – s�o, nesse contexto, um primor de nonsense, pois a id�ia que nasce de considera��es racionais n�o pode, ao mesmo tempo, ser mera express�o de uma fobia irracional.

A distin��o entre ser contra a ideologia gay como tal e ser "homof�bico" � clara e patente como a diferen�a entre n�o querer comprar um cachorro e ter fobia de cachorros. Se voc�s buscam encobri-la com a poeira de uma imprecis�o vocabular premeditada, mostram desrespeito ao leitor e � pr�pria causa que defendem. Se, ao contr�rio, a confus�o n�o � premeditada mas brota da pura e simples raiva que, no atropelo de expressar-se, mete os p�s pelas m�os, ent�o, desculpem, mas f�bicos s�o voc�s: s�o logof�bicos – t�m medo e �dio da raz�o.

6. Logo na primeira frase, voc�s j� mostram que ou n�o entendem o que digo ou pretendem impedir que o leitor o entenda. Perguntado se sou de direita, respondi: "Neste pa�s n�o h� ningu�m de direita. Se querem que eu fique na direita, fico." Trata-se, evidentemente, de uma ironia contra as rotula��es manique�stas que nada esclarecem. Como interpretar isso no sentido de que o entrevistado "diz com orgulho que � homem de direita"? Onde � que voc�s t�m a cabe�a? Sua sanha de carimbar n�o se det�m nem mesmo ante a elementar distin��o entre sentido direto e obl�quo? Ou, ao contr�rio, enlouquecidos pelo preconceito, perderam toda sensibilidade ling��stica? Fico com esta �ltima hip�tese, n�o s� por ser a mais caridosa, mas porque � a mais apta a dar conta de um texto medonhamente escrito, de estilo tatibitate enrag�, onde o verbo "vaticinar" aparece como sin�nimo de "qualificar".

7. Quanto � rotula��o "vaidoso", � mero adjetivo solto no ar, que nada diz sobre um indiv�duo de cujas qualidades e defeitos pessoais voc�s n�o t�m a menor id�ia e a prop�sito das quais teria sido mais honesto n�o dizer nada. Mas n�o deixa de ser significativo do estado de esp�rito de quem o emprega, vindo da parte de um grupo militante que n�o se contenta em buscar com a mod�stia humanamente admiss�vel a satisfa��o de seus desejos carnais, mas se permite construir, para melhor adorn�-los ante o espelho, toda uma rid�cula Weltanschauung pseudofilos�fica e pseudoteol�gica. Gays, no mundo, sempre houve, como sempre houve aficionados do �lcool, do fumo ou das corridas de cavalos. Mas nenhum deles pensou jamais em fazer de seu gosto pessoal uma nova revela��o sina�tica, habilitada a revogar cinco mil�nios de juda�smo e dois de cristianismo. Para isto, realmente, � preciso mais do que ser simplesmente vaidoso: � preciso uma vaidade inflada at� as dimens�es de uma obsess�o demencial. Por isto n�o me ofende que o movimento gay me chame de vaidoso, como n�o me ofenderia que Fidel Castro me chamasse de comunista.

8. Por fim, voc�s dizem que sou "verborr�gico". Posso at� s�-lo – � doen�a profissional de quem vive da palavra –, mas jamais chegaria ao c�mulo de preencher centenas de revistas, livros, confer�ncias e congressos, incansavelmente, com a teoriza��o de meus deleites sexuais. E antes de dizer se pade�o ou n�o de diarr�ia verbal, ter�o voc�s contado o n�mero das acusa��es que, mediante adjetivos e express�es adjetivas, derramaram num s� jato f�tido sobre a incauta pessoa que lhes concedeu, por amabilidade, uma entrevista? Direitista, homof�bico, conchavista, verborr�gico, pol�mico, vaidoso, racista, sofista, pr�-kantiano... Talvez voc�s n�o pade�am de verborragia cr�nica, mas, no momento em que escreveram isso, estavam certamente em crise aguda.

Quando optei por dar � sua rep�rter explica��es minuciosas e did�ticas, em vez de respostas lac�nicas, n�o fiz isso por compuls�o de falar, mas por simples demonstra��o de respeito e de boa vontade, que voc�s, ao dar-lhe interpreta��o maliciosamente invertida, provaram n�o merecer. Doravante, saberei conter meu animus loquendi. Na pr�xima entrevista que me pedirem, direi uma s� palavra. N�o a anuncio agora para n�o estragar o prazer de diz�-la pessoalmente.

 

Com meus melhores votos,  

Olavo de Carvalho

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