Meu mergulho no esterco Resposta �s observa��es de S. Excia. o Sr. (ex-) Ministro da Justi�a quanto ao meu artigo �Carta ao Ministro�,publicado em �poca de 23 de mar�o de 2002
� 1. Embora seja um tanto desconfort�vel ter de chamar de Excel�ncia um indiv�duo no qual n�o vejo excel�ncia alguma, responder �s observa��es publicadas em �poca de 30 de mar�o pelo sr. Ministro da Justi�a (a esta altura j� ex-ministro) n�o ser� tarefa de todo desprovida de encanto e divers�o. ��������� 2. H� um prazer ineg�vel em discutir com um advers�rio que me acusa de, sondando os mist�rios de sua vida p�blica e de seu car�ter, �mergulhar no esterco�. Eu jamais teria pensado numa express�o t�o sugestiva para descrever a subst�ncia em que andei bracejando nas profundezas do mundo pol�tico e mental de S. Excia. Nem asseguro que seja termo literalmente preciso. Mas uma coisa n�o hei de negar: se non � vero, � ben trovato. ��������� 3. Tamb�m n�o deixa de ser uma experi�ncia agrad�vel o enfrentar-me com um debatedor que, na �nsia de mostrar habilidade, mete valentemente o sorvete na pr�pria testa j� nas primeiras linhas da sua missiva, ao proclamar, com rela��o � narrativa jornal�stica do seu confronto com o Dr. Tasso Jereissati, que, �na medida em que o governador e eu nos abstivemos de comentar o assunto proliferaram, naturalmente, as vers�es�. Pois fato, segundo todos os dicion�rios, � o que � relatado por testemunhas diretas, e vers�o o coment�rio posterior, sobretudo feito pelas partes interessadas. Ao noticiar as palavras grosseiras ditas pelo ministro durante uma refei��o de Natal, o Correio Braziliense e �poca nada mais fizeram que reproduzir o fato segundo relatado por testemunhas. O que quer que o sr. Ministro acrescentasse � not�cia depois de publicada n�o poderia ser sen�o opini�o, interpreta��o, vers�o. Inverter agora o sentido das palavras, fazendo dos testemunhos vers�es e dos coment�rios fatos, isto sim � tentar sobrepor � realidade a vers�o e, pior ainda, faz�-lo mediante um trejeito dial�tico de um primarismo deplor�vel. ��������� Em segundo lugar, S. Excia., assim como confunde fato e vers�o, troca tamb�m o singular pelo plural. Como dizer que �proliferaram as vers�es� se, justamente, um s� relato foi publicado, id�ntico e invari�vel, no jornal e na revista, e se ningu�m, nem mesmo os personagens envolvidos, abriu jamais a boca para desmenti-lo ou corrigi-lo? ��������� Em terceiro lugar, o detalhe mais not�vel: mesmo agora, ao protestar contra a publica��o de suas palavras, o ministro n�o as desmente por extenso, limitando-se a alegar que �n�o obstante a aspereza da troca de palavras, n�s (isto �, ele e o governador Jereissati) nos mantivemos no terreno da cr�tica pol�tica�. Ora, as palavras mencionadas no Correio e em �poca foram as seguintes: �Est� olhando o que? N�o tenho medo de voc�. N�o quero bater num safenado.� Foram essas as palavras que considerei injuriosas e perversas, sobretudo porque dirigidas em tom amea�ador a um homem que, operado recentemente, n�o tinha a menor condi��o de entrar em confronto muscular com S. Excia. ��������� Dando-se ares de quem vai desmenti-las, S. Excia. se esquiva espertamente de esclarecer se jamais pronunciou a inj�ria ou se, tendo-a pronunciado, a considera apenas uma �cr�tica pol�tica� sem qualquer sentido ofensivo. Dito de outro modo: n�o d� para saber, pelo texto do desmentido, se S. Excia, nega o fato ou apenas sua tipicidade jur�dica. ��������� As ambig�idades, afinal, existem precisamente para tirar do aperto quem n�o pode dizer o portugu�s claro. ��������� 4. Tamb�m fingindo desmentir que tenha havido algo de indecoroso na indeniza��o dada com dinheiro p�blico � sua ex-esposa pelos crimes que ela pr�pria cometeu, o ministro confessa que a portaria que a determinou n�o foi assinada pelo seu antecessor, e sim por ele pr�prio, sem o m�nimo reexame da decis�o tomada e n�o executada pelo dr. Jos� Gregori, o qual o pr�prio ministro Nunes Ferreira, usando ali�s de uma express�o t�o do seu agrado, dificilmente hesitar� em reconhecer como �algu�m da sua laia�. ��������� 5. O belo discurso do dr. Nunes Ferreira quanto ao �sagrado direito de rebeli�o contra uma tirania insuport�vel� jamais poder� abolir a ordem cronol�gica dos fatos: a dita rebeli�o come�ou tr�s anos antes da �tirania insuport�vel� e depois� usou o advento desta como pretexto para dar � sua iniciativa belicosa, retroativamente, as apar�ncias de uma leg�tima autodefesa.� Mas por que o homem que confunde t�o galhardamente fatos e vers�es, singular e plural, n�o confundiria tamb�m o antes e o depois? Tamb�m � fato, e as palavras do dr. Nunes Ferreira n�o podem mud�-lo em nada, que entre 1964 e 1968 a tal �tirania insuport�vel� se limitou a demitir figur�es e cassar mandatos -- n�o se lhe podendo imputar outra maldade sen�o a de ter cortado as asinhas pol�ticas de tipos ambiciosos como ele pr�prio --, e s� come�ou a usar de viol�ncia contra a esquerda depois que esta j� havia explodido 84 bombas, matando e ferindo umas dezenas de pessoas que o ministro ou ex-ministro exclui a priori da categoria dos �patriotas�, reservada por certo a pessoas que trabalharam para regimes democr�ticos como os da Alemanha Oriental e de Cuba. Igualmente verdadeiro � que, se a atmosfera de cassa��es e demiss�es podia ser �insuport�vel�, s� um patol�gico mau gosto haveria de julgar mais confort�vel o ambiente de fuzilamentos generalizados, pris�es arbitr�rias e tortura em massa no qual os Nunes Ferreiras e tutti quanti foram buscar abrigo e ajuda. ��������� Mais ainda: o termo �direito de rebeli�o� s� pode ter alguma validade quando a situa��o pol�tica contra a qual algu�m se rebela exclui toda possibilidade de oposi��o pac�fica. Tal �, precisamente, a argumenta��o subentendida no emprego que S. Excia. faz da express�o. Mas como admitir que a guerrilha brasileira nascesse da inexist�ncia de meios pac�ficos de oposi��o, se ela brotou justamente de um �racha�, no seio do pr�prio Partido Comunista, entre a minoria que julgava dever partir para a viol�ncia e a maioria que, lendo Gramci, apostou (e venceu) na viabilidade maior da luta pac�fica? Se algo a hist�ria daquele per�odo deixou claro, foi que o governo militar concentrou suas baterias no combate � guerrilha, dando campo livre � atua��o da esquerda pac�fica n�o somente infiltrada nos partidos legais mas autoconstitu�da, j� ent�o, em senhora e dona absoluta dos meios culturais e jornal�sticos, tanto que jamais, na hist�ria brasileira, a ind�stria de livros esquerdistas floresceu como naqueles anos, coisa provada e arquiprovada pelos registros da C�mara Brasileira do Livro. A pr�pria hist�ria subseq�ente do Partido Comunista, com a completa derrota da guerrilha e a vit�ria incontest�vel da �revolu��o cultural� gramsciana, basta para impugnar toda tentativa de legitimar a guerrilha pela suposta aus�ncia de canais pac�ficos de oposi��o ao governo militar. 5. S. Excia. acusa-me de �tomar as dores� da empresa maranhense vasculhada pela Pol�cia Federal numa a��o cujos resultados judiciais ser�o incertos e de longo prazo mas cujo efeito eleitoral, que S. Excia. finge nem perceber, foi imediato e inquestion�vel. ��������� N�o me espanta que o homem capaz de tentar intimidar fisicamente um rec�m-operado seja tamb�m capaz de lan�ar uma insinua��o dessa ordem contra um jornalista que uma semana antes, em vez de tomar as dores de quem quer que fosse, j� havia manifestado de p�blico todo o seu desprezo pela candidatura lesada, e que por isso nem tem por que se defender de uma imputa��o que antecipadamente j� se anulou a si mesma. ��������� Mas chega a ser admir�vel a facilidade com que S. Excia. desce, num relance, da pose altiva de dignidade ofendida aos golpes rasteiros da intriga de botequim, com a ressalva de que � t�o in�bil numa coisa como na outra. ��������� Quanto � opera��o referida, bem sei que obedeceu a todos os tr�mites formais, nada podendo se lhe imputar de ilegal. Mas a escandalosa oportunidade eleitoral da data escolhida para realiz�-la mostra que a lei �s vezes tem outras utilidades al�m da manuten��o da ordem e da justi�a. Quem disse �Para os inimigos, a lei� ensinou que n�o � preciso fazer nada de ilegal contra os desafetos, quando se pode simplesmente usar do aparato legal como de um porrete ou de uma gazua -- e ali�s alguns ministros da Justi�a s�o nomeados especialmente para isso. ��������� 6. S. Excia. chama-me �fil�sofo de meia tigela�. Confesso que essa imputa��o me deixa um pouco at�nito, pois jamais me ocorreu que se pudesse filosofar com tigelas. N�o me lembro de jamais ter lan�ado m�o de um desses utens�lios, seja inteiro, seja pela metade, no exerc�cio dos meus discretos afazeres filos�ficos, dos quais suspeito que S. Excia. n�o saiba grande coisa, donde sua extravagante presun��o de avali�-los pela capacidade das tigelas que ele a� sup�e utilizadas. ��������� Confesso que a id�ia que o sr. ministro faz da filosofia me escapa totalmente. Para mim, essa � a parte mais enigm�tica da sua carta. A julgar, por�m, pelo uso que ele faz da primeira e mais elementar das disciplinas filos�ficas, que � a l�gica, creio que n�o me conviria de maneira alguma pedir-lhe mais explica��es a respeito, pois ele poderia querer trocar id�ias sobre o assunto e, inevitavelmente, eu levaria preju�zo na troca. ��������� 7. S. Excia., imaginando que com isto vai trazer algum dano � minha argumenta��o, acusa-me de usar o termo �terrorista� como o usava a Gestapo para denegrir os alem�es que atentaram contra a vida de Hitler. A imagem n�o � nada boa, porque os autores do atentado eram aristocratas conservadores, e a Gestapo a pol�cia pol�tica de um Estado socialista. S. Excia. n�o deveria abusar desses giros ret�ricos pueris que s� melam mais um pouco sua reputa��o j� nada invej�vel. E a palavra �terrorista� tem atualmente uma acep��o tecnicamente fixada que nenhum advogado s�rio pensaria em tergiversar. S. Excia. e sua dign�ssima esposa foram terroristas no sentido mais estrito e menos pejorativo do mundo, e qualquer uso pr�prio ou impr�prio que a Gestapo ou quem quer que fosse possa ter feito do termo meio s�culo antes n�o muda isso em nada. Mais ainda: disse e repito que S. Excia. jamais condenou explicitamente o recurso pol�tico aos assaltos, aos seq�estros e �s bombas cujo emprego define, precisamente, a atividade terrorista. Limitou-se a declarar que nem sempre s�o oportunos em certas circunst�ncias, observa��o que nem bin Laden ou Carlos o Chacal hesitariam em endossar. ��������� 8. Por fim, uma mensagem direta ao ex-ministro: Se V.. Excia tem por mim sentimentos an�logos aos que nutre pelo Dr. Jereissati -- e, pelo texto da sua carta, n�o vejo quais outros poderia ter --, n�o deve refrear a express�o deles como o fez, entre dentes, no infausto encontro de Natal. Seu colega do Minist�rio da Sa�de nada lhe adverte quanto a esse ponto, mas o fato � que fingir autocontrole quando a baba j� come�a a lhe escorrer pelo canto da boca pode fazer mal ao cora��o de V. Excia., tornando-o candidato a usu�rio de pontes de safena. Portanto, Excia., se tem neg�cio comigo, n�o se iniba: estou com um pouco de gripe, mas n�o sou safenado nem card�aco, nem me consta jamais ter corrido de medo de quem quer que fosse. Com meus melhores votos, Olavo de Carvalho |
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