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Um grupo de psic�ticos

Olavo de Carvalho

 

��������� Nada mais f�cil do que livrar-se de um debate chamando o interlocutor de louco. N�o me lembro de ter jamais recorrido a esse subterf�gio, que, bem ao contr�rio, foi muito usado contra mim por pessoas que nada tinham a opor aos meus argumentos. Mas igualmente f�cil e leviano seria obrigar um homem a submeter-se a qualquer cobran�a despropositada de um louco, sob a alega��o de que chamar o louco de louco seria expediente indigno de um debatedor honesto.

��������� A diferen�a entre as duas situa��es � que na primeira o sujeito trata de se desviar rapidamente da conversa mediante uma desculpa de ocasi�o, enquanto a segunda implica o exame criterioso da psicologia do advers�rio e a prova de que qualquer conversa racional com ele � imposs�vel. Esta �, precisamente, a situa��o em que me encontro diante das acusa��es que me move o sr. Orlando Fedeli.

��������� Que ele � maluco, qualquer pessoa com um pouco de experi�ncia da vida percebe a um primeiro exame. Mas isso n�o me pareceu raz�o suficiente para lhe recusar uma resposta, pois h� graus e graus de loucura e n�o supus que a dele fosse tanta que inviabilizasse in limine qualquer possibilidade de di�logo. Foi s� aos poucos que me dei conta da extens�o da sua patologia, chegando por fim � conclus�o de que continuar debatendo com ele seria fazer-me de palha�o.

��������� O sr. Fedeli, de fato, n�o � um debatedor como os outros. Para ele, algu�m discordar de suas opini�es n�o � simples mat�ria de diverg�ncia intelectual, mas um pecado intoler�vel – e n�o apenas intoler�vel moralmente, mas socialmente: algo, portanto, que n�o apenas se deve condenar em sentimentos e palavras, mas que deve ser proibido e reprimido pela autoridade civil. Ele pr�prio o declara, com extraordin�ria candura, ao afirmar que, no seu entender, a liberdade de consci�ncia � “uma monstruosidade”.

��������� Ao investir contra um antagonista, ele n�o o faz portanto na condi��o de simples debatedor, mas na de autoridade judicial n�o reconhecida pelo mundo mau. Da� o estilo policial e tribunal�cio da sua argumenta��o, na qual as express�es “r�u”, “culpado”, “acusado” e “confiss�o” retornam a cada instante, num refr�o obsessivo destinado a transportar o leitor, da situa��o real, a uma situa��o imagin�ria de processo can�nico, um ambiente aterrorizante onde discordar da palavra do juiz seria, mais que uma insol�ncia, um risco.

��������� O uso desse estilo numa sociedade livre e democr�tica, onde mesmo a autoridade religiosa constitu�da evita impor suas senten�as acima dos direitos assegurados pela legisla��o civil, j� denota, por si, uma personalidade anormal. Mas a suspeita de patologia torna-se uma certeza quando se nota que, em vez de juiz de algum tribunal can�nico, o homem que assim fala � apenas um leigo, um cidad�o comum, sem qualquer autoridade religiosa e, no m�ximo, chefe de uma seitinha miser�vel cuja exist�ncia a Igreja ignora solenemente -- um juiz de fantasia cujo veredicto, por terrificante que pare�a, n�o ser� levado a efeito sen�o no tribunal da sua imagina��o.

��������� Que ele possa pensar que seu esse tribunal � o pr�prio Ju�zo Final, e que Deus em pessoa condenar� no eterno o que Orlando Fedeli condene neste mundo, � um direito que eu seria o �ltimo a lhe negar, persuadido que estou de que o princ�pio da liberdade de consci�ncia para os homens normais implica, como corol�rio incontorn�vel, a liberdade de inconsci�ncia para os loucos, os b�bados e os menores de idade.

��������� Mas tudo isso ainda n�o me dissuadia de debater com o sr. Fedeli, pois o diagn�stico de insanidade n�o me permitia apostar, a priori, que se tratasse de quadro cl�nico irrevers�vel.

��������� Foi s� o exame substantivo da sua argumenta��o que me demonstrou a total inviabilidade de disputar com ele no terreno racional. A exposi��o que se segue mostrar� aos leitores que, ao declarar louco o sr. Fedeli, n�o lhe dirijo um insulto, nem muito menos apelo a uma desculpa infamante para me livrar de um superpentelho – por mais justo que fosse esse apelo nas presentes circunst�ncias --, mas fa�o uma simples constata��o de fato.

***

��������� O sr. Fedeli publica em sua homepage os depoimentos de Felipe Coelho com o quem insinuasse que a condi��o de ex-aluno meu d� a seu autor algum respaldo para falar a meu respeito com isen��o. Vi de fato essa criatura algumas vezes no meu curso, mas nunca cheguei sequer a conversar com ela, pois parecia de uma timidez m�rbida. Felipe alega que s� se ligou � Associa��o Montfort depois de freq�entar minhas aulas; n�o tenho raz�o para duvidar do que diz, mas o fato � que, nelas, estava sempre rodeado de um certo grupo de colegas dos quais alguns j� me falavam da Associa��o Montfort, sem dizer que eram seus membros, no tempo em que o Semin�rio de Filosofia funcionava no Clube Nacional, tr�s ou quatro anos atr�s. Nessa �poca, uma amiga minha, cujo nome n�o vou citar por enquanto porque n�o lhe pedi autoriza��o, foi � Associa��o� Montfort e l� encontrou, para seu espanto, todos esses meninos. Tamb�m � patente que, logo ao come�ar este debate, o sr. Fedeli, sacando da gaveta um ma�o de textos meus de vinte anos atr�s, dos quais nem eu pr�prio me lembrava nem tinha c�pias, provou que j� vinha rastreando minha vida desde muito antes, o que dificilmente poderia fazer sem a ajuda de um devoto c�rculo de militantes. O caso configura nitidamente um longo trabalho de penetra��o, de cerco e de bisbilhotice.

��������� Mas isso, no fim das contas, n�o vem ao caso. Sempre conheci mal essas pessoas e nunca tive interesse em sondar suas vidas. Foi s� depois de eclodido o presente debate que alguns alunos vieram me contar o que sabiam delas.

��������� Esse menino, Felipe Coelho, por exemplo, encontrou na Associa��o Montfort um grupo religioso feito sob medida para a sua forma mentis, a de um rapaz inseguro e neur�tico ansioso de apoiar-se numa autoridade, sacrificando no altar dela a sua intelig�ncia e a sua dignidade pessoal. O sr. Orlando Fedeli atende perfeitamente a essa demanda, pois ele �, como os nazistas e comunistas, se bem que sob pretextos diferentes, um ap�stolo da extin��o da liberdade de consci�ncia – a tal “monstruosidade”.

��������� A aboli��o dessa monstruosidade importaria na convers�o for�ada de judeus, mu�ulmanos, protestantes e outros infi�is, ou pelo menos na proibi��o de seus cultos respectivos, � imagem do que j� se fez em outras �pocas, quando algu�m ser o sr. Orlando Fedeli era considerado normal.

��������� Compreende-se que, na atmosfera dessa doutrina, o rapaz flores�a velozmente em dons que lhe parecem ser do Esp�rito Santo, mas que s�o apenas os do esp�rito do sr. Fedeli.

��������� Um desses dons � o de encadear, com rigorosa l�gica dedutiva, percep��es err�neas da realidade e interpreta��es falseadas dos textos que l�.

��������� No curso de uma feroz investida pol�mica, ante uma plat�ia mais ou menos insegura e desinformada, isso torna as coisas extremamente dif�ceis para o interlocutor, pois o antagonismo que o separa do atacante n�o � de ordem discursiva, e sim intuitiva, estando cada um situado num plano de realidade diferente, onde os mesmos nomes podem designar coisas inteiramente diversas.

��������� Essa diferen�a reflete-se, antes de tudo, na leitura muito especial, muito peculiar que o sr. Fedeli e seu pupilo fazem daquilo que l�em, especialmente quando l�em com a temerosa expectativa de encontrar ali algum ind�cio da nefanda liberdade religiosa.

Da�, por exemplo, a tend�ncia a tirar as mais ousadas generaliza��es, com ares de certeza absoluta, a partir de ind�cios min�sculos e isolados. Fazendo-se de islam�logo ap�s uma breve leitura de Henry Corbin, o sr. Orlando Fedeli pontifica, por exemplo: “O esoterismo isl�mico apresenta duas correntes principais: o shiismo e o ismaelismo”. (2)

Isto � de uma estupidez fora do comum.

��������� O esoterismo isl�mico � constitu�do essencialmente pelas ordens sufis (turuq, plural de tar�qat, “via”), que s�o centenas e que na sua esmagadora maioria seguem a shariat (lei comum) do mundo sunnita. A distin��o entre sunnitas e shiitas nada tem a ver com a de exoterismo e esoterismo, correspondendo simplesmente a duas modalidades da religi�o exot�rica, mais ou menos como catolicismo e protestantismo.

��������� Todo crente mu�ulmano sabe disso, e o sr. Fedeli poderia ter obtido essa informa��o em qualquer mesquita ou centro isl�mico do mundo. Provavelmente, como a repugn�ncia a toda contamina��o gn�stica o impede de aproximar-se desses meios, ele prefere estudar o assunto � dist�ncia, confiando-se � autoridade de um �nico erudito, Henry Corbin, ignorando que o autor de En Islam Iranien �, ele pr�prio, um esoterista isl�mico, portanto algu�m do qual uma alma cat�lica virginal como o sr. Fedeli deveria guardar tamb�m ass�ptica dist�ncia.

��������� O ismaelismo � apenas uma subdivis�o do shiismo, e constitui uma variedade esot�rica menor, limitada ao mundo shiita, em oposi��o � linha mestra do esoterismo representada pelas ordens sufis do mundo sunnita.

��������� A confus�o grosseira do sr. Fedeli chega ao ponto de, ao comentar as interpreta��es do Cor�o, falar de “exegese shiita ou soufi”, como se fossem uma s� e mesma coisa.

��������� Garanto-lhes que� nunca, em d�cadas de estudo de assuntos isl�micos, vi algu�m ousar falar em p�blico do assunto, com ares de autoridade magistral e com base num tal desconhecimento da mat�ria. A despropor��o entre a parcim�nia dos meios e o tom de completa autoconfian�a com que o sr. Fedeli entra na discuss�o daquilo que ignora � coisa um tanto deprimente de se ver, pois revela menos uma vigarice consciente do que algum tipo de anomalia psicol�gica.

��������� Essa anomalia se torna ainda mais vis�vel quando, linhas adiante, o pr�prio sr. Fedeli afirma, ali�s com exatid�o, que os ismaelitas, perseguidos pela autoridade religiosa, se esconderam dentro das ordens sufis. N�o se compreende como poderiam ou por que haveriam de faz�-lo se fossem eles mesmos representantes do sufismo, ou se este, ao contr�rio do ismaelismo, n�o fosse um esoterismo aceito pelas autoridades ortodoxas sunnitas, portanto algo bem distante do shiismo e mais ainda do ismaelismo. O sr. Fedeli, obviamente, n�o compreende o que ele pr�prio escreve.

��������� Mais deplor�vel ainda � o completo descompasso, que se observa no discurso do sr. Fedeli, entre os conceitos gerais e os fatos encarregados de exemplific�-los. Ele mal acaba de escrever que a gnose se distingue pelo seu completo intuicionismo anti-racional, e logo no par�grafo seguinte j� d� como exemplos de gn�sticos Leibniz e Hegel, racionalistas por antonom�sia, e ali�s o segundo deles inimigo professo de todo intuicionismo. (3) Isso n�o pode ser um simples “erro de l�gica”. �, positivamente, uma desconex�o entre percep��o e linguagem, uma car�ncia de integra��o mental, o sintoma de uma fragmenta��o da personalidade.

��������� Multiplicada pelo n�mero impressionante de cita��es coletadas em noites e noites de trabalho insano, a pr�tica desse curioso modus interpretandi j� se torna mais que um sintoma isolado: � um quadro cl�nico completo.

��������� N�o � de espantar que, nesse quadro de auto-incompreens�o psic�tica, racioc�nios formalmente corretos abriguem, da premissa �s conseq��ncias, as mais prodigiosas confus�es entre planos de realidade, tornando a argumenta��o do sr. Fedeli uma massa compacta de sentidos superpostos e fundidos, que para ser discutida ou refutada no plano l�gico teria de ser primeiro analisada psicologicamente e decomposta em seus elementos heterog�neos e incompat�veis. Como explicar, por exemplo, que, argumentando pela continuidade historicamente comprov�vel da gnose, ele, um historiador de of�cio, a fa�a remontar � Serpente do Para�so? (4) Quereria isso dizer que a ci�ncia hist�rica tem meios de rastrear os fatos at� � cria��o do mundo? Ou que, ao contr�rio, a hist�ria � ancilla theologiae e que aquilo que valha como artigo de f� deve ser aceito tamb�m como prova de veracidade hist�rica acima de qualquer protesto poss�vel da metodologia historiogr�fica? Tais s�o os dois �nicos sentidos logicamente poss�veis desse conceito. Ambas essas afirmativas, al�m de ser absurdas em si mesmas, se contradizem uma � outra, mas, ao mesmo tempo, ambas est�o contidas de maneira insepar�vel na tese de que a gnose remonta historicamente – e n�o s� teologicamente, ou simbolicamente – � Serpente do Para�so. Que � que isto nos mostra, acima de qualquer possibilidade de d�vida, sen�o que a afirmativa n�o tem nenhum sentido l�gico, mas apenas psicol�gico, como express�o irracional de um desejo intenso de fazer per fas et per nefas a Hist�ria dizer o mesmo que a Teologia?

��������� Id�ntico fen�meno observa-se no uso que o sr. Fedeli e seu pupilo fazem de uma das express�es que mais obsessivamente reaparecem nos seus escritos: a tal “salva��o pelo conhecimento”. A gnose antiga acreditava, de fato, num conhecimento intelectivo da ess�ncia de Deus (mesmo assim, com certas reservas), opondo-se nisto � cognitio fidei que era, segundo a Igreja, o �nico meio de acesso ao mist�rio divino. Por algum motivo insond�vel, Fedeli e seu pequeno clone espiritual cismaram que eu acreditava nessa “salva��o pelo conhecimento”, cuja impossibilidade absoluta, no entanto, eu mesmo havia demonstrado nas aulas sobre “Consci�ncia e estranhamento”, continua��o de “Descartes e a psicologia da d�vida”, meses antes do in�cio desta pol�mica. (5) Que se esfor�assem tanto para me atribuir uma doutrina t�o contr�ria ao conte�do expresso das minhas aulas j� era, por si, coisa esquisita. Para isso chegavam ao c�mulo de interpretar como sin�nima de “salva��o pelo conhecimento”, no sentido gn�stico, a express�o “poder salv�fico da devo��o intelectual”, que manifestamente significa coisa totalmente diversa, designando apenas a devo��o a Deus prestada atrav�s do trabalho intelectual, por exemplo na ascese beneditina. Mais esquisito ainda, por�m, � que, na �nsia de provar que escamoteei propositadamente alguma coisa no resumo das caracter�sticas essenciais e constantes da gnose, l� vem de novo o jovem Coelho, na sua �ltima cartinha, com a “salva��o pelo conhecimento”. Mas � �bvio e patente que essa doutrina n�o poderia estar presente nas formas modernas e imanentistas da gnose, para as quais a id�ia mesma de “salva��o” � inconceb�vel. O pr�prio Coelho, dois par�grafos depois, insiste na distin��o entre gnose transcendentalista e imanentista, (6) sem perceber que a exist�ncia mesma desta distin��o exclui a possibilidade de que a “salva��o pelo conhecimento” esteja presente em toda a gnose, mas t�o somente, � claro, na gnose antiga e transcendentalista. Ora, no momento mesmo em que afirma a continuidade essencial de um fen�meno qualquer ao longo dos tempos, nenhum c�rebro normal apontar�, entre as caracter�sticas que definem essa ess�ncia, um tra�o que n�o pode estar presente em todas as suas manifesta��es mas s� em algumas delas, localizadas num tempo determinado. Como compreender, portanto, o pensamento do jovem Coelho? Ele quis dizer que no fundo o marxismo ou o positivismo s�o transcendentalistas e visam � salva��o da alma pelo conhecimento como os gn�sticos antigos? Ou que, ao contr�rio, a continuidade da gnose ao longos dos tempos � irrelevante e s� interessam as caracter�sticas da gnose antiga? Tal como no exemplo anterior, a express�o verbal aparentemente l�gica abriga dois sentidos que, absurdos em si mesmos, se contradizem e se unem inseparavelmente no corpo de uma mesma id�ia, caracterizando uma forma inconfundivelmente delirante de pensar e de escrever. Novamente, a confus�o mental � t�o flagrante que n�o pode ser explicada como simples “erro de l�gica”, mas acusa decisivamente uma falha de percep��o daquilo que se escreve, no momento mesmo em que se escreve. Essa falha torna absolutamente inintelig�vel o pensamento do jovem Coelho, que o interlocutor teria de “interpretar” psicologicamente antes de poder discutir logicamente.

��������� Tantos s�o os lapsos desse tipo na produ��o escrita de Fedeli & Coelho ao longo desta pol�mica, que para refutar ou provar seus argumentos seria preciso primeiro peneirar suas palavras, linha por linha, para depur�-las desses lapsos e isolar, no meio da massa bruta de confus�es e superposi��es de sentido, algum sentido logicamente distinto, exatamente como, numa psicoterapia, o analista busca um fundo de l�gica por tr�s da massa compacta de s�mbolos e vis�es delirantes do paciente.

��������� O aglomerado imponente de cita��es e remiss�es n�o faz sen�o tornar ainda mais invis�vel, para os autores, o car�ter alucinat�rio do que escrevem. O exemplo mais recente encontra-se na �ltima cartinha do jovem Coelho, na qual, para provar que o conceito de gnose de Eric Voegelin coincide em g�nero, n�mero e grau com a defini��o dogm�tica de heresia gn�stica, ele cisca uma defini��o no gloss�rio de Eugene Webb e a exibe como trof�u. (7) Ora, desde logo um m�nimo de prud�ncia e a simples consci�ncia da situa��o de discurso recomendariam ao menino n�o confiar-se a uma fonte t�o notoriamente de segunda m�o ao discutir com um sujeito que acabava de ser acusado pelo sr. Fedeli de ciscar defini��es “em algum site da internet” em vez de busc�-la em fontes confi�veis (o sr. Fedeli referia-se �s quatro caracter�sticas da gnose antiga, sem saber que eu as havia retirado da Enciclop�dia Routledge). Em segundo lugar, o pr�prio Webb, no seu site, avisa que � um amador bem intencionado e n�o um int�rprete autorizado de Voegelin. Em terceiro lugar, um conceito qualquer, numa obra filos�fica extensa, nunca se pode conhecer pelo seu simples enunciado sint�tico (muito menos redigido por um terceiro), mas requer o exame das aplica��es que lhe d� o autor, pois s� nestas se revela o sentido efetivo que ele tem no conjunto do argumento. Ora, na sua aplica��o constante e sistem�tica ao longo dos 33 volumes de Collected Works, o conceito de “gn�stico”, em Voegelin, n�o se op�e a “cat�lico”, mas a “fil�sofo”, uma categoria na qual ele inclui, al�m dele pr�prio, � claro, v�rios pensadores que, na perspectiva fed�lica, s�o inconfundivelmente gn�sticos, como Plat�o e Schelling. Para piorar as coisas, mais adiante o menino lan�a uma suspeita de gnosticismo contra o pr�prio Voegelin, o que, confrontado com a afirmativa de que sua defini��o de gnose � id�ntica � defini��o dogm�tica de heresia gn�stica, resulta em declarar que o pr�prio Voegelin se acusa formalmente de her�tico. A incompreens�o da leitura alcan�a a� o cume de uma sublimidade quase indiz�vel.

��������� Igualmente reveladora de falta de percep��o da realidade � a alega��o – feita de boa f�, segundo parece – de que as transcri��es n�o autorizadas de minhas aulas, cuja cita��o pelo sr. Fedeli impugnei como expediente desonesto, s�o documentos que podem ser citados � vontade porque foram encontrados na minha pr�pria homepage, isto �, no Forum Sapientia que � uma subdivis�o dela. (8) Ora, minha homepage tem um editor, que sou eu. O Forum Sapientia tem quinhentos e tantos, que s�o os participantes da discuss�o, que ali despejam o que bem entendem, sem ser fiscalizados ou censurados (exceto quando algu�m me avisa de algum abuso em particular) e sem que eu tenha ali�s a m�nima condi��o de acompanhar simultaneamente todos os debates. Qual ser�, pois, o sentido da alega��o de Felipe Coelho? Pretende ele dizer que o que quer que ali algu�m descarregue sem minha autoriza��o e at� sem meu conhecimento se torna automaticamente publica��o autorizada por mim? Ou que, ao contr�rio, a falta de autoriza��o num caso justifica o uso n�o-autorizado no outro? �, de novo, o mesmo esquema delirante: duas afirma��es absurdas em si mesmas e mutuamente contradit�rias, que aparecem sintetizadas inseparavelmente num �nico pensamento, de apar�ncia l�gica impec�vel.

��������� E o mais extraordin�rio � que, ap�s expor assim aos olhos do p�blico o estado deplor�vel da sua intelig�ncia, o menino cante vit�ria, gabando-se de ter-me feito cr�ticas “devastadoras”, e ainda seja fortalecido nessa ilus�o grotesca pelo incentivo de um mestre interesseiro e bajulador.

��������� Considerado enquanto t�cnica argumentativa, o modo de escrever de Fedeli e Coelho assinala menos uma vontade consciente de iludir do que a express�o desesperada de uma confus�o interior que n�o busca propriamente ludibriar, e sim contaminar a plat�ia. O lud�brio consciente pressup�e, no orador, o dom�nio de seus pr�prios pensamentos e a compreens�o da situa��o de discurso. Ora, ambos estes requisitos faltam manifestamente no guru e em seu disc�pulo, caracterizando, n�o uma vigarice compartilhada, mas a boa-f� insana de um del�rio a dois.

��������� Duas observa��es, no entanto, devem matizar esse diagn�stico.

��������� 1) Essa loucura n�o transparece na maioria dos escritos do sr. Fedeli, pela simples raz�o de que s�o simples resumos ou adapta��es de textos tradicionais da Igreja, onde pouco espa�o haveria para alguma efus�o pessoal reveladora. De modo geral, � compreens�vel que um homem de mente perturbada oculte sua patologia por tr�s do apego a uma doutrina s�lida, fixa e facilmente repet�vel, cuja racionalidade intr�nseca, usada como muleta, o dispense de qualquer esfor�o intelectual mais comprometedor. A vida intelectual do sr. Fedeli, resumindo-se no mais das vezes a simples dedu��es mec�nicas do dogma e a par�frases de textos lidos, est� em geral bem protegida dos riscos de uma luta pelo conhecimento, mas � claro que n�o os pode evitar por completo, e � no instante que eles aparecem que a ordem aparente da sua vida mental se esboroa ao contato com a complexidade da situa��o.

��������� 2) A compacta��o de sentidos contradit�rios num discurso formalmente l�gico �, malgrado sua loucura intr�nseca, um intrumento verbal de grande for�a persuasiva, precisamente por causa do estado de esp�rito paradoxal em que deixa seu leitor. Arrastado pela sucess�o l�gica de uma demonstra��o cuja estrutura formal independe totalmente do sentido dos conceitos, ele acaba por aceitar as conclus�es sem dar-se conta do terreno sem�ntico lodoso e mole em que se assenta o edif�cio aparentemente est�vel. O exame l�gico dos argumentos nada revelar� de anormal. S� a an�lise sem�ntica e a compara��o com a situa��o de discurso revelar�o a loucura por tr�s do m�todo, mas poucos leitores t�m o h�bito ou os meios de realiz�-las. Nos demais, a superposi��o de clareza l�gica e nebulosidade sem�ntica produzir� um misto de descoberta e confus�o, bem apto a mudar num relance todo o seu quadro habitual de refer�ncias, a arrebat�-los do mundo real e a despertar neles o sentimento de terem “visto a luz”: a ades�o s�bita e total das suas almas a uma id�ia cujo significado mal vislumbram. � a essa muta��o repentina do quadro de percep��o e a essa convers�o imediata a uma id�ia mal compreendida que Flo Conway e Jim Siegelman, no seu estudo sobre a ret�rica das seitas populares da New Age, d�o o nome de snapping. (9)

��������� Se o sr. Fedeli manejasse esse instrumento com mal�cia consciente, seria um g�nio da er�stica, como Hegel. Mas o abismo entre o conte�do de suas argumenta��es e a situa��o de discurso mostra-nos que ele n�o tem nenhum dom�nio do que faz, que ele � antes uma v�tima de sua confus�o interior do que um produtor deliberado de confus�o na mente alheia. Um racioc�nio l�gico separado da intui��o adequada da realidade (seja da realidade em torno, seja da realidade representada nos conceitos do pr�prio discurso) �, com efeito, sinal inequ�voco de perturba��o mental. O �dio mesmo que o sr. Fedeli tem � faculdade intuitiva revela nele um fundo de consci�ncia de sua anomalia e um desejo de mutilar a mente alheia para reduzi-la � sua pr�pria medida pessoal, pois raros tipos humanos realizam t�o bem quanto ele a defini��o de “louco” dada por Chesteston: “o homem que perdeu tudo, menos a raz�o”.

��������� T�o distante est� o sr. Fedeli da situa��o real de discurso que ele chega a ostentar como sinais de aprova��o da plat�ia as cartas que lhe s�o enviadas por pura goza��o pelo tal de Fabr�cio (pseud�nimo de um hacker comunista) e por um sr. Francisco Nixex� (o qual n�o existe e n�o passa de outro pseud�nimo do mesmo cidad�o), sem perceber nem de longe que est� sendo usado como personagem de piada. (10) Custei um pouco a me dar plena conta da sua completa falta de senso de realidade e creio que de in�cio carreguei demais nas tintas ao atribuir-lhe inten��es maliciosas. A mal�cia, nele, � totalmente inconsciente: ela n�o prov�m da sua vontade, mas do dem�nio que se apossou dos seus pensamentos e os embaralha sem que ele se d� a m�nima conta do que se passa. O mesmo acontece com o jovem Coelho.

��������� Mas � claro que, nessas condi��es, a perspectiva torta n�o falseia somente os textos, e sim a realidade mesma em torno. Vistos dessa perspectiva, os fatos mudam de tamanho, de sentido e de import�ncia, adquirindo um novo perfil que os tornaria irreconhec�veis aos protagonistas que os viveram. Assim, por exemplo, um professor que d� cursos h� vinte anos, para plat�ias diferentes, fatalmente ter� alunos mais antigos e mais novos, mais pr�ximos e mais distantes, mais �ntimos e mais estranhos, e assim por diante. Uns saber�o mais que os outros, conhecer�o o professor mais de perto que os outros, freq�entar�o a sua casa, desfrutar�o da intimidade da sua fam�lia, enquanto outros s� o ver�o de longe, pelo seu perfil profissional, mal ousando lhe dirigir respeitosamente a palavra. Tudo isso � natural, inevit�vel e est� na ordem das coisas. Observado desde o �ngulo do ca�ador de gn�sticos, esse fato banal ser� transfigurado em uma sociedade secreta, com c�rculos internos e externos, um discurso exot�rico e outro esot�rico, graus inici�ticos, ritos de admiss�o e pactos de lealdade mafiosa.

��������� � claro que,� num primeiro instante, quem, conhecendo por experi�ncia direta o meio e os personagens, ou�a esta segunda descri��o, a tomar� espontaneamente em sentido figurado, como pura �nfase ret�rica destinada a real�ar as qualidades negativas que o observador atribui ao grupo observado.

��������� Tamb�m eu pensei que fosse isso, e julguei discernir no sr. Fedeli um prop�sito conscientemente difamat�rio.

��������� A um segundo exame, por�m, notei que ele acreditava literalmente no que dizia, e que portanto a diferen�a entre o que eu sabia do meu ambiente e o que o sr. Fedeli ali enxergava n�o era uma simples diferen�a de opini�o, de julgamento, mas de percep��o. O que eu enxergava como minha realidade cotidiana era para ele apenas um v�u de banalidade astuciosamente urdido por mim para encobrir a “verdadeira” natureza da minha conviv�ncia com meus alunos, que seria a de iniciador e iniciandos, gr�o-mestre e ne�fitos no seio de uma organiza��o secreta de tipo gn�stico.

��������� Ele via realmente as coisas assim, e n�o havia o m�nimo fingimento na sua maneira de express�-lo. O sr. Fedeli � um difamador, sim, mas n�o por premedita��o: � um difamador espont�neo, � um difamador compulsivo e sem qualquer segunda inten��o.

��������� O mais estranho era que, jamais tendo me visto de perto, jamais tendo freq�entado meus cursos e muito menos minha casa, e sabendo, em suma, muito pouco da minha vida, ele se permitia pintar em imagina��o todo um quadro dela – com tintas sombrias e misteriosas, � claro – e n�o s� acreditar piamente no que inventava mas tamb�m expor sua fic��o em p�blico e defend�-la num tom de quem tivesse a certeza absoluta do que dizia.

��������� � verdade que ele pr�prio reconhecia haver, no quadro, uns detalhes faltantes. Meu aprendizado com Frithof Schuon, o epis�dio Idries Shah e a premia��o do meu livro O Profeta da Paz na Ar�bia Saudita, em especial, lhe pareciam especialmente enigm�ticos. J� contei dezenas de vezes essas hist�rias a meus alunos e t�-las-ia contado ao sr. Fedeli, com todo o prazer, se ele me fizesse uma visita e colocasse as perguntas educadamente. Mas ele preferiu conjeturar as respostas � dist�ncia e, n�o encontrando nenhuma, resolveu transformar as perguntas em suspeitas e as suspeitas em acusa��es p�blicas, despejando-as sobre mim aos borbot�es, umas atr�s das outras, num tom inconfundivel de interrogat�rio policial, de modo a dar ao p�blico a impress�o de que eu estivesse escondendo alguma coisa. Era uma sucess�o de cobran�as estapaf�rdias e insolentes, formuladas desde o alto da convic��o inabal�vel de que, ante a autoridade implac�vel de Orlando Fedeli, mesmo o r�u mais obstinado acabaria por ceder e confessar o crime.

��������� Eu olhava tudo aquilo, estupefato. O homem estava mesmo doidinho.

��������� Um detalhe que me chamou especialmente a aten��o foi a altern�ncia hist�rica de �nfases contr�rias em torno de um mesmo ponto. Num momento, ele buscava me pintar com as cores de disc�pulo e agente da tar�qat de F. Schuon. Como eu respondesse que n�o isso, ele imediatamante tirava a conclus�o de que eu estava “renegando o mestre” ou tentando “me limpar”, como se qualquer contato com Schuon fosse motivo de vergonha. Nem de longe lhe passava pela cabe�a que entre o discipulado devoto e a abjura��o odienta h� mil uma grada��es intermedi�rias, nas quais um homem normal geralmente de det�m sem chegar aos dois extremos que, para uma alma como a de Orlando Fedeli, s�o as �nicas alternativas conceb�veis. Pois se mesmo ao sair do Partido Comunista n�o� me tornei do dia para a noite seu inimigo, mas tomei mais de uma d�cada para examinar o assunto com toda a serenidade, por que n�o deveria usar da mesma prud�ncia ao julgar os ensinamentos de Schuon? Mas, para um fan�tico como o sr. Fedeli, todos temos de ser fan�ticos: se n�o somos fan�ticos em favor dele, somos fan�ticos contra. Logo, das duas uma: ou eu era fiel disc�pulo de Schuon, ou me envergonhava de t�-lo sido. Como poderia eu explicar ao maluco que n�o se tratava nem de uma coisa nem de outra? E ademais: para que me explicar a um idiota insolente?

��������� Suas perguntas simplesmente n�o podiam ser respondidas, porque j� vinham sempre com preconceitos embutidos e respostas induzidas.

��������� Na verdade, o molde infamante que ele tentava projetar sobre os epis�dios de minha vida que n�o lhe fossem conhecidos era puramente projetivo. Como ele pr�prio, Orlando Fedeli, oculta e distorce epis�dios da sua vida para que ningu�m o veja como realmente �, compreende-se que imagine que os outros fazem o mesmo, que todo mundo tenha sujeiras, como ele, para varrer para baixo do tapete.

��������� � p�blico e not�rio – e foi publicado no livro de Giulio Folena, Escravos do Profeta, que o sr. Fedeli nunca impugnou judicialmente – que o atual guru da Associa��o Montfort foi membro da TFP, que ali disputou a lideran�a com o Dr. Pl�nio Correia de Oliveira e, derrotado, saiu falando horrores do guru e fundou uma TFP do B.

��������� N�o � um curriculum dos mais edificantes. Que rem�dio, portanto, sen�o neg�-lo?

��������� “N�o sou ‘dissidente da TFP; sou seu denunciador e acusador”, proclama ele na sua pol�mica com D. Est�v�o Bittencourt. Ora, se um membro de uma organiza��o sai dela atirando e funda uma organiza��o concorrente, que raio de coisa � ele sen�o um dissidente?

��������� Fui do grupo de Catolicismo – prossegue ele -- , e quando descobri que por tr�s da TFP havia uma seita secreta com id�ias absurdas e cultos delirantes, denunciei a seita a que nunca pertenci, gra�as a Deus... Sua maneira de me apresentar -- mutatis mutandis, isto �, levando em conta as imensas e evidentes diferen�as - � injusta como a de algu�m que se referisse a Santo Agostinho, para diminu�-lo, como "dissidente do manique�smo". Ele denunciou, condenou e refutou o manique�smo; n�o foi "dissidente" dele.

��������� Bem, o mutatis mutandis est� a� somente pro forma, pois as diferen�as entre o caso de Agostinho e o de Fedeli n�o s�o s� de tamanho, mas de ess�ncia. Agostinho n�o somente se afastou do manique�smo mas tornou-se expositor e ap�stolo de uma doutrina infinitamente superior, ao passo que Fedeli nunca rejeitou a doutrina expl�cita da TFP e sim apenas a “seita secreta” que existiria por tr�s dela. Agostinho rejeitou o manique�smo enquanto tal, n�o um manique�smo secreto por tr�s dele, enquanto o sr. Fedeli s� rejeitou a TFP enquanto organiza��o, n�o enquanto doutrina. Seu dualismo radical, que op�e o catolicismo a todas as demais doutrinas religiosas e at� filos�ficas como filhas diretas da Serpente do Para�so, � puro Pl�nio Correia de Oliveira. (11) Agostinho superou o manique�smo e tornou-se seu aut�ntico e poderoso advers�rio. O sr. Fedeli nunca foi advers�rio da TFP: � apenas seu concorrente. Vende doutrina similar, com outra marca.

Mas, novamente, n�o creio que o sr. Fedeli esteja mentindo de prop�sito. Ele simplesmente se engana quanto � sua pr�pria vida e, por extens�o, quanto � vida alheia: se sua biografia tem um cap�tulo que conv�m varrer para baixo do tapete, da� ele conclui que a minha tamb�m deve ter. Se a dele tem uma hist�ria de abujura��o de guru, a minha tamb�m deve ter. Tudo isso � t�o obviamente projetivo, que nada mais h� a dizer a respeito. Da minha parte, nem me entreguei ao guiamento de Schuon com a paix�o devota com que o sr. Fedeli se entregou ao Dr. Pl�nio, nem abjurei do mestre com o �dio retroativo que o sr. Fedeli sente pelo dele. Segui simplesmente o conselho do Ap�stolo: “Experimentai de tudo, e ficai com o que � bom”, e, sem pressa de aplaudir ou condenar, vou examinando as coisas que aprendi com Schuon, conservando umas, descartando outras, como ali�s, suponho, � o que qualquer homem normal deve fazer em tais circunst�ncias.

O deslocamento de perspectiva que pode transfigurar isso na proje��o escabrosa de uma auto-imagem feita de lealdades abjuradas e �dios vingativos, embora seja em si uma distor��o psic�tica, tamb�m n�o deve ser atribu�do estritamente a alguma patologia pessoal do sr. Fedeli, visto que essa patologia � compartilhada ao menos pelo mais combativo dos seus pe�es, Felipe Coelho, e provavelmente por outros militantes do seu grupo. A hip�tese de uma psicose grupal me parece muito mais vi�vel, por ser uma patologia quase infalivelmente presente em grupos religiosos min�sculos e isolados, que se sentem cercados por um mundo mau. Ora, o grupo do sr. Fedeli n�o apenas � microscopicamente minorit�rio na sociedade em geral, mas ainda � um dos grupos mais isolados e rejeitados no �mbito da pr�pria religi�o que alega defender, estando colocado, ao mesmo tempo, contra a autoridade dos decretos conciliares e contra todos os outros grupos tradicionalistas e minorit�rios, como a TFP e a Sociedade de S�o Pio X (lefevriana), que o t�m na conta de um punhado de sociopatas e malfeitores. Se, nessas condi��es, pretendesse ser apenas um c�rculo de elite, cultivador de conhecimentos de pouco interesse para a massa popular, o isolamento talvez n�o lhe pesasse. Mas o grupo do sr. Fedeli � uma entidade de proselitismo religioso, voltada para a convers�o das multid�es, cuja absoluta indiferen�a �s suas prega��es exige dos militantes uma obstina��o quase sobre-humana, da qual s� os santos e os loucos s�o capazes, com a ressalva de que em geral os santos a cultivam na solid�o e os loucos em grupo.

��������� Somando-se � angustiante despropor��o entre sua audi�ncia ideal e sua audi�ncia real, o isolamento dos montfortianos � ainda agravado pelo fato de que sua ambi��o vai muito al�m da convers�o da esp�cie humana: ela sonha com a restaura��o de um poder temporal do clero, com o advento de um Imperium global capaz de erradicar do mundo a liberdade religiosa e impor o catolicismo a todo o globo terrestre, a ferro e fogo – ambi��o que vai infinitamente al�m das pretens�es atuais do papado mesmo.

��������� A tens�o inevit�vel entre a amplitude desmesurada do sonho de poder e a m�ngua de interesse do meio circundante � o caldo de cultura ideal para a prolifera��o da psicose grupal.

��������� Eis os motivos pelos quais n�o posso satisfazer � demanda de Fedelis e Coelhos por uma resposta pari passu �s suas acusa��es. Est� acima da minha capacidade fazer ver a essas pessoas que seus argumentos n�o podem ser rebatidos ou confirmados no plano racional porque neles o ac�mulo de distor��es sem�nticas, de confus�es de planos, de falsas interpreta��es e de simples erros de racioc�nio � de tal monta, que requereria, para recolocarem-se as coisas em seus lugares, um livro mais ou menos do tamanho daquele que consagrei a Jos� Am�rico Motta Pessanha, pois o que havia de errado neste, como neles, n�o eram simples id�ias isoladas, mas uma percep��o falsa de toda a realidade. Erros l�gicos podem ser impugnados, vigarices podem ser denunciadas. Mas uma psicose n�o se impugna nem se denuncia: uma psicose analisa-se e trata-se, quando se t�m o interesse e os meios de faz�-lo. Ambas essas condi��es me faltam por completo. Limito-me, pois, a diagnosticar o caso em linhas gerais, dando gra�as aos c�us de que an�lise e tratamento de um quadro t�o complexo e espinhoso n�o estejam sob a minha responsabilidade.

06/08/01

 

Notas

 

(1)    Debate de Orlando Fedeli com D. Estev�o Bittencourt, em http://www.montfort.org.

(2)    “Elementos messi�nicos na seita ismaelita de Alamut”, id.

(3)    “Gnose: a religi�o oculta da Hist�ria”, id.

(4)    Id., ibid.

(5)    O texto ser� reproduzido em breve nesta homepage.

(6)    Terceira mensagem de Felipe Coelho, em http://www.montfort.org.

(7)    Id.

(8)    Id.

(9)    Flo Conway & Jim Siegelman, Snapping: America’s Epidemic of Sudden Personality Changes, New York, Lippincott, 1982.

(10) Frontisp�cio de http://www.montfort.org.

(11) No seu �ltimo escrito, ele procura dar retroativamente uma interpreta��o pliniesca � doutrina agostiniana das duas cidades. Mas, evidentemente, essa doutrina tem um sentido quando expressa no s�culo V, com os dados civilizacionais de que Agostinho dispunha, outro no s�culo XXI, com a massa de informa��es hoje dispon�vel sobre todas as religi�es e tradi��es. Tudo o que Agostinho, no seu contexto limitado, visse fora da Igreja Cat�lica, podia ser sem grave contradi��o atribu�do � obra do dem�nio, mas como fazer o mesmo, hoje, com tudo o que sabemos do hindu�smo e do budismo, do Islam e mesmo de algumas religi�es ind�genas, cuja riqueza espiritual s� n�o � vis�vel ao sr. Fedeli e que o o Conc�lio explicitamente reconhecem? A doutrina de Agostinho, atualizada para o estado presente da pesquisa hist�rica, ficaria certamente bem diferente da forma que, por mera amplia��o mec�nica, lhe deu o sr. Fedeli.