F�, ci�ncia e ideologia: o fundo da quest�o Fedeli Olavo de Carvalho
��������� Nos meus escritos, os termos gnose, gnosticismo e heresia gn�stica designam em geral (e guardadas as exce��es devidas a eventual neglig�ncia) tr�s fen�menos distintos: ��������� Gnose � O conhecimento espiritual em sentido gen�rico. ��������� Gnosticismo � O fen�meno descrito por Eric Voegelin, que assinala uma continuidade entre as heresias gn�sticas dos primeiros s�culos da Era crist� e os modernos movimentos ideol�gicos de massa. ��������� Heresia gn�stica � As seitas gn�sticas dos primeiros s�culos do cristianismo. ��������� J� o sr. Orlando Fedeli usa os tr�s termos para designar um s� e mesmo fen�meno. As heresias dos primeiros s�culos, o hinduismo, o budismo, o juda�smo, o islamismo e as ideologias modernas � tudo, para ele, s�o partes ou aspectos de uma mesma entidade, bra�os de um mesmo monstro: a Gnose, gnosticismo ou heresia gn�stica, religi�o do diabo. ��������� Para legitimar esse uso do termo, ele usa da defini��o geral de gnose aceita por alguns estudiosos, mas dando-lhe uma aplica��o que vai muito al�m do que qualquer deles jamais admitiu e que implica dar foros de verdade cient�fica � hip�tese de uma universal conspira��o gn�stica contra a Igreja Cat�lica, reunindo budistas, comunistas, mu�ulmanos, judeus, hindu�stas, nazistas, gn�sticos no sentido antigo e, evidentemente, eu. ��������� Nem Hans Jonas, nem H.-C. Puech, nem Hans Urs von Balthasar, nem Voegelin, nem qualquer outro estudioso, por mais ampla que fosse sua defini��o de gnose, jamais a usou para sustentar essa hip�tese, a qual ali�s nem sequer mencionam porque, mais que � hist�ria, ela pertence ao dom�nio da psicopatologia. ��������� � o sr. Fedeli que faz dela esse uso, fingindo escorar-se na autoridade desses eruditos. Mais ainda: fingindo que semelhante uso � universal, consensual e indisputado. ��������� A origem da doutrina fedeliana da gnose, com efeito, n�o est� em nenhuma dessas fontes, mas numa outra, bem pouco acad�mica: est� na teoria da Revolu��o e Contra-Revolu��o do dr. Pl�nio Corr�a de Oliveira, segundo a qual s� h� duas correntes hist�ricas no mundo, a revolucion�ria e a cat�lica. Esta abrange os que interpretam o catolicismo no sentido estrito da TFP; aquela, todos os demais seres humanos, descontados os inocentes �teis e in�teis. Absorvendo a teoria ao mesmo tempo que renegava o autor -- com quem competira em v�o pela lideran�a da TFP --, o sr. Fedeli simplesmente trocou o termo �revolucion�rio� por �gn�stico�, mas nada acrescentou de substancial � concep��o de seu primeiro mestre e posterior b�te noire. ��������� A �nica diferen�a � que o dr. Pl�nio, um aristocrata de temperamento, n�o desceria a bravatas pueris na defesa da sua teoria, por mais absurda que fosse; ao passo que o sr. Fedeli, que tudo quanto sonhava na vida era ser o dr. Pl�nio quando crescesse, infelizmente n�o cresceu. ��������� No conte�do, a id�ia de ambos � a mesma. ��������� A hip�tese a� contida � t�o ampla, que ela n�o pode ser provada nem impugnada no prazo de uma vida humana ou de infinitas vidas humanas. Cientificamente, ela � por isso mesmo inaceit�vel. Fatos inumer�veis n�o lhe dar�o consist�ncia, refuta��es sem fim n�o a far�o recuar. Ela � uma escolha, um ato de f�, que o sr. Fedeli, abusivamente, procura confundir e identificar com a pr�pria f� cat�lica, de modo a poder condenar como her�tico quem quer que, na sua divis�o dualista do mundo, n�o cerre fileiras com ele -- ou com o fantasma do dr. Pl�nio -- no seu combate contra tudo o mais. Isto implica, naturalmente, estender sobre todos os �gn�sticos�, no sentido ampl�ssimo do termo, a acusa��o de heresia que a Igreja fez pesar sobre os gn�sticos dos primeiros s�culos. Mas isto j� n�o � teoria: � loucura. ��������� O sr. Fedeli tem todo o direito de defender sua id�ia, mas nem mesmo a alega��o de insanidade lhe dar� o direito de sugerir ou insinuar que ela corresponda a alguma cl�usula do dogma cat�lico tal como definido pelos Papas e Conc�lios. Nenhum Papa ou Conc�lio subscreveu jamais essa doutrina. Nenhum jamais afirmou a identidade substancial de todas as espiritualidades n�o-crist�s com a heresia dos primeiros s�culos, identidade que, para o sr. Fedeli, � a verdade das verdades. ��������� Abusando das fontes cient�ficas que cita, abusando da f� cat�lica em cujo nome acusa e condena, o sr. Fedeli n�o faz sen�o impingir a seus disc�pulos um catolicismo de sua pr�pria inven��o � dele ou do dr. Pl�nio Corr�a de Oliveira.�������� ��������� N�o correspondendo, no conte�do, � doutrina da Igreja, nem na forma �quilo que se entende por teoria cient�fica, a doutrina dualista da Revolu��o e Contra-Revolu��o, seja na sua vers�o origin�ria, seja na sua adapta��o fed�lica, n�o � nem religi�o nem ci�ncia: � ideologia, no sentido estrito do termo. ��������� Da� o atrativo que exerce sobre jovens que buscam, n�o o conhecimento, nem a purga��o de seus pecados, mas uma causa � uma causa em nome da qual possam, sem o m�nimo abalo de sua boa consci�ncia, mentir e pecar. ��������� Avaliado pelos crit�rios dessa ideologia, devo ser efetivamente um gn�stico e um her�tico, mas n�o vejo que import�ncia possa ter isso desde o ponto de vista de uma Igreja e de uma ci�ncia que ignoram solenemente o sr. Fedeli, o dr. Pl�nio e as id�ias de ambos. ��������� Todos os esfor�os que Fedelis e fedelhos fa�am para provar a acusa��o que me imputam s�o ali�s desnecess�rios e redundantes, visto que ela j� est� provada ex hypothesi nos termos mesmos que a enunciam, sendo �gn�sticos� por defini��o todos os que, rejeitando o dualismo absoluto de Revolu��o e Contra-Revolu��o, n�o se alinhem resolutamente com esta �ltima no sentido em que a entende o sr. Orlando Fedeli � coisa que, de fato, n�o posso fazer. ��������� Custei um pouco a entender isso, pois, partindo da cren�a espont�nea na normalidade de meus interlocutores, com total boa f�, n�o atinei sen�o aos poucos com a l�gica circular em que se baseava sua argumenta��o, irrefut�vel porque psic�tica. ��������� E n�o pensem que com isso eu esteja proferindo um insulto. Atenho-me ao terreno cient�fico, reconhecendo com estrita objetividade, no argumento fed�lico, aquela estrutura circular, fechada e autoprobante que, segundo o cl�ssico estudo La Fausse Conscience, de Joseph Gabel (um judeu! que horror! um gn�stico!), � a marca inconfund�vel e comum do discurso ideol�gico e do discurso psic�tico. ��������� Assim, n�o vejo por que prosseguir esta discuss�o. Contento-me em n�o ser um gn�stico na acep��o tradicional e voegeliniana do termo. Se o sou ou n�o no sentido especial que a coisa tem no mundinho fechado da seita montfortiana, � um problema com o qual o sr. Fedeli e seus meninos, que j� perderam por mim tantas noites de sono, podem perder todas as que lhes restem. Isso n�o ser� jamais da minha conta. 18/07/2001
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