Folha de S.Paulo, 24
de setembro de 2006
LIVROS
Polemista relança "O Imbecil Coletivo", ataca
intelectuais paulistas e culpa EUA pela
"proliferação de tipinhos como Lula'
Para autor, quem ainda tem fibra para ser conservador
está fora da política, seja por falta de
vocação, seja por uma questão de
higiene
"USP é templo de vigarice", diz Olavo
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Reunião de textos do jornalista, filósofo e polemista
Olavo de Carvalho, "O Imbecil Coletivo" está sendo
relançado. É o primeiro de um conjunto de três
volumes que o autor pretende editar. O livro, que completa dez anos,
ataca o pensamento de esquerda que seria hegemônico no meio
cultural do país e, sem torneios, sustenta argumentos
conservadores ou de direita. Desde 2005, Olavo mora nos EUA, em
Richmond, perto de Washington. Nesta entrevista, feita por e-mail,
ele dispara contra intelectuais da USP, considera que os tucanos
são responsáveis pela ascensão do petismo e diz
que também existe um imbecil coletivo direitista.
FOLHA - Como o sr. avalia o discurso de alguns intelectuais
históricos do PT, como a filósofa Marilena Chaui,
que procura relativizar a questão ética na
política? O mesmo tema, de certa forma, havia sido
proposto pelo filósofo tucano José Arthur
Giannotti.
OLAVO DE CARVALHO -
Quando essa gangue uspiana começou a "campanha pela
ética na política", uma década e meia
atrás, já anunciei que era tudo uma
empulhação destinada a entregar o poder total à
esquerda, usando e prostituindo a indignação moral do
povo com os miúdos corruptos da época para encobrir a
montagem da maior máquina de corrupção de todos
os tempos.
Os tucanos estão hoje com choradeira, mas eles são
amplamente culpados pela ascensão do petismo, do qual foram
cúmplices na "estratégia das tesouras" calculada para
suprimir da política todas as demais correntes e dividir o
bolo entre os dois partidos nascidos da USP. O que quer que venha da
boca de Chauis e Giannottis é sempre camuflagem, pose,
hipocrisia. Essa gente já deveria estar embalsamada faz muito
tempo em alguma espécie de IML intelectual. Cansei de ouvir
besteira. "Intelectual de esquerda", seja tucano, petista ou
qualquer outra porcaria, tem para mim a confiabilidade de uma nota
de R$ 32.
A USP sempre foi o templo da vigarice intelectual, e o sujeito que
começa com safadeza no campo das idéias acaba sempre
inventando algum mensalão para se remunerar do esforço
de embrulhar a platéia. Os tucanos ainda podem se redimir do
mal que fizeram. A carta de 7 de setembro do ex-presidente Fernando
Henrique é um bom começo, mas é preciso um
arrependimento mais fundo e uma tomada de posição mais
clara.
Não adianta querer um "choque de capitalismo" quando ao mesmo
tempo se cortejam "movimentos sociais" cujos programas
"politicamente corretos" exigem sempre maior controle estatal da
sociedade. Um capitalismo assim acaba virando capitalismo
chinês.
FOLHA - O governo Lula é de direita ou de esquerda?
Quais são no seu entender os traços que
distinguem, hoje, esquerda e direita?
CARVALHO -
Esquerda é toda corrente que legitima suas pretensões
ambiciosas em nome de um futuro hipotético. Direita é
quem legitima promessas modestas com base na experiência
passada. No Brasil, só quem tem alguma experiência
bem-sucedida para ensinar são os remanescentes do governo
Médici que fizeram o país crescer 15% ao ano.
Estão todos nonagenários ou irrevogavelmente
falecidos. Como ninguém absorveu sua lição,
não há mais direita no Brasil. Há apenas
diferentes graus de esquerdismo, desde o histerismo fanfarrão
do PSOL até as afetações oportunistas de
políticos ideologicamente inócuos que acham bonito
posar de politicamente corretos, como esse ridículo
governador de São Paulo. Direita, conservadorismo
genuíno, é a síntese inseparável dos
seguintes elementos: liberdade de mercado, valores
judaico-cristãos, cultura clássica, democracia
parlamentar e império das leis. O resto é comunismo,
fascismo, nazismo, anarquismo, tecnocracia, "socialismo light", o
museu inteiro do besteirol político.
No Brasil, quem ainda tem fibra para ser conservador está
fora da política, seja por falta de vocação,
seja por uma questão de higiene. O Brasil ainda tem alguns
bons líderes empresariais e estudiosos de campos diversos, e
acho um sacrifício admirável, mas inútil, que
homens bons larguem suas ocupações produtivas para
arriscar a sorte numa política eleitoral que virou uma
disputa interna no galinheiro esquerdista -cada galinha, é
claro, chamando as outras daquilo que no seu entender é a
pior das ofensas: "Direitistas!"
FOLHA - O pensamento de direita ganha fôlego no mundo
contemporâneo. Nesse contexto, podemos falar na
emergência de um imbecil coletivo de direita?
CARVALHO -
Sem a menor sombra de dúvida. O triunfalismo capitalista
subseqüente à queda da URSS produziu bibliotecas
inteiras de utopismo tecnocrático-financeiro globalista que o
11 de Setembro reduziu a pó, mas do qual muitos
cérebros de fantasmas ainda se alimentam nos EUA. A marca
inconfundível do imbecil coletivo direitista é a
negação de que existam direita e esquerda. O
típico doutrinário dessa corrente se coloca numa torre
de marfim supra-ideológica, de onde acredita que pode
resolver tudo na base da grana. A impotência sempre gera o
delírio de onipotência. Praticamente toda a
política externa americana da última década e
meia se baseou nessa estupidez, e o resultado dela é a
proliferação de tipinhos como Lula, Chávez,
Morales e "tutti quanti".
FOLHA - Como o sr. avalia a declaração do papa
sobre o Islã e as reações
contrárias? O sr. crê em algo como "choque de
civilizações?"
CARVALHO -
Dizem que há um conflito entre o Islã e o Ocidente.
Mas qual Ocidente? O Ocidente religioso, judaico-cristão, ou
o Ocidente revolucionário, ateu, materialista? Este
último está obviamente do lado dos terroristas, e
é ele mesmo quem alardeia o slogan do "conflito de
civilizações" para camuflar a guerra de vida e morte
que, por meios diversos e aparentemente inconexos, se move contra os
judeus e os cristãos no Islã, nos países
comunistas e no próprio Ocidente capitalista.
O número de cristãos inocentes e desarmados que
vêm sendo assassinados no Sudão, no Vietnã, na
Coréia do Norte e na China é cem vezes maior do que a
quantidade de vítimas civis da Guerra do Iraque, e a
mídia chique inteira, incluindo este jornal, não diz
uma palavra contra isso. Nem noticia. Ao mesmo tempo, leis
draconianas para suprimir a liberdade de expressão religiosa
são adotadas na Europa e nos EUA, mas jamais aplicadas aos
muçulmanos locais. É esse o "Ocidente" que se pretende
defender contra o Islã? Tudo isso é de uma falsidade
monstruosa. Não há uma guerra de
civilizações, mas duas guerras superpostas, uma do
Islã contra o globalismo ocidental, outra de ambos (e da
esquerda internacional) contra a civilização
judaico-cristã.
FOLHA - E quanto ao papa?
CARVALHO -
O discurso em Regensburg, não foi sobre o Islã. Este
foi mencionado como gancho para a questão central, que era a
necessidade de uma teologia racional, já mil vezes reiterada
pela Igreja. As afirmações do imperador Manuel
2º, o Paleólogo, citadas no discurso foram três:
1) O Islã adotou a violência como método
legítimo de conversão. 2) Essa foi a única
novidade religiosa trazida pelo Islã. 3) Converter por meio
da violência é errado: a conversão deve-se
alcançar por meio da persuasão racional.
A terceira afirmativa é analisada extensamente no restante do
discurso. As duas primeiras foram citadas de passagem só para
mostrar o contexto histórico da discussão e em seguida
deixadas de lado. Ao concentrar seus ataques numa delas, os
críticos muçulmanos e os não-muçulmanos
anticristãos mostraram incapacidade ou falta de
disposição de distinguir entre a menção
casual à fala de um terceiro e a opinião formalmente
expressa do orador. São burros, desonestos ou ambas as
coisas.
Mas o papa também não foi muito hábil nas
explicações que deu para acalmar os nervosinhos. Ao
dizer que a citação de Manuel 2º não
expressa sua opinião pessoal, ele deixou uma perigosa
ambigüidade no ar, pois as três asserções
formais contidas nessa citação são totalmente
independentes entre si, e não é possível que
Bento 16 concorde ou discorde das três uniformemente.
A primeira é simples expressão de um fato
universalmente reconhecido, e o papa, mesmo que não estivesse
interessado em tomá-la como tema do seu discurso, como de
fato não tomou, não poderia discordar dela de maneira
alguma.
A segunda, na mesma medida, é totalmente falsa. O Islã
trouxe uma infinidade de inovações, entre as quais a
mais espetacular de todas é ser o primeiro e único
direito penal religioso destinado a aplicar-se à humanidade
inteira e não só a uma nação em
particular. Isso constitui a diferença específica do
Islã, e sem isso a sua pretensão de ser uma
revelação nova e autônoma perderia o seu
argumento mais forte.
A terceira é o simples resumo de uma doutrina tradicional da
Igreja, e o papa não poderia discordar dela. Em suma, Bento
16 só pode e aliás deve estar em discordância
com Manuel 2º quanto à segunda afirmação,
um erro histórico perdoável na Idade Média, mas
que hoje em dia seria intolerável mesmo num estudante. O
único ponto do discurso papal que poderia ferir a honra dos
muçulmanos é um erro que o orador não endossou
nem poderia ter endossado, sendo o erudito que é.
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