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Aviso de Alberto Dines

&

Considera��es sobre a universidade

1. Ap�s recalcitrar um pouco, no aguardo de provas que lhe enviei em seguida, o jornalista Alberto Dines me avisou por e-mail, ontem, estar persuadido de que não fui o autor dos ataques contra ele, e prometeu publicar isso na pr�xima edi��o do Observat�rio da Imprensa, ter�a-feira que vem, cancelando portanto as refer�ncias ofensivas que fez � minha pessoa.

Para documentar o que se passou realmente por ocasi�o da querela entre a UniverCidade e o prof. Gianotti, enviei a Alberto Dines e publico logo abaixo o ensaio, infelizmente incompleto, �Crise da universidade ou eclipse da consciência?�, que foi a minha resposta a Gianotti, publicada parcialmente na revista Livro Aberto, de S�o Paulo. Essa resposta, assinada, era de teor bem diverso daquela que logo a seguir saiu no Jornal do Brasil e que terminou por desencadear o conflito entre a UniverCidade e Alberto Dines. Não fui, não sou nem serei nunca o ghost writer de ningu�m.

2. Como se depreender� da leitura desse ensaio, minha posi��o no debate universidade p�blica versus universidade privada não coincide plenamente nem com� a da UniverCidade nem com a da comiss�o Gianotti, endossada por Alberto Dines.

No meu entender, embora haja lugar tanto para a universidade empresa quanto para a universidade reparti��o p�blica, nenhuma dessas duas f�rmulas atende satisfatoriamente ao objetivo essencial da id�ia de universidade, que � a prepara��o da elite intelectual. A primeira � orientada para o mercado de trabalho, a segunda para um conceito gramsciano, vil e oportunista, de �elite intelectual� compreendida como o novo �Pr�ncipe� de Maquiavel, sinistro planejador de tram�ias revolucion�rias. Dito de outro modo, a primeira faz empregados, a segunda militantes. Nenhuma das duas pode produzir o tipo de cientista e erudito acad�mico que o pa�s necessita para se afirmar como pot�ncia cultural � o primeiro passo (e não o �ltimo, como o concebe a miser�vel imagina��o uspiana) da constru��o de uma aut�ntica soberania nacional.

A f�rmula que tenho em vista, e que nunca cheguei a expor satisfatoriamente por escrito, mas s� oralmente nas minhas aulas, d� o marco orientador das atividades do Semin�rio de Filosofia, que concebi como um laborat�rio com a ambi��o de a� produzir a semente, ao menos te�rica, dessa futura universidade essencial, que provavelmente permanecer� no reino das id�ias, não havendo no momento as condi��es sociais que permitam realiz�-la. Entre essas condi��es, a primeira � a exist�ncia de uma elite econ�mica e pol�tica consciente da verdadeira fun��o da cultura superior � isto �, de uma elite que seja precisamente o contr�rio daquela que temos no Brasil.

Sobre o mesmo tema, pe�o tamb�m a aten��o do leitor para o artigo �De volta � Academia�, que ser� publicado proximamente no Jornal da Tarde de S�o Paulo.

Olavo de Carvalho

30/6/01

Crise da universidade ou eclipse da consciência?

Olavo de Carvalho

PARTE I

�������� Não � nada mau que um diagn�stico, por superficial que seja, do estado de coisas na universidade brasileira venha precedido, a t�tulo de aquecimento, por um breve retrospecto da id�ia de universidade em sua evolu��o hist�rica.

�������� E a primeira coisa que, nesse retrospecto, salta aos olhos, � a seguinte: quem busque retra�ar, ao longo dos registros da hist�ria, o desenho das rela��es entre universidade e cultura superior, descobre que não apenas inexiste qualquer identidade entre esses dois termos, mas que sua oposi��o dial�tica � uma das principais alavancas do progresso cultural no Ocidente.

�������� Poder universit�rio e vigor cultural s�o p�los que ora se atraem, ora se repelem, mas jamais chegam a identificar-se por completo.

�������� Para come�o de conversa, as universidades não surgem como institui��es oficiais, mas como clubes de aficionados, que, movidos pelo puro anseio de conhecimento, se cotizavam e mandavam vir os melhores professores de onde estivessem.

�������� O entusiasmo dessa �poca pelo estudo e pela ciência � hoje coisa t�o dif�cil de imaginar, que buscamos explic�-lo por motiva��es secund�rias e acidentais de ordem utilit�ria e pol�tica. Dizemos, por exemplo, que as universidades �se destinavam� a formar funcion�rios, a produzir a legitima��o ideol�gica do status quo, etc. etc. [1] Deformamos a perspectiva, projetando sobre homens bem diferentes a hierarquia de prioridades de nossos contempor�neos.

�������� As prioridades t�picas da nossa �poca, pelas quais os homens matam, morrem e � o que �s vezes � pior � escrevem, s�o no fundo duas e apenas duas: a efic�cia do aparato tecno-econ�mico, a divis�o do poder pol�tico. Quase tudo o que fazemos, pensamos e dizemos em p�blico tem uma destas duas finalidades: azeitar a m�quina da produtividade, alterar a constitui��o do Estado. Essa alternativa expressa o conflito entre a burguesia capitalista e a intelligentzia de classe m�dia, tantas vezes mais poderosa que ela; este conflito, por sua vez, se expressa na dupla concep��o da cultura como mercado e da cultura como milit�ncia, oposi��o que por fim vai gerar as duas id�ias de universidade que esgotam o repert�rio do que geralmente se diz a respeito nos debates nacionais: a universidade como formadora de m�o-de-obra especializada, a universidade como ber��rio de te�ricos e militantes da revolu��o. � fatal que os adeptos da primeira concep��o enfatizem a praticidade imediata, enquanto os da outra lhes op�em argumentos de natureza fingidamente �tica e ideal�stica, fundados no pressuposto absurdo de que a fome de poder pol�tico � coisa essencialmente mais nobre que o desejo de riquezas. A constela��o das id�ias em debate esgota-se em dois lindos sistemas de racionaliza��es pro domo sua, ambos baseados no princ�pio de que a universidade deve �servir� a alguma classe, e divergindo apenas quanto a quem deve levar o pr�mio: os senhores do capital ou a vanguarda autonomeada das �for�as populares�. Que ambas as classes em disputa devam, elas sim, servir a algo que as transcenda (e transcendendo unifique na busca do bem comum); e que este algo possa estar simbolizado precisamente na id�ia mesma de universidade, eis algo que escapa ao horizonte visual do debate universit�rio brasileiro; e esta limita��o, por sua vez, projeta-se retroativamente sobre quanto digam uns e outros da universidade de outros tempos.

�������� Mas a universidade medieval era cria��o nova e, como tal, fruto tenro da inventividade pessoal ainda não fixada na cristaliza��o entr�pica das id�ias no molde das ideologias de classe. Tudo o que � obra humana, afinal, nasce na intimidade de consci�ncias livres e generosas, para depois ser usurpado pelos porta-vozes de ambi��es coletivas que, por si, nada criam. E quando ex post facto um intelectual de aluguel vem explicar as cria��es pelo interesse de classe a que acabaram servindo � revelia, age como o ladr�o que fizesse de seu pr�prio interesse pessoal a raz�o e o prop�sito dos trabalhos de sua v�tima. Muito do que chamamos �ciência social� � pura racionaliza��o da mentira existencial de seus benefici�rios. Eles não podem compreender que algu�m sirva a prop�sito mais alto que o interesse deles ou de seus advers�rios. Eis por que não compreendem a universidade medieval.

�������� Para os homens do fim da Idade M�dia, o estudo era parte inerente da devo��o religiosa que absorvia suas almas num movimento para o alto. � t�o est�pido explicar a universidade medieval pela sua fun��o econ�mica, administrativa e pol�tica, quanto explicar o impulso religioso pelo desejo de subir na hierarquia eclesi�stica.

�������� A identidade da �cultura� e do �culto� remontava � �poca em que os limites entre o clero e o restante da sociedade eram fluidos. Data desse tempo a ambig�idade da palavra francesa clerc (ingl�s clerk), que designa ao mesmo tempo um sacerdote e um funcion�rio, um escrevente. Ap�s a dissolu��o do Imp�rio Romano, a Igreja acumulou as fun��es de guiamento religioso, ensino b�sico e administra��o civil informal. De um lado, s� os membros do clero sabiam ler e escrever; de outro, qualquer um que soubesse ler e escrever tinha automaticamente o estatuto de cl�rigo [2] . O clero inclu�a uma multid�o de sacerdotes virtuais, que exerciam todas as fun��es de padres, exceto a administra��o dos sacramentos. A paix�o da filologia, da conserva��o e decifra��o dos documentos antigos, foi ainda alimentada pelo profundo sentido de consciência hist�rica inerente � f� cat�lica, tal como j� aparece, por exemplo, em Sto. Agostinho e sua Cidade de Deus. S�o homens animados por esse esp�rito de devo��o intelectual que, a partir do s�culo XII, fundam as universidades.

�������� De in�cio, elas não t�m nenhuma fun��o sen�o facilitar o acesso dessas pessoas aos conhecimentos que desejavam. A massa de estudantes de todos os pa�ses que aflui aos primeiros centros universit�rios � designada como discere turba volens (�massa dos que querem aprender�).

�������� Mais caracter�stica ainda da mentalidade que inspirava esses primeiros universit�rios foi justamente a import�ncia central que, ap�s algumas resist�ncias iniciais de ordem eclesi�stica, veio a assumir na nova institui��o a doutrina aristot�lica, que celebrava a contempla��o, a vida teor�tica, como o mais alto estado humano, subordinando-lhe as atividades pr�ticas, pol�ticas inclusive [3] .�

�������� E se outra prova fosse preciso para demonstrar o infinito respeito que se tinha então pelo conhecimento como tal, independentememente de qualquer integra��o �til de seus resultados na pr�tica coletiva, basta notar o estatuto privilegiado que então se concedia ao estudante, e que importava, no fim das contas, em isent�-lo de quase todas as obriga��es civis para que pudesse ocupar-se t�o somente de seus estudos. Esse fato mostra-se ainda mais relevante na medida em que a maioria dos estudantes era constitu�da de estrangeiros, que findo o per�odo escolar iriam voltar para suas terras de origem e em nada poderiam beneficiar a sociedade local. Não obstante essa sua ostensiva �inutilidade� social � assim a chamar�amos hoje �, todo aluno estrangeiro tinha sempre a certeza de poder contar com a ajuda dos ricos cidad�os locais para custear seus estudos: o mecenato era geral e corriqueiro (como ainda hoje o �, por exemplo, na sociedade indiana para os estudantes de Vedanta das academias tradicionais), e não implicava a expectativa de nenhuma recompensa pr�tica.

�������� A universidade desse tempo �, por um lado, institui��o estritamente privada, com estatuto similar ao de uma corpora��o de estrangeiros. Os professores vivem das contribui��es de seus alunos e, em parte, da ajuda das dioceses. Nenhum governo local pensa, de in�cio, em subordinar a universidade a seus interesses e objetivos, nem consta ter algum governante olhado com revolta e esc�ndalo o crescimento do poder e da influ�ncia daquela massa turbulenta de mentalidade ferozmente independente e contestadora [4] . A condi��o privilegiada do estudante e do professor, mesmo pobres, mesmo estrangeiros, reflete uma sociedade onde o conhecimento ainda � tido como finalidade e valor em si mesmo, independentemente de seu uso em benef�cio de terceiros.

�������� Por outro lado, a no��o de universitas scientiarum, da universidade como detentora e transmissora do sistema total do saber, est� completamente ausente durante os tr�s primeiros s�culos, a contar da funda��o da Universidade de Bolonha, reconhecidamente a pioneira (1143). Essa pretens�o s� surgir� mais tarde, quando, com o aparecimento do Estado nacional absolutista, s�o fundadas as primeiras universidades estatais, j� com ambi��o totalit�ria, prenunciando a esclerose do g�nio acad�mico. No in�cio, no per�odo �ureo, �universidade� � apenas universitas magistrorum et scholiarum, �o conjunto dos professores e estudantes� � � o nome de uma corpora��o, não de uma teoria sist�mica [5] . E, em retribui��o talvez das aten��es maternais que a sociedade em torno lhe dedica, essa corpora��o tem uma concep��o muito modesta acerca da pr�pria autoridade intelectual. Ela não abarca todo o saber, nem d� a �ltima palavra quanto � verdade ou falsidade nas discuss�es correntes. Acima e em torno dela h� outras inst�ncias que sabem e opinam � a come�ar pela autoridade eclesi�stica que, detentora da tradi��o revelada, � reconhecida espontaneamente como guardi� de um fundo comum de cren�as e valores a que se recorre, em �ltima inst�ncia, para arbitrar as quest�es que o confronto dial�tico se veja impotente para resolver. H� tamb�m a palavra, não oficial mas poderosamente convincente, dos religiosos isolados, dos m�sticos, dos monges, que exercem, praticamente � margem de todo controle hier�rquico, uma influ�ncia direta sobre a opini�o p�blica. H� os poetas, os trovadores errantes, que de cidade em cidade v�o levando novas id�ias, novos sentimentos. H� os s�bios independentes,� muitos deles alquimistas, a ocupar-se de investiga��es nas quais s� com muita prud�ncia um universit�rio se arriscaria a opinar [6] . H� as corpora��es de of�cios, detentoras de conhecimentos espirituais, cient�ficos e t�cnicos que escapam ao dom�nio universit�rio. A universidade �, no meio de todas essas fontes de ensino, apenas a maior em n�mero de membros, mas não a mais poderosa ou importante. Nem mostra qualquer pretens�o de tornar-se tal.

�������� As rela��es entre a universidade e essas outras fontes exemplifica de maneira particularmente clara a concep��o tipicamente medieval de um equil�brio din�mico entre poderes m�ltiplos, concep��o que se perder� com o advento do absolutismo, para s� ressurgir nas democracias do s�culo XIX, mas agora apenas como um ideal e não como uma pr�tica real e cotidiana.

�������� A universidade não apenas não surgiu para atender a qualquer necessidade do establishment, como foi a interfer�ncia cada vez maior dos poderes externos que provocou, entre os s�culos XIV e XVII, as sucessivas mudan�as mais ou menos traum�ticas que afastaram o ambiente universit�rio do centro da vida intelectual.

�������� Essas crises manifestaram-se a partir do momento em que a popula��o universit�ria, crescendo muito, se revelou um dep�sito potencial de apoio pol�tico que passou a ser disputado entre a Igreja e os poderes civis: de um lado, o Sacro Imp�rio, de outro, os Estados nacionais nascentes. Esta disputa fez com que novas concep��es de ensino se implantassem de fora para dentro, de cima para baixo, sufocando a criatividade que tinha sua raiz na iniciativa espont�nea da discere turba volens � os homens desejosos de aprender.

�������� Se, por um lado, a autoridade eclesi�stica passou a exigir cada vez mais que o ensino se impusesse limites doutrinais que seriam mais pr�prios � pura catequese � o que mais tarde o grande te�logo John Henry Newman viria a excluir da defini��o mesma de universidade [7] �, por outro lado as novas monarquias não apenas fundaram universidades oficiais, de cuja dire��o a massa dos estudantes estava alijada quase que por hip�tese, mas tamb�m foram for�ando para fazer das j� existentes instrumentos para a express�o culta de valores e cren�as nacionais, at� o ponto em que se perdeu por completo um dos valores essenciais da id�ia original de universidade: o internacionalismo. Junto com ele perde-se tamb�m o sentido do conhecimento como finalidade, adotando-se em seu lugar o ponto de vista (hoje aceito como verdade de evangelho) de que a universidade deve �servir� a algum fim pr�tico: ao progresso social, � ind�stria, � identidade nacional, � manuten��o ou � altera��o do status quo, e mil e um outros interesses em disputa. A id�ia criadora fragmenta-se: terminou a era da universidade, come�a a hist�ria das universidades. A fragmenta��o vai mais longe ainda quando, com a Reforma protestante, as novas fac��es religiosas (logo imitadas pela Igreja velha) convocam as universidades para torn�-las guardi�s de suas respectivas ortodoxias.

�������� Não por coincid�ncia, a concep��o totalizante do sistema do saber, e da universidade como seu dep�sito privilegiado, aparece justamente nessa �poca. Sua aceita��o generalizada e quase autom�tica (ao ponto de o novo sentido da palavra universitas como universitas scientiarum acabar se sobrepondo ao antigo no vocabul�rio corrente das classes letradas) reflete de um s� golpe a queda e a ascens�o das universidades: a queda de sua capacidade criativa, a ascens�o, provavelmente compensat�ria, de suas ambi��es ao poder intelectual, ao guiamento ideol�gico de toda a sociedade. Tal como ensinam as antigas escrituras hindus, a perda do impulso ascensional (sattwa) � seguida de uma expans�o �horizontal� (rajas) que a compensa de maneira mais ou menos ilus�ria; ser� preciso aguardar o s�culo XX para que o movimento se complete, numa queda abissal (tamas) que transformar� as universidades em quart�is-generais de movimentos totalit�rios (fascismo, nazismo, comunismo, fundamentalismo). Veremos isto mais adiante.

�������� Mas, como se diz, Deus não fecha uma janela sem abrir uma porta. Ao mesmo tempo que as universidades se fecham num orgulhoso dogmatismo, surge, fora dela, uma nova intelectualidade capaz de renovar a ciência e o pensamento. Não por coincid�ncia, mas por uma esp�cie de efeito homeop�tico, ela nasce dentro da mesma aristocracia que fora respons�vel pela estatiza��o do ensino. � uma intelectualidade palaciana, constitu�da de servos da corte, de altos funcion�rios da burocracia, de nobres independentes fechados em seus castelos, como esse extraordin�rio seigneur du Perron, Ren� Descartes, militar aposentado que medita ousadamente sobre sua juventude perdida no dogmatismo universit�rio e, abdicando de toda a falsa ciência adquirida, decide recome�ar desde o �nico ponto de apoio capaz de subsistir � devasta��o da cultura: a consciência individual, que para existir basta pensar que existe. Id�ntico recuo desde a autoridade coletiva � consciência pr�pria realiza o juiz de instru��o e par do Reino, Francis Bacon, proclamando que tudo � preciso averiguar com os olhos da cara. Do mesmo modo, um pouco antes, o movimento do humanismo liter�rio, que puxa do esquecimento todo o legado liter�rio da antig�idade, nada deve �s universidades. S�mbolo da independ�ncia da nova intelectualidade human�stica, Petrarca recusa a c�tedra que lhe oferece em 1550 a rec�m-fundada universidade oficial de Floren�a. O maior de todos os pensadores no per�odo que vai do s�culo XIV ao XVIII, quase um novo Arist�teles � G. W. von Leibniz � passa a vida entre os diplomatas e as damas da corte, longe dos muros da severa institui��o. O mesmo vale para seu advers�rio, pensador superficial mas o mais poderoso divulgador de id�ias de todos os tempos: Voltaire. E, seja entre os humanistas, seja entre os fil�sofos, seja entre os investigadores de ci�ncias naturais, todos os que permanecem dentro da universidade enfrentam ali toda sorte de dificuldades, mostrando que os felizes tempos da liberdade acad�mica tinham acabado para sempre, ao passo que os progressos da ind�stria livreira criavam, para a nova intelectualidade independente, um vasto p�blico fora das academias. Por isso, os grandes debates que, sobretudo na passagem do s�culo XVII ao XVIII, mudam radicalmente a face intelectual do mundo s�o um acontecimento radicalmente extra-universit�rio [8] .

�������� Mas não existe, em hist�ria, homogeneidade de etapas. Enquanto isso se passava nos centros dominantes, um movimento inverso se desenvolvia num pa�s marginalizado, que s� muito recentemente conquistara os meios de fazer cultura superior na sua l�ngua nacional. A extraordin�ria revolu��o cultural que vai de Kant a Hegel, o chamado idealismo alem�o, � fen�meno essencialmente universit�rio e inconceb�vel fora das condi��es do trabalho acad�mico. Tamb�m não por coincid�ncia, mas por um nexo bastante plaus�vel, o que possibilitou esse avan�o foi precisamente o �atraso� em que as universidades alem�s se encontravam em rela��o a suas cong�neres da Fran�a e da It�lia. Ali conservavam-se muitos antigos usos e interesses medievais e, com eles, não apenas a velha liberdade acad�mica, mas uma flexibilidade que contrasta dramaticamente com a rigidez dogm�tica de per�odos posteriores que, não obstante, se acreditaram mais esclarecidos e progressistas. Ao anunciar seu curso sobre Filosofia da Mitologia, F.-W. von Schelling observa:

�������� �Esperais, talvez, não sem raz�o, que eu voz explique o t�tulo que dei a esta s�rie de li��es, e isto, sem d�vida, não por ser ele novo ou porque não se o tenha visto figurar sen�o recentemente nos programas de cursos universit�rios. Se, com efeito, se desejasse deduzir desta �ltima observa��o uma obje��o contra tal iniciativa, bastaria lembrar a louv�vel liberdade que reina nas nossas universidades, e que faz com que os professores não sejam obrigados a ater-se aos t�tulos das especialidades admitidas e consagradas, mas possam estender sua ciência a novos dom�nios que lhes estavam fechados, e introduzir assuntos at� então estranhos e abord�-los de uma maneira livremente escolhida, o que com freq��ncia resulta não somente em dar a esses assuntos um sentido mais elevado, mas em ampliar, de certo modo, a ciência mesma.� [9]

�������� Se examinarmos brevemente o repert�rio de assuntos então abordados na universidade alem�, veremos o qu�o relativas podem ser as no��es de �avan�o� e �retrocesso� em hist�ria: pois, se esse repert�rio inclu�a temas então considerados anacr�nicos e j� de havia muito retirados do curr�culo das universidades francesas, como discuss�es em torno da m�stica, da alquimia, da astrologia, do simbolismo natural, dos �princ�pios ocultos da natureza� (todos abordados, em seu tempo, por Sto. Tom�s de Aquino, Roger Bacon, S. Boaventura) e da interpreta��o de sonhos [10] , não � menos verdade que, depois de Henry Corbin, Edgar Morin, Mircea Eliade, Gilbert Durand e Antoine Faivre, esse tem�rio soa ousadamente �moderno�.

�������� Não � preciso dizer que, se Alemanha p�de conservar essa for�a herdada de um passado distante e fazer dela uma semente do futuro, foi precisamente porque sua constitui��o como na��o era incipiente, permanecendo como um am�lgama �medieval� de principados e ducados independentes enquanto no resto da Europa se perfilavam rigidamente os novos Estados nacionais, com suas obedientes universidades oficiais. Da� tamb�m o estatuto amb�guo do professor universit�rio alem�o na �poca, por um lado um dignit�rio habilitado a honras quase de ministro de Estado, por outro, �s vezes, um pobret�o dependente, como seus antepassados medievais, das mensalidades de parcos alunos [11] .

�������� O s�culo XIX trar�, por toda parte, a constitui��o formal e definitiva das universidades europ�ias como organismos oficiais, partes integrantes da burocracia estatal, submetidas a regulamentos bastante uniformes para instaurar, desde cima, um arremedo do antigo internacionalismo [12] .�������

�������� Num primeiro instante, a inje��o de dinheiro p�blico permite a instala��o de imensas bibliotecas e laborat�rios, o empreendimento de viagens de investiga��o que os eruditos j� não sonhavam desde o tempo em que Alexandre subsidiava Arist�teles, e tudo concorre para uma efervesc�ncia geral da qual resulta uma flora��o de id�ias, algumas realmente valiosas, outras infectadas de uma esp�cie de provincianismo temporal que se torna inevit�vel sempre que uma �poca, iludida por seus sucessos, encontra deleite em imaginar-se o auge e coroamento dos tempos [13] .

�������� Data da� a forma��o de uma esp�cie de �consenso cient�fico� dominante, que, do alto de sua autoridade acad�mica, julga implacavelmente as id�ias e os homens, separando os eleitos e os reprovados. [14]

�������� E não � nem de longe uma coincid�ncia que as id�ias que, geradas entre esse tempo e o in�cio do s�culo XX, vieram a influenciar mais profundamente o curso dos tempos, fossem quase todas produtos de intelectuais aut�nomos, extra-universit�rios, �s vezes marginais e r�probos, de Joseph de Maistre a Karl Marx e Tocqueville, de Darwin a Freud, de Kierkegaard ao pr�prio Nietzsche, o qual, embora fosse do ponto de vista empregat�cio um membro da casta ensinante, jamais produziu um �nico trabalho acad�mico e s� escrevia fora dos c�nones universit�rios. Tamb�m não � de estranhar que, prosseguindo a tend�ncia inaugurada no s�culo XIX, o debate p�blico de id�ias seja a� dominado por escritores independentes, Hugo, Zola, P�guy, Maurras, Mathew Arnold, cujo prest�gio os acad�micos se limitam a parasitar humildemente. Novamente, a ambi��o de mandar vem junto com a incapacidade de compreender.

�������� Ao mesmo tempo, o desejo mesmo de integrar-se na praxis coletiva faz com que as universidades, decaindo intelectualmente, encontrem uma nova fun��o para justificar sua exist�ncia: a prepara��o de t�cnicos para preencher as vagas na ind�stria, no com�rcio e na administra��o p�blica. Tornam-se meras escolas profissionais, para substituir o aprendizado tradicional nas corpora��es de of�cios que o advento do capitalismo moderno havia destru�do. Aos poucos, a popula��o universit�ria se hierarquiza em estratos: em baixo, uma vasta multid�o de estudantes prodigiosamente incultos, voltados � aquisi��o de t�cnicas profissionais para subir (ou não naufragar) na vida econ�mica; em cima, uma elite que despreza essa massa de classe m�dia e se sente acuada dentro da pr�pria casa.

�������� � no s�culo XX que a estatiza��o produz seu efeito fatal: a completa politiza��o das universidades, tornadas servas atentas e obrigadas das modas ideol�gicas do momento, sempre prontas a produzir bibliotecas inteiras para legitimar as doutrinas extravagantes de caudilhos, ditadores, utopistas, agitadores de rua e loucos no sentido estrito do termo. Não � de espantar que, ap�s o inusitado crescimento dos corpos discentes de um s�culo para outro, a for�a nacionalizante e politizante que se apossara das universidades passasse a ser representada mais pelos estudantes do que pelo pr�prio establishment acad�mico, que perde o controle do monstro que gerara. A classe m�dia estudantil adere com alegria feroz aos novos movimentos pol�ticos, desiludida com um ensino que falhara �s suas promessas de ascens�o social, e a massa iletrada e diplomada vai constituir o grosso dos ex�rcitos de militantes que depredam universidades, queimam bibliotecas, espancam e matam professores, � cata de judeus, de reacion�rios, de comunistas, de fascistas, de cat�licos, de negros, de brancos � enfim, dos bodes expiat�rios apropriados ao estado de �nimo do momento. Otto Maria Carpeaux descreve em termos inimit�veis a massa estudantil a servi�o dos totalitarismos [15] :

�������� ��Por toda parte onde h� aqueles regimes os estudantes est�o nas vanguardas da viol�ncia... Considerando... a ascens�o de camadas novas, que o s�culo XIX ainda não conhecia, verdadeiros ex�rcitos de empregados privados, de funcion�rios p�blicos, de pequenos empres�rios, todos formados num regime de ensino secund�rio ou superior muito facilitado, essas massas de homens, todos mais ou menos educados, essas multid�es de �pequenos intelectuais�... deve-se precisar o pensamento: o fas�cismo e o bolchevismo t�m o lado comum de serem express�es das novas classes m�dias. E a ideologia que permite explicar o esp�rito das novas classes m�dias � a ideologia pequeno-burguesa, violenta�mente revolucion�ria e antiintelectualista. Explica-se, por isso, que Georges Sorel, o pai espiritual comum do fascismo e do bolche�vismo, Georges Sorel, o ide�logo da viol�ncia, seja um homem pro�fundamente pequeno-burgu�s...

�������� � uma crian�a essa nova classe m�dia; mas uma crian�a perigosa, cheia dos ressentimentos dos d�class�s, furiosa contra os livros que j� não sabe ler e cujas li��es j� não garantem a ascens�o social. Est� madura para a viol�ncia.

�������� ...Ridiculizam ou anatematizam todos os esfor�os independentes, desinteressados, do esp�rito... A viol�ncia antiintelectualista das no�vas classes m�dias �, afinal, uma falta de educa��o, ou, antes, o fruto de uma falsa educa��o... Em geral, estas massas graduadas se distinguem dos iletrados somente por uma autoridade profissional que as torna menos �teis que perigosas... Eles, por�m, os iletrados, t�m sempre raz�o, porque s�o muitos e ocupam um lugar de elite, esse �proletariado intelec�tual�, sem dinheiro ou com ele, isso não importa. Julgam tudo, e tudo deles depende. L�em os livros e decidem sobre os sucessos de livraria, criticam os quadros e as exposi��es, aplaudem e vaiam no teatro e nos concertos, dirigem as correntes das id�ias pol�ticas, e tudo isto com a autoridade que o grau acad�mico lhes confere. Em suma, desempenham o papel de elite. S�o os nouveaux ma�tres, os se�oritos arrogantes, graduados e violentos; e n�s sofremos as con�seq��ncias, amargamente, cruelmente.�

�������� �Ao mesmo tempo, a universidade em perp�tua agita��o j� não pode concorrer, em produtividade cient�fica e tecnol�gica, com duas novas institui��es que v�o surgindo: os laborat�rios de pesquisas da empresas privadas e as for�as armadas. Duas guerras mundiais produzem o crescimento ilimitado da pesquisa militar, cujas cria��es � dos microcomputadores ao leite condensado � se tornar�o depois, em tempo de paz, a base da vida di�ria em todo o planeta [16] . A t�tulo de explic�vel compensa��o neur�tica, a politiza��o dentro das universidades radicaliza-se ao ponto de consagrar em formula��es te�ricas expl�citas a redu��o da vida intelectual � afirma��o perempt�ria e brutal dos desejos e ressentimentos dos grupos mais barulhentos, com a recusa de toda arbitragem racional.

�������� Este retrospecto teve apenas o intuito de fornecer aos leitores alguns lembretes, que se mostrar�o �teis na hora de pensar sobre o estado da universidade brasileira, que � o que farei na continua��o deste trabalho.

09/07/98

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PARTE II

�������� A Hist�ria mostra, desde logo, que o termo �universidade� � um ca�rimbo gen�rico aplicado mal e mal a uma pluralidade de coisas distintas, al�gumas antag�nicas. O mais plat�nico dos essencialistas, espremendo at� seu �ltimo neur�nio, não conseguiria encontrar no c�u das formas puras uma id�ia capaz de abarcar, ao mesmo tempo, a discere turba volens medieval, sedenta de contempla��o teor�tica, os elegantes institutos de forma��o de uma casta governante, os n�cleos auxiliares para o treinamento de m�o-de-obra indus�trial e as esta��es redistribuidoras de slogans pol�tico-ideol�gicos � quatro coisas que, ao longo da Hist�ria, receberam um mesmo nome por motivos que não podem ter sido mais respeit�veis do que o simples desejo de comodidade l�xica.

�������� Não haveria nisso maior problema, se tudo fosse uma quest�o de dis�cernir entre nomes e coisas. A distin��o das ess�ncias por tr�s da unidade de nome � atividade corriqueira não s� do fil�sofo, mas do historiador profissio�nal. O problema est� em que, enquanto a institui��o vai mudando de natureza, não muda, em subst�ncia, a alta avalia��o que a classe acad�mica faz de si mesma, como se os m�ritos de uma atividade extinta se conservassem, por m�gica, ap�s a muta��o que a substituiu por algo de radicalmente novo e di�verso. Ontem faz�amos dial�ticos e contempladores? Hoje, com o mesmo ar de dignidade, fabricaremos ret�ricos, homens pr�ticos e governantes; amanh�, sem nada perder do nosso aplomb, despejaremos nas ruas milh�es de empre�gadinhos sem ret�rica nem dial�tica, mas carregados dos conhecimentos �teis e pr�ticos necess�rios aos que obedecem sem pensar; e, finalmente, quando j� não pudermos fazer nem isso, infundiremos nessa massa de ignorantes o or�gulho da paix�o, que far� o mundo tremer. Passaremos de fil�sofos a minis�tros, de ministros a gerentes, escritur�rios e caixas de banco, de gerentes e escritur�rios a agitadores de rua e consumidores preferenciais do mercado de drogas � sempre conservando intocado, acima de toda conting�ncia hist�rica, o prest�gio dos valores eternos que apadrinharam nossa primeira hora: o supe�rior desinteresse do conhecimento, a intangibilidade da consciência intelec�tual, a autonomia da casta pensante, o ar beatificamente blas� do s�bio en�volto numa atmosfera que j� não � deste mundo. Por mais que as coisas mudem, o discurso da autovenera��o universit�ria jamais vacila; ele cresce mas não muda; ele pode acrescentar novas raz�es �s que o mundo j� tem para adorar essa institui��o; abdicar das antigas, nunca. � raz�o aristot�lica somar-se-� a raz�o de Estado; � raz�o de Estado, a raz�o cont�bil; e quando se come��ar a injetar no mercado uma massa incalculavemente grande de semiletrados a que nenhum arranjo cont�bil possa dar qualquer emprego lucrativo, então se acrescentar�, a essas tr�s raz�es que enaltecem a institui��o universit�ria, a raz�o suprema: a superioridade num�rica. Pois a� j� ser�o tantos os doutores que todos desejar�o s�-lo, e o simples risco de ter de diminuir o n�mero dos formandos no ano vindouro espalhar� o terror e a revolta por toda a popula���o. A supremacia da universidade est�, enfim, garantida: para onde quer que v� o carro da Hist�ria, a institui��o paira intacta acima do bem e do mal, se não aos olhos de todos, ao menos aos �nicos olhos em que ela cr�: os seus pr�prios.

�������� Essa perman�ncia � tanto mais estranha quando se considera que todas as principais institui��es humanas, vendo mudar o quadro hist�rico maior e sua fun��o dentro dele, passaram por angustiantes questionamentos de sua utilidade e valor na nova situa��o. Notem bem: eu disse todas. O ex�rcito, a pol�cia, as igrejas, a fam�lia, os parlamentos, o empresariado, os sindicatos, as organiza��es terroristas e sociedades secretas, os partidos pol�ticos e entre eles at� mesmo esse recordista de presun��o que � o Partido Comunista � to�das essas entidades vener�veis tiveram de enfrentar um dia a hip�tese de seu fracasso essencial e a eventualidade de uma auto-extin��o saneadora. Sacudi�das uma ap�s a outra pelas crises hist�ricas dos �ltimos s�culos, todas tiveram de responder � pergunta decisiva de Esperando Godot: �E se a gente se ma�tasse?� � fato que, de um modo ou de outro, todas sobreviveram, mas medi�ante arranjos traum�ticos que lhes ensinaram, de uma vez por todas, as virtu�des da mod�stia e a necessidade de negociar em vez de exigir.

�������� A �nica institui��o humana que jamais enfrentou essa crise de consci��ncia foi, por ironia, aquela que se proclama o dep�sito privilegiado da cons�ciência humana. A �nica que conservou intacto a seus pr�prios olhos o antigo prest�gio foi aquela que, na sucess�o de suas muta��es, mais perdeu de vista os feitos e valores que lhe valeram originariamente esse prest�gio. A �nica que jamais duvidou de si foi aquela que mais vezes perdeu o senso de identi�dade e mais vezes trocou sua miss�o sacrossanta por algum papel de ocasi�o, pronta a despi-lo de novo na primeira oportunidade.

�������� �Ocasi�o� e �oportunidade�, estar� dizendo o leitor, talvez sejam as palavras-chave. A universidade seria a mais oportunista das entidades, o bicho mais camale�nico da fauna institucional humana, especialista em sobreviv�n�cia e imbat�vel no marketing da pr�pria alma. Isto não deixa de ter algo de verdade. Mas o que singulariza a institui��o universit�ria, como vimos, não � apenas sua capacidade de adapta��o, e sim sua imunidade �s d�vidas e per�plexidades que acompanham normalmente todo processo de adapta��o. E a� a adaptabilidade j� nada explica, se não vier acompanhada de uma resist�ncia cori�cea a todo auto-exame, de uma indiferentismo moral que raia a inconsci��ncia sociol�gica e a pura e simples mentalidade delinq�encial.

�������� A adaptabilidade universit�ria não seria, então, um puro recorde de sobreviv�ncia � em si mesmo neutro ou at� merit�rio, sob certos aspectos �, mas o ind�cio de algo obscuro, amea�ador e perverso no fundo da alma da in�telectualidade moderna, a marca vis�vel de um escotoma na c�mara �tica da classe social que se incumbiu a si mesma de enxergar por todos n�s.

�������� �Esse diagn�stico não �, por enquanto, nada mais que mera hip�tese. Mas tr�s tend�ncias suficientemente vis�veis da conduta universit�ria parecem dar-lhe uma confirma��o impressionante.

�������� Em primeiro lugar, o discurso de autolegitima��o permanece imune não s� �s transforma��es hist�rico-sociais mais amplas, e sim tamb�m �s mu�dan�as no estatuto social, econ�mico e administrativo da pr�pria institui��o universit�ria.

�������� Em segundo lugar, essa institui��o, t�o pronta a afirmar a continuidade de sua identidade ao longo dos tempos e a deduzir dela a persist�ncia de seus m�ritos, �, dentre todas, a menos disposta a assumir a responsabilidade hist�rica de seus atos, a mais pronta a expulsar, do seu horizonte de consciência, as mais �bvias conex�es de causa e efeito entre a forma��o universit�ria que as pessoas recebem e os grandes desastres que elas produzem na condu��o de suas vidas � ou da vida do mundo, no caso dos poderosos. �, enfim, a institui���o mais cheia de defesas e racionaliza��es, no sentido psicanal�tico destes termos: defesas contra a verdade do seu passado, racionaliza��es para fugir � responsabilidade das conseq��ncias presentes.

�������� Em terceiro lugar, � a institui��o mais propensa a encarar-se, na hora do acerto de contas, como mero agente passivo nas m�os de outras for�as so�ciais, evitando por toda lei tomar consciência de si como sujeito agente e fonte aut�noma de poder.

�������� No prosseguimento deste trabalho (Partes III, IV e V), vou, primeiro, examinar mais em detalhe essas tr�s ordens de tend�ncias; em seguida, mos�trar como as tr�s, juntas, enformam o esp�rito, o conte�do e a letra de um do�cumento bastante caracter�stico da mentalidade da classe universit�ria brasi�leira, isto �, o manifesto �Em defesa da universidade�, assinado por Jos� Arthur Gianotti, Luiz Pinguelli Rosa e outras figuras t�picas � ou at� arquet��picas � do nosso meio acad�mico [17] ; por fim, vou sugerir algumas linhas de an�lise que, costumeiramente abandonadas in limine em toda discuss�o da quest�o universit�ria no Brasil, me parecem no entanto nada desprez�veis.

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14/07/98

PARTE III

�������� A id�ia da universidade medieval como uma congrega��o discipli�nada, uniforme e obediente a uma ortodoxia imposta de cima � das mais tolas que j� passaram por alguma cabe�a humana. O mais breve exame dos debates filos�ficos daquele tempo basta para mostrar que não s� havia plena liberdade de palavra mas tamb�m que ali se incentivava entre os pro�fessores um ostensivo confronto de id�ias que em qualquer universidade brasileira de hoje � e mesmo em muitas europ�ias e norte-americanas � soaria como um esc�ndalo intoler�vel.

�������� O mais espantoso nisso � que, no meio de uma sociedade onde o cristianismo era o pressuposto inabal�vel de todas as cren�as humanas, os autores não crist�os fossem es�tudados e debatidos com respeito e venera��o. Aqueles que imaginam que a Hist�ria vai no sentido da liberdade crescente, que todo passado foi um tempo de obscurantismo do qual o progresso nos libertou, simplesmente não se d�o conta do que pode ter significado a exist�ncia, na universidade crist�, de disc�pulos devotos de Averroes e Avicena. Para fazer uma id�ia do que isso representou em liberdade de pensamento, não � preciso nem mesmo tentar imaginar o destino que teria hoje uma filosofia judaica numa universidade isl�mica, ou vice-versa. Não � preciso tanto. Não � pre�ciso nem mesmo mencionar epis�dios extremos de intoler�ncia fan�tica, como aquele que recentemente foi patrocinado pela PUC-Rio [18] . Basta lembrar o isolamento profil�tico e rancoroso em que a iluminad�s�sima Universidade de S�o Paulo aprisionou, durante d�cadas, o Prof. Ruy Affonso da Costa Nunes � autor da mais consistente Hist�ria da Educa��o que j� se escreveu no mundo �, pelo simples fato de ser um cat�lico con�servador que se temia contaminasse perigosamente as alminhas estudantis criadas a puro leite progressista.

�������� Os ignorantes de plant�o sempre mencionam, a prop�sito da univer�sidade medieval, o dom�nio obsediante que, sobre todas as mentes, exer�ciam as doutrinas de Arist�teles. Nunca lhes passou pela cabe�a perguntar como elas chegaram a conquistar esse privil�gio. Pelo jeito com que eles que falam do assunto, parece que foi por decreto papal, com penalidades para os recalcitrantes. Mas foi exatamente ao contr�rio. T�o logo divulgada no Ocidente no s�culo XIII, a partir das tradu��es �rabes, a F�sica de Aris�t�teles foi impugnada por um conc�lio. A impugna��o significava apenas rejei��o dogm�tica de uma doutrina, não proibi��o de ensin�-la. Longe de desaparecer das salas de aula, como hoje acontece com qualquer doutrina que desagrade a um chefete de departamento, a ciência aristot�lica tornou-se tema predomi�nante de exame e discuss�o na Universidade de Paris, a mais vigorosa da �poca. Evidentemente os primeiros a tocar no assunto não fizeram sen�o expor e desenvolver a condena��o, que atingia 28 teses importantes da F��sica. Aconteceu que apareceram imprevistos defensores de Arist�teles, en�tre os quais Sto. Alberto Magno e Sto. Tom�s de Aquino. Com isto, não s� o lado aristot�lico levou a melhor nos debates, mas a universidade, persua�dida, acabou adotando, como linha �oficial�, não a opini�o que fora deter�minada pela autoridade do conc�lio, mas aquela que se sobressa�ra no con�fronto puramente intelectual. O aristotelismo que vai progressivamente dominando as universidades do s�culo XIII at� o XVI não � filho do auto�ritarismo, mas de uma liberdade inspirada no respeito de todos � argumen�ta��o racional. Esse desprendimento, essa venera��o aos direitos da inteli�g�ncia, s�o inimagin�veis, hoje, em qualquer debate acad�mico brasileiro, onde aqueles que s�o derrotados no campo intelectual logo recorrem a ex�pedientes admnistrativos ou � difama��o pura e simples para boicotar e ca�lar os advers�rios, com sucesso infal�vel. Qualquer membro do esta�blishment universit�rio brasileiro que fale em �obscurantismo medieval� deve ser considerado, pois, um hip�crita, um ignorante ou ambas essas coi�sas. Mas, não por coincid�ncia, as �ltimas d�cadas viram surgir no seio da universidade p�tria uma verdadeira epidemia de estudos sobre a Inquisi��o e as guerras medievais contra as heresias � e esses estudos não precisam nem mesmo ser lidos para criar, entre os estudantes, um preconceito anti�medieval (e anticat�lico, sobretudo) que os impede de fazer as compara���es mais �bvias.

�������� Mas, se estou fazendo essa apologia da liberdade de pensamento me�dieval, � porque ela nos introduz da maneira mais eficaz no tema da �auto�nomia universit�ria� � um item do discurso ideol�gico acad�mico que conserva inalterado prest�gio desde os tempos do averro�smo latino.

�������� As universidades medievais não lutavam por autonomia, pela sim�ples raz�o de que eram realmente aut�nomas. Organiza��es livres, apoia�das nos pr�prios estudantes e numa rede de solidariedades que se espalhava informalmente por todo o edif�cio social, não precisavam da prote��o de nenhum poder em especial e podiam se mover entre os grandes deste mundo sem comprometer-se com eles, ora dando apoio a um contra o ou�tro, ora mudando de partido, ora se refugiando num soberbo indiferentismo. Imaginem o que seria, hoje, uma universidade brasileira que, por decis�o corporativa, se permitisse apoiar ora a esquerda, ora a direita, ora nenhuma delas: não duraria at� a elei��o seguinte.

�������� A autonomia da universidade medieval não era um ideal; era sim�plesmente um fato. A exist�ncia e a relativa durabilidade deste fato, por�m, não resultaram da pura vontade, mas se assentaram numa base socio-eco�n�mica compat�vel. Essa base resume-se em tr�s coisas: 1) Em princ�pio, os �nicos respons�veis pela manuten��o de professores e servidores eram os alunos � a turba discente era turba pagante. 2) Por outro lado, a socie�dade em geral e especialmente as classes ricas e as dioceses se incumbiam de ajudar os alunos pobres, de maneira a neutralizar o quanto poss�vel os efeitos da exclus�o econ�mica. 3) Por fim, a universidade não tinha de dar lucro � nem econ��mico nem pol�tico �, j� que o prest�gio social e religioso do conhecimento induzia a sociedade a aceitar, de boa vontade, a reparti��o de gastos que não lhe pareciam de maneira alguma um preju�zo ou um desperd�cio.

�������� Organiza��es privadas, sem fins lucrativos, apoiadas no consenso de seus membros e numa forte solidariedade cultural � não ser� preciso lem�brar o sucesso que essa f�rmula viria a alcan�ar, seis s�culos depois, na constitui��o das grandes universidades norte-americanas.

�������� Mas o curioso � que, ao tornar-se �rg�os da Igreja ou �rg�os do Estado, as universidades pretenderam conservar intacto, sobre uma nova base fran�camente hostil, o antigo privil�gio da �autonomia� � da� nascendo a secular com�dia de erros que � a luta dos protegidos contra o protetor que deles espera servi�os e recompensas.

�������� Não � preciso dizer o que representou para a classe dos professores, economicamente, socialmente, politicamente, mentalmente, sua transfor�ma��o de intelectuais aut�nomos (free lancers, dir�amos hoje) em funcio�n�rios eclesiais e estatais, incumbidos ex professo de falar em nome de uma autoridade, de um consenso estabelecido, de uma ortodoxia dominante. Não � fant�stico que essa gente toda, trocando a liberdade pela seguran�a, jamais confessasse haver vendido a primogenitura por um prato de lenti�lhas, mas antes continuasse a exaltar idealisticamente a pr�pria liberdade de pensamento como se ela ainda fosse uma realidade, passando mais tarde a culpar pelas inevit�veis restri��es decorrentes do neg�cio t�o-somente o comprador? Data da�, sem d�vida, o nascimento do esp�rito de pomposa hipocrisia, de dogma�tismo travestido de liberdade cient�fica, que viria a se tornar, nos �ltimos dois s�culos, a marca inconfund�vel da casta acad�mica em todo o mundo.

�������� Ao longo de cinco s�culos, quase ningu�m enfatizou o bastante que a autonomia universit�ria, como qualquer outra forma de liberdade, não pode subsistir como forma pura, amputada das condi��es socio-econ�micas que d�o espa�o � sua exist�ncia. � evidente que, mesmo nas piores condi��es, sempre haver� esp�ritos livres, indiv�duos livres, capazes de sobrepor-se � coer��o ostensiva ou sutil e manter alto o estandarte do pensamento. Mas pode-se razoavelmente esperar que esse dom seja compartilhado uniformemente por toda uma casta que cresce dia a dia e que se comp�e de funcion�rios cada vez mais profissionalizados, mais limitados, mais dependentes?

�������� A insist�ncia verbal no ideal da autonomia, acompanhada de uma afoita disposi��o de vender a pre�o vil, uma a uma, todas as condi��es que permitiriam realiz�-la, eis um tra�o constante e praticamente imut�vel da mentalidade da casta universit�ria.

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27/07/98

[Continua]

NOTAS


[1] V. Kenneth Minogue, O Conceito de Universidade, trad. Jorge Eira Garcia Vieira, Bras�lia, UnB, 1981.

[2] Embora muitas das escolas paroquiais tivessem maioria de alunos do sexo feminino � numa �poca em que escrever e ler era tido por coisa indigna dos var�es guerreiros �, nenhuma fun��o administrativa se atribu�a �s mulheres, cujo aprendizado não tinha outra finalidade, enfim, sen�o o adorno de suas almas e o enriquecimento da cultura dom�stica, que se afirma por fim como um esteio vital da tradi��o cultural e pedag�gica europ�ia que hoje se dilui com velocidade apocal�ptica. Data da�, por exemplo, a origem remota do costume das leituras em fam�lia, em voz alta, ap�s a refei��o noturna, costume que se conservar� at� o s�culo XIX nas principais na��es e dar� a base mercadol�gica essencial para a expans�o da ind�stria livreira, na �poca dos grandes romances. Bastam esses fatos para comprovar, de um lado, o valor aut�nomo que a Idade M�dia atribu�a � educa��o; de outro, o peculiar estatuto da mulher medieval, muito distinto do que hoje procura impingir-nos um doentio rancor feminista sob color de ciência hist�rica. V. George G. Coulton, Medieval Village, Manor and Monastery, New York, Harper & Row, 1960, e Life in the Middle Ages, selected, transl. and annotated by G. G. Coulton, 4 vols. in one, Cambridge, Univ. Press, 1954, bem como, s� para per�odos posteriores, R�gine Pernoud, La Femme au Temps des Cath�drales, Paris, Stock, 1980.

[3] Ecoando um dogma estabelecido do automatismo mental esquerdista esquerdista, feito sob medida para pessoas de QI 12, nossas professorinhas uspianas (por exemplo D. Marilena Chau�, em Que � Ideologia?, S�o Paulo, Brasiliense, 1980, Col. �Primeiros Passos�) proclamam, como coisa l�quida e certa, que o primado aristot�lico da contempla��o sobre a a��o expressa a ideologia de uma classe aristocr�tica dominante hostil �s �for�as populares� que pegam no pesado. Mas como poderia ser assim, se a ocupa��o principal e obsessiva da classe dominante hel�nica era a praxis pol�tica e se sua educa��o se constitu�a exclusivamente de ret�rica e artes militares, disciplinas pr�ticas por excel�ncia? Express�o das id�ias de um reduzido c�rculo de intelectuais não raro marginalizados e hostilizados, a nova concep��o plat�nico-aristot�lica da vida contemplativa s� vir� a se tornar dominante mil e tantos anos depois, e mesmo assim s� entre membros do clero, continuando alheia � mentalidade da aristocracia guerreira.�

[4] V. Jacques Le Goff, Os Intelectuais na Idade M�dia, trad. portuguesa, Lisboa, Europa-Am�rica, s/d.

[5] V. Maria Am�lia Salgado Loureiro, Hist�ria das Universidades, S�o Paulo, Estrela Alfa, s/d.

[6] Sto. Tom�s, por exemplo, arrisca, com cuidadosa mod�stia, alguma teoriza��o astrol�gica na Summa contra gentios (Livro III) e alqu�mica em �Sobre as opera��es ocultas da natureza�, op�sculo no.� 2 do cat�logo de Reginaldo.

[7] The view taken of a University in these Discourses is the following: �That it is a place of teaching universal knowledge. This implies that its object is, on the one hand, intellectual, not moral; and, on the other, that it is the diffusion and extension of knowledge rather than the advancement. If its object were scientific and philosophical discovery, I do not see why a University should have students; if religious training, I do not see how it can be the seat of literature and science.� �John Henry Newman, The Idea of a University Defined and Illustrated: I. In Nine Discourses delivered to the Catholics of Dublin; II. In occasional Lectures and Essays addressed to Members of the Catholic University, ed. Ian T. Ker (Oxford, 1976).

[8] V. Paul Hazard, La Crise de la Conscience Europ�enne: 1680-1715, Paris, Arth�me Fayard, 1961.

[9] Ausgew�hlte Schriften, Frankfur-am-Main, Suhrkamp Verlag, 1985, Band 5, S. 11.

[10] V. Antoine Faivre, �La philosophie de la nature dans le romantisme allemand�, em Yvon Belaval (org.), Histoire de la Philosophie, Paris, Gallimard, 1974 (�Biblioth�que de la Pl�iade�), pp. 11-45.

[11] O Privat-Dozent, figura t�pica do ensino da �poca, � precisamente isso: o professor que, ligado a uma universidade, não tem remunera��o fixa, mas recebe o quanto se coleta entre os alunos no fim do m�s.

[12] Mas a praga nacionalista tinha vindo para ficar: at� hoje � espantoso, para um observador de Terceiro Mundo, que acompanha com beata admira��o o progresso do conhecimento em todos os grandes centros simultaneamente, notar como em cada um deles os eruditos se permitem ignorar os trabalhos de seus colegas de outros pa�ses, s� tomando ciência deles quando s�o traduzidos ou ganham destaque na imprensa internacional. Nada mais consternador, e ao mesmo tempo paradoxalmente reconfortante para o provinciano, do que constatar o provincianismo mental das grandes capitais.

[13] Sobre o provincianismo temporal e o cronocentrismo, v. meu livro O Futuro do Pensamento Brasileiro. Estudos sobre o Nosso Lugar no Mundo, 2a. ed., Rio, Faculdade da Cidade Editora, 1998, Cap. I.

[14] Sobre as conseq��ncias nefastas que a forma��o desse consenso teve especialmente para o ensino da filosofia em todo o mundo, v. meu breve ensaio �Estatais do pensamento�, em Bravo!, S�o Paulo, ano 1, no. 3, dez, 1997.

[15] Otto Maria Carpeaux, �A id�ia de universidade e as id�ias das classes m�dias�, em A Cinza do Purgat�rio, Rio, Casa do Estudante do Brasil, 1942, reproduzido em Ensaios Reunidos, 3 vols., Organiza��o, pref�cio e notas de Olavo de Carvalho (em curso de edi��o pela Topbooks em associa��o com a Faculdade da Cidade Editora).

[16] �Quase todos os confortos com que a tecnologia nos ajuda na vida di�ria foram cria��es da pesquisa militar. Enquanto isso, os universit�rios se ocupavam precipuamente de criar e fomentar as ideologias que produzem guerras. Da Revolu��o Francesa at� hoje � com a not�ria exce��o do expansionismo bismarckiano �, não se fez uma s� guerra por exig�ncia de militares, mas todas para realizar alguma doutrina acad�mica, fosse de Karl Ritter ou de Georges Sorel ou de Vilfredo Pareto, de Carl Schmitt ou de R�gis D�bray. Os militares sempre dizem que não d�, mas acabam se rendendo, como os caciques da Idade da Pedra, � m�gica das palavras. Isso não quer dizer que, nos tempos modernos, as atribui��es das castas tenham se invertido. Ao contr�rio: � da natureza das coisas que os homens de id�ias inventem os pretextos de matar, obrigando os homens de armas a inventar os meios de sobreviver � os quais acabam, por inescap�vel conseq��ncia, melhorando a vida dos sobreviventes.� O. de C., �O paj�, Jornal da Tarde, S�o Paulo, 12 de junho de 1997.

[17] �Em defesa da universidade�, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 de julho de 1998. O documento, segundo nota de rodap�, �resulta de reuni�o promovida pela COPEA (Coordena��o de Programas de Estudos Avan�ados da UFRJ) em 29 e 30 de maio de 1998�. Os 26 signat�rios formaram, na ocasi�o, o �Grupo de Defesa da Universidade P�blica� e inauguraram uma coleta de ades�es por e-mail, fax e correio � o que subentende que não apenas expressaram uma opini�o, mas pretendem fazer dela uma for�a politicamente agente.

[18] V. meu livro A Longa Marcha da Vaca para o Brejo. O Imbecil Coletivo II (Rio, Topbooks, 1998), segunda parte.