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Censura e desinforma��o

Olavo de Carvalho

Especial para Ternuma

Publicado no site http://www.ternuma.com.br em 26 de Novembro de 2000

 

Quantas reportagens o prezado leitor leu na imprensa ou viu na TV, ao longo dos �ltimos vinte anos, sobre esquerdistas mortos pelos governos militares? Quantas sobre os homic�dios cometidos pelas organiza��es de esquerda? Quantas sobre a revolu��o comunista j� em plena realiza��o em mar�o de 1964, que uma rea��o oportuna fez abortar?

Basta o leitor responder a essas perguntas com dados exatos, e ter� uma id�ia do que � bloqueio de informa��es. Sim, o controle que a esquerda exerce sobre os meios de comunica��o no Brasil j� n�o pode ser chamado de �patrulhamento�, porque patrulhar � vigiar homens livres. Os poucos liberais e conservadores que ainda restam na nossa imprensa s�o prisioneiros. N�o est�o sob a vigil�ncia de �patrulhas�. Est�o sob a guarda de carcereiros. Ainda podem se mover, mas seu espa�o � controlado para n�o ultrapassar uma �rea m�nima, calculada na medida justa para dar uma impress�o de democracia. E devem se restringir a �reas seletas, especialmente � se��o editorial e aos coment�rios econ�micos, s� lidos por uma elite. O notici�rio, que atinge a massa dos leitores, � zona proibida. A sele��o � extremamente inteligente: os direitistas podem ter �opini�es�; a sele��o dos �fatos� fica com a esquerda.

T�o completo e inquestionado � o dom�nio que ela a� exerce, que, com a maior desenvoltura, pode passar da sele��o � inven��o sem sentir o menor escr�pulo de consci�ncia ou o menor temor de ser desmascarada.

Outro dia, ouvi, num programa de TV que se dava ares de reconstitui��o hist�rica, a informa��o de que no governo militar a censura mudou para mais tarde o hor�rio da novela "Sangue do meu Sangue" porque ela tratava da luta abolicionista.

Isso dito assim, na lata, com uma prodigiosa cara de pau.

Mas a sucess�o de lendas macabras que faz as vezes de "Hist�ria" daquele per�odo � t�o caudalosa, a express�o de seriedade com que renomados professores repetem essas f�bulas � t�o convincente, e sobretudo o sil�ncio daqueles que conhecem os fatos � t�o geral e profundo, que � bem poss�vel que a popula��o, reduzida � mais inerme sonsice por esse massacre midi�tico, chegue mesmo a acreditar que os militares de 1964, al�m de assassinos, s�dicos, torturadores, ladr�es e vendidos ao imperialismo, eram tamb�m escravagistas.

Diariamente, dez ou vinte mensagens desse tipo s�o enxertadas na programa��o de v�rios canais. "Enxertadas" � a palavra. S�o sempre frases breves, com apar�ncia de casuais, inseridas no curso de alguma fala sobre assunto diverso, de modo a captar n�o a aten��o do espectador, mas, precisamente, a sua desaten��o. N�o visam a produzir a aquisi��o consciente de uma informa��o, mas a absor��o inconsciente de um h�bito. N�o se incorporam ao acervo de conhecimentos do espectador, mas � programa��o de suas rea��es impensadas, que, por isto mesmo, ele acaba sentindo como as mais livres e espont�neas.

N�o menos perversa do que a oculta��o completa ou do que a insinua��o velada � a pseudo-divulga��o, que noticia um fato de modo a propositadamente evitar que chame a aten��o. Esta not�cia, por exemplo, que normalmente deveria suscitar debates e novas investiga��es, saiu num canto de p�gina, como que para encerrar o assunto:

Cuba treinou 202 brasileiros, diz Ex�rcito

M�rio Magalh�es
Folha de S. Paulo, domingo, 11 de junho de 2000

O governo de Cuba promoveu, de 1965 a 1971, treinamento de guerrilha para no m�nimo 202 militantes de esquerda brasileiros.

Eles fizeram cursos -- de tr�s meses a um ano de dura��o -- de guerrilha rural e urbana, fotografia, imprensa, enfermagem, intelig�ncia, instru��es revolucion�rias e explosivos.

Num programa padr�o de seis meses, eram dadas aulas de fabrica��o de bombas caseiras, uso de armas, sabotagem, camuflagem e outras t�cnicas de a��es clandestinas na cidade e no campo.

Ao voltar, os brasileiros recebiam um kit dos cubanos com US$ 1.000, roupas e orienta��es para contatar companheiros no Brasil. Havia dez instrutores militares principais.

As informa��es constam do �lbum "Cursos realizados em Cuba", documento confidencial distribu�do para �rg�os de repress�o pol�tica em 21 de novembro de 1972 pelo Comando do 1� Ex�rcito. O �lbum, com 107 p�ginas, foi encontrado pela Folha no Arquivo P�blico do Estado do Rio.

As fontes aparentes s�o depoimentos de guerrilheiros depois presos no Brasil -- n�o � citada a tortura, ent�o disseminada -- e agentes infiltrados que cursaram a "escola" cubana.

De acordo com o Ex�rcito, outros 43 brasileiros podem ter recebido, no per�odo 1965-71, forma��o militar do governo comunista de Fidel Castro.

O objetivo era prepar�-los para a luta armada contra o regime militar brasileiro (1964-85). N�o deu certo.

Da lista elaborada pelo Ex�rcito, h� pelo menos tr�s militantes que hoje s�o parlamentares: os deputados federais Jos� Dirceu (PT-SP) e Fernando Gabeira (PV-RJ) e o deputado estadual do Rio Carlos Minc (PT).

Dirceu integrou o Molipo (Movimento de Liberta��o Popular). Gabeira, o MR-8 (Movimento Revolucion�rio 8 de Outubro). Minc, a Var-Palmares (Vanguarda Armada Revolucion�ria -- Palmares) e a VPR.

Atualmente, os tr�s s�o tidos como "moderados" pela esquerda mais radical.

Assim um jornal resguarda sua imagem de imparcialidade, ao mesmo tempo que contribui decisivamente para que s� a voz de um dos lados seja ouvida. Por que a "Opera��o Condor", t�o logo desentranhada dos arquivos, desperta um esc�ndalo nacional, e logo depois a not�cia da interfer�ncia cubana que a provocou � publicada discretamente, sem coment�rios e sem o menor eco nos programas de TV, nos meios intelectuais, no pr�prio governo? A resposta � simples: ap�s quarenta anos seguidos de "trabalho de base" nas reda��es, sem encontrar a menor resist�ncia, os comunistas conseguiram impor seus crit�rios ideol�gicos como se fossem a �nica norma existente, a �nica norma poss�vel do bom jornalismo. Hoje em dia, milhares de jornalistas que de comunistas n�o t�m nada subscreveriam a seguinte declara��o: "A miss�o da imprensa � minar, pela cr�tica, as institui��es vigentes" - sem saber que a frase � de Karl Marx e que ela n�o � uma receita para fazer jornalismo e sim para fazer uma revolu��o comunista.

A caracter�stica mais not�vel do atual jornalismo brasileiro � a troca progressiva da informa��o pela desinforma��o sistem�tica.

O termo desinforma��o surgiu pela primeira vez em l�ngua russa: desinform�tsia. � termo t�cnico concebido pelo Comintern � o comando do movimento comunista internacional � para designar o uso sistem�tico de informa��es falsas como instrumento de desestabiliza��o de regimes pol�ticos.

O objetivo central da desinforma��o � produzir o completo descr�dito das institui��es, induzindo a opini�o p�blica a transferir aos agentes da desinforma��o a confian�a que normalmente depositaria no Estado, nas leis e nos costumes tradicionais. O processo � bem conhecido e j� foi descrito em muitos livros, por exemplo o cl�ssico de Roger Mucchielli, La Subversion (Paris, Bordas, 1971) e o Tratado de Desinforma��o de Vladimir Volkoff (publicado originalmente em franc�s pelas �ditions du Rocher, mas do qual s� tenho em m�os a tradu��o romena, Tratat de Dezinformare. De la Calul Troian la Internet, tr. Mihnea Columbeanu, Bucuresti, Antet, s/d).

O Petit Robert define desinforma��o como �o uso de t�cnicas de informa��o, notadamente de informa��o de massa, para induzir em erro, ocultar ou travestir os fatos�. Desinformar, segundo o mesmo dicion�rio, � �informar de maneira a ocultar determinados fatos ou a falsific�-los�. Mas a palavra n�o apareceu em l�nguas ocidentais antes de 1972, quando o Chambers Twentieth Century Dictionary, publicado em Londres, traduziu desinform�tsia como �deliberate leakage of misleading information�.

A desinform�tsia n�o apareceu de repente, mas teve antecedentes milenares � Sun-Tsu j� dizia: �Todo esfor�o de guerra baseia-se no engodo�. As diferen�as espec�ficas que a tornam um fen�meno peculiar do s�culo XX s�o as seguintes:

1. Ela � usada n�o somente como instrumento de guerra entre Estados, mas sobretudo por for�as revolucion�rias que agem dentro de seus pr�prios pa�ses, seja por iniciativa pr�pria, seja a servi�o de outros Estados.

2. Para muitos Estados modernos � bem como para os poderes internacionais que hoje nos imp�em uma �Nova Ordem Mundial� � fomentar revolu��es nos outros pa�ses tornou-se um modus operandi normal e predominante, mesmo em tempo de paz. A moda come�a com a casa real francesa, que ajuda a Revolu��o Americana para prejudicar a Inglaterra, sem imaginar que com isto atra�a a maldi��o sobre si mesma. A Inglaterra aprende a li��o e ao longo do s�culo XIX fomenta revolu��es nas col�nias americanas para destruir seus concorrentes ib�ricos. Os EUA ati�am revolu��es no M�xico para se apropriar do Texas e da Calif�rnia. At� a�, por�m, o uso desse instrumento era espor�dico. A Revolu��o Russa assinala o surgimento do primeiro Estado voltado essencialmente a fomentar revolu��es no resto do mundo: cada �guerra de liberta��o� resulta na expans�o colonial da URSS. A Alemanha nazista copia esse procedimento durante algum tempo, sem muito sucesso. Com a queda da URSS, a China e Cuba tornam-se os derradeiros fomentadores de revolu��es comunistas, ao mesmo tempo que a dissemina��o de revolu��es � com o nome atenuado para �movimentos sociais� � � adotada pelos grandes organismos internacionais como um dos procedimentos b�sicos para expandir e consolidar seu poder sobre as na��es do Terceiro Mundo.

3. De elemento auxiliar dos meios de ataque f�sicos, a informa��o tornou-se o campo e instrumento predominante da atividade guerreira.

Tudo isso veio a tornar a desinform�tsia uma arma de uso generalizado e permanente, principalmente depois que, pela primeira vez na hist�ria dos imperialismos, a expans�o da URSS se fez muito mais pelo artif�cio de fomentar revolu��es do que pelo envio de tropas, de modo que praticamente cada �guerra de liberta��o� ocorrida no s�culo XX terminou com a instaura��o de mais um sat�lite sovi�tico.

N�o obstante, a liberdade de imprensa assegurou que, nas democracias ocidentais, uma grande parte dos meios de comunica��o conservasse sua independ�ncia, seja dos governos de seus pr�prios pa�ses, seja de for�as internacionais interessadas em utiliz�-los para seus objetivos. Assim, uma diferen�a radical entre o jornalismo profissional de informa��o e o jornalismo de desinform�tsia e combate permanece ainda bem vis�vel, em linhas gerais, na maioria dos grandes jornais dos EUA e da Europa.

O que singulariza o caso brasileiro � a total supress�o dessa diferen�a e a ado��o maci�a da desinform�tsia em lugar dos procedimentos v�lidos do jornalismo. T�o geral e avassaladora foi essa transforma��o, que hoje a maior parte dos jornalistas j� n�o tem mais a menor id�ia do que seja o jornalismo normal e, ao praticar descaradamente a desinform�tsia, acredita estar fazendo o �nico e melhor jornalismo poss�vel. Apenas uma elite dirigente tem plena consci�ncia de que n�o est� informando o p�blico, mas manipulando-o para utiliz�-lo numa opera��o de guerra. Nas reda��es, a maioria dos profissionais n�o tem sequer uma consci�ncia te�rica dessa distin��o.

Por isso, mais do que nunca, s� logram acesso � informa��o correta os cidad�os que tenham a iniciativa de busc�-la pessoalmente nas fontes, hoje tornadas mais acess�veis pela internet. Existir� censura mais p�rfida do que aquela que consegue vetar a divulga��o da sua pr�pria exist�ncia? Existe. � aquela que continua a faz�-lo quando as not�cias vetadas j� passaram � Hist�ria. � aquela que bloqueia n�o apenas o acesso ao presente, mas ao passado. Mas a proibi��o do passado �, por seu lado, a mais importante not�cia � ela tamb�m vetada � sobre a vida presente. Por isso o site de Ternuma, ao revelar o passado proibido, ilumina mais ainda o presente.