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Entrevista de Olavo de Carvalho
Revista do Clube Militar

Revista do Clube Militar (Rio de Janeiro), Ano LXXIV, No. 386, ago.-set. 2001

 

Qual a causa do desmoronamento da Uni�o Sovi�tica?

— A inviabilidade da economia socialista j� estava demonstrada, em teoria, desde a d�cada de 20. A prova, feita pelo maior dos economistas do s�culo XX, Ludwig von Mises, era bem simples: socialismo � economia planejada; planejamento sup�e c�lculo de pre�os; n�o havendo mercado, n�o h� com base em qu� fazer o c�lculo de pre�os; logo, n�o � poss�vel planejar uma economia sem mercado; portanto, o socialismo � imposs�vel. A hist�ria da URSS � a longa e dif�cil demonstra��o da veracidade desse silogismo contra a teimosia demente da elite comunista. A economia socialista sobreviveu artificialmente gra�as aos seguintes expedientes. Primeiro, a abertura do mercado, empreendida por L�nin, que atraiu investimentos estrangeiros em quantidade; depois, a guerra; terceiro, a ocupa��o e explora��o descarada dos chamados pa�ses sat�lites; quarto, a explora��o da rede de milion�rios comunistas do Ocidente, formada por St�lin desde a d�cada de 30 (para fazer uma id�ia de quanto isso representa em dinheiro, basta ver que na Guerra Civil Espanhola a URSS n�o teve de gastar um tost�o: toda a pretensa ajuda sovi�tica �s for�as republicanas veio de milion�rios de Nova York e da ind�stria do cinema norte-americano). Com tudo isso, o cidad�o sovi�tico m�dio da d�cada de 80 ainda consumia menos prote�nas do que um s�dito do Tzar em 1913 e tinha um padr�o de vida que, sob muitos aspectos, era inferior ao dos negros da �frica do Sul sob o apartheid. Isso n�o podia, � claro, durar para sempre. Para derrubar o castelo de cartas, bastava for�ar a URSS � concorr�ncia econ�mica direta. Foi o que fez Ronald Reagan com o seu programa de defesa at�mica: um investimento monstruoso, que for�ou a URSS a jogar a toalha. A li��o que temos a tirar disso � que um regime tir�nico e economicamente invi�vel pode ter uma longa sobrevida por meios artificiais se n�o � for�ado a um confronto com a realidade. Uma ditadura economicamente invi�vel pode at� durar mais do que um regime democr�tico pr�spero, se este for amea�ado desde dentro por for�as revolucion�rias. A economia n�o determina o rumo da hist�ria: o que pode determin�-lo, sim, � o uso pol�tico inteligente da economia como arma. Foi Ronald Reagan - que tantos diziam ser um burr�o - quem nos ensinou isso e liquidou o "Imp�rio do Mal". Mas n�o podemos esquecer que a KGB, a estrutura policial do imp�rio, continua intacta e hoje infiltrada no mercado de capitais em todo o mundo. A URSS caiu, mas o movimento comunista continua ativo.

O que mant�m Fidel Castro no poder?

— N�o posso dizer isso com certeza, mas dois fatores n�o devem ser esquecidos. Primeiro, na avalia��o da KGB, Cuba � o mais perfeito Estado policial do mundo, com um pol�cia secreta para cada 28 habitantes. Derrubar isso n�o � f�cil. Em segundo lugar, um amigo meu, importante dignit�rio da Ma�onaria europ�ia, me contou que Fidel Castro teve a prud�ncia de n�o perseguir os ma�ons, ao contr�rio do que o regime comunista fez no Leste europeu. Tendo em vista a for�a que a Ma�onaria tem nos EUA, � normal que isso tenha desestimulado consideravelmente qualquer iniciativa anticastrista das elites norte-americanas.

O que acha da indica��o do irm�o do Fidel, como seu sucessor ?

— Fidel Castro criou um Estado policial capaz de sobreviver � morte de seu criador. � evidente que a figura carism�tica deixar� um vazio, mas quem disse que Fidel, morto, n�o ser� mais poderoso do que vivo? Afinal, Che Guevara vivo foi um fracasso como l�der guerrilheiro, tornando-se um sucesso como s�mbolo ap�s a morte. Nenhum regime comunista jamais dependeu de um l�der em particular para sobreviver. Pode ser que os exilados aproveitem a morte de Fidel para lan�ar campanhas democratizantes, mas a possibilidade de sucesso � remota. A pol�tica norte-americana de "amaciar" o comunismo cubano tamb�m n�o me parece promissora. O governo de Cuba tem um plano de revolu��o continental, est� comprometido com Chavez, com as FARC e com a esquerda brasileira -- n�o poder� romper com todos esses compromissos s� porque Fidel morreu. Fidel n�o � mais indispens�vel ao comunismo do que foi St�lin. Raul Castro foi uma pe�a essencial do mecanismo do Estado policial. N�o creio que tenha a m�nima inten��o de liberalizar o regime.

Por que o regime comunista � perigoso para as na��es?

— O comunismo, como o nazismo, � um movimento de massas investido de esp�rito messi�nico. Ele aposta na ruptura do ordem real das causas hist�ricas e na instaura��o de uma sociedade inventada. Basta isso para torn�-lo perigoso. Mais perigoso ainda ele se torna porque, alegando realizar uma mudan�a historicamente "inevit�vel", portanto natural, ele se prop�e chegar a ela pelo mais artificial dos meios, que � a revolu��o. Uma revolu��o � sempre a precipita��o doentia de mudan�as que, em circunst�ncias normais, tomariam um rumo totalmente diverso. Revolu��o n�o quer dizer necessariamente viol�ncia f�sica: pode ser a simples imposi��o, por meios "legais", de mudan�as estruturais cujo alcance o povo n�o compreende nem pode acompanhar. Foi assim que Hitler fez uma revolu��o na Alemanha. Hannah Arendt acertou na mosca quando disse que os movimentos totalit�rios visavam menos a criar uma ordem social determinada do que a mudar a natureza humana. O totalitarismo � uma revolta contra a natureza humana, portanto contra a ordem c�smica e divina.

O regime democr�tico � uma esp�cie de panac�ia, que serve para todos os povos, ou cada povo tem de ser prerarado para adot�-la, por meio da educa��o?

— A democracia em sentido estrito s� deu certo na Inglaterra e nos EUA, porque os povos anglo-sax�nicos foram preparados para ela, primeiro, pelo cristianismo (os ingleses cristianizaram-se bem antes do resto da Europa); segundo, pela economia de mercado, que na Inglaterra j� era muito ativa desde a Idade M�dia; terceiro, por uma longa tradi��o de respeito aos direitos e privil�gios formados pelo tempo e pelo h�bito - uma condi��o que, na Inglaterra, faz a ponte entre a sociedade feudal e o mundo moderno por meio da continuidade da monarquia. A democracia � inconceb�vel sem a no��o da inviolabilidade sagrada da consci�ncia individual, portanto sem a heran�a grega, romana e judaico-crist�, e sem a tradi��o de iniciativa pessoal. Essas condi��es existem em poucos lugares do mundo, portanto a id�ia democr�tica, quando transplantada para fora do mundo anglo-sax�nico e enxertada em condi��es locais diferentes, resulta em forma��es sociais bem diferentes do modelo original. No Brasil, por exemplo, ela encontra tr�s condi��es adversas: a tradi��o de governo central forte, a cristianiza��o insuficiente das massas, a desorienta��o e fragilidade dos indiv�duos num territ�rio enorme e numa sociedade complexa onde vieram parar (muitos � for�a, como os escravos) sem ter um projeto de vida claro. Ademais, o Brasil � essencialmente uma cria��o do Ex�rcito, e por isto volta e meia as For�as Armadas, que s�o o �nico elemento de continuidade e coer�ncia no meio do caos, voltam a exercer o papel de "poder moderador", que no Imp�rio transferiram ao Imperador. O regime militar de 1964 foi uma grande oportunidade perdida. Os militares poderiam ter educado a na��o, mas ocuparam-se somente da economia e do combate �s guerrilhas, deixando a educa��o nas m�os de intelectuais esquerdistas insanos.

O ex-metal�rgico Lula, apontado nas �ltimas pesquisas com 35 por cento de prefer�ncia entre os sleitores, tem condi��es para ser presidente da Rep�blica?

— Certamente n�o, mas isto n�o se deve � sua origem oper�ria, nem mesmo � sua falta de cultura, mas sim ao fato de que, no seu partido, ele n�o � um verdadeiro l�der e sim apenas um s�mbolo, um emblema publicit�rio populista. Eleger Lula n�o � eleger um candidato, mas um partido. Com Lula na presid�ncia, o Brasil ter� alguns milhares de presidentes da Rep�blica, agindo nos bastidores, totalmente desconhecidos da popula��o. Alguns deles s�o funcion�rios ou ex-funcion�rios do Servi�o Secreto cubano e trabalham para finalidades que a popula��o nem imagina. O PT � um partido de duas camadas: h� o programa ostensivo, para fins publicit�rios, e h� a estrat�gia de longo prazo, s� discutida nos congressos internos e nas reuni�es da elite. Essa estrat�gia � documentada nas atas de congressos, mas quem l� isso fora do partido? O velho Partido Comunista usava sempre outros partidos como fachada, continuando sua a��o revolucion�ria no fundo. O PT � um tipo novo de organiza��o dupla - ao mesmo tempo fachada e for�a revolucion�ria ativa, mudando de apar�ncia e de orienta��o quando bem lhe convenha.

Qual a melhor maneira de esclarecer o povo contra os demagogos?

— Desde logo, � preciso quebrar a hegemonia esquerdista na m�dia, na educa��o e no mercado editorial. Tudo o que o povo brasileiro precisaria saber para se orientar na situa��o atual lhe � sonegado. O discurso esquerdista ocupa o espa�o todo e, nas escolas, j� � imposto de maneira ostensiva e ditatorial, reprimindo severamente os discordes e recalcitrantes. Recebo semanalmente dezenas de e-mails de estudantes que sofrem constrangimento e amea�as pelo simples fato de emitirem id�ias contr�rias ao consenso esquerdista dominante. Para quebrar essa hegemonia, � preciso come�ar pelo mais f�cil: o mercado editorial. � preciso inundar as livrarias com as obras publicadas na �ltima d�cada que desmascaram o comunismo e sua atual estrat�gia, obras que est�o totalmente fora do alcance do leitor brasileiro. Em seguida � preciso dissolver o monop�lio esquerdista da m�dia, denunciando as manipula��es e falsifica��es e levando as den�ncias ao conhecimento n�o s� do povo, mas dos donos de jornais e revistas, para que percebam o quanto j� est�o pr�ximos do dia em que as "comiss�es de reda��o" comunistas assumir�o ostensivamente a dire��o das publica��es, repetindo aqui o que fizeram no Chile e em Portugal. Aberta a brecha no mercado editorial e na m�dia, pode-se pensar numa a��o de maior envergadura na esfera da educa��o. As condi��es para isso s�o tr�s: coragem, tenacidade e dinheiro.

O que determinou o seu afastamento do Partido Comunista?

— Eu tinha vinte e dois ou vinte e tr�s anos. De in�cio, percebi que os comunistas tinham uma mentalidade muito mais ditatorial do que aquela que denunciavam no governo militar. Eles explicavam isso como uma necessidade imposta pela dureza da situa��o exterior, mas, quando descobri que nos pa�ses onde eles estavam no poder eles n�o agiam de maneira diferente, foi o fim. N�o rompi ostensivamente com o Partido, primeiro porque isso me pareceria favorecer o regime militar, do qual eu n�o gostava nem um pouco; segundo, porque, abandonando o marxismo, mergulhei num mar de d�vidas e me parecia desonesto fingir certezas e dar opini�es quando, na verdade, eu n�o tinha mais nenhuma. Assim, fugi de meus companheiros de Partido e me isolei para estudar e tentar me reorientar no mundo. Hoje vejo que era mesmo a �nica coisa decente a fazer.