Debate: Existem semelhan�as entre Osama Bin Laden e Che Guevara? Leader (Porto Alegre), N�21 - 25 de Dezembro de 2001
Sim Ascetas do mal Olavo de Carvalho
Enquanto her�is da saga revolucion�ria, Che Guevara e Osama bin Laden assemelham-se em pelo menos um ponto essencial, no qual sua auto-imagem se confunde com sua imagem p�blica. Quero dizer que algo que eles acreditam piamente de si mesmos coincide com algo que sua plat�ia acredita piamente a respeito deles. Como todas as vidas de revolucion�rios modernos, sem exce��o, as desses dois comp�em-se essencialmente de um auto-engano pessoal transfigurado em lenda mundial pelo efeito amplificador da propaganda, seja a propaganda organizada da esquerda militante, seja a propaganda informal da m�dia simp�tica. A cren�a pessoal a que me refiro -- e que ambos expressaram abundantemente, por atos e palavras, n�o se tratando aqui de uma "interpreta��o" minha, mas da simples constata��o de um fato -- � a seguinte: exatamente como os her�ticos da seita do "Livre Esp�rito" estudados por Norman Cohn em "The Pursuit of the Millennium", um e outro acreditam-se t�o profundamente, t�o essencialmente identificados a uma causa superiormente justa e nobre, que mesmo seus pecados mais flagrantes e seus crimes mais hediondos lhes parecem resgatados, de antem�o, pela un��o incondicional de uma divindade legitimadora. Pouco importa que essa divindade seja, num deles, s� informalmente teol�gica (a Hist�ria, o Progresso, a Revolu��o), e s� no outro expressamente teol�gica. Em ambos os casos h� o apelo a uma fonte suprema da autoridade, que consagra o mal como bem. Mas n�o � que se coloquem acima do bem e do mal, no sentido da amoralidade aristocr�tica do super-homem de Nietzsche ou do "amoralista" de Gide. Ao contr�rio: identificaram-se de tal modo com o que lhes parece o bem, que mesmo o mal que praticam se transfigura, a seus olhos, automaticamente em bem. Atingiram, enfim, a seus pr�prios olhos, o est�gio divino da impec�ncia essencial. Da� que, neles, a total falta de escr�pulos e a pr�tica costumeira da viol�ncia criminosa coexistam sem maiores problemas com uma f� perfeitamente sincera na pr�pria bondade, santidade at� -- impl�cita em Guevara, ostensiva em Osama. E nada de confundi-los, por favor, com o farsante vulgar, o santarr�o de opereta. Este � c�mico porque nele os tra�os incompat�veis s�o mantidos juntos pela solda bem fr�gil da hipocrisia. No fundo ele tem consci�ncia da sua falsidade e, pego de jeito, pode ser desmascarado perante si mesmo. No her�i revolucion�rio, a mentira existencial tomou por completo o lugar da consci�ncia, numa esp�cie de sacrif�cio asc�tico. A divindade macabra ante cujo altar se consuma esse sacrif�cio responde ent�o ao postulante: ao contr�rio do mentiroso comum, que se enfraquece pela falsidade da sua posi��o, o asceta do mal ganha redobrado vigor a cada nova abjura��o da verdade, tornando-se, no cume da sua anti-realiza��o espiritual, capaz de projetar hipnoticamente sua imagem sobre as multid�es. Da� uma segunda semelhan�a: no paroxismo do culto idol�trico, militantes e simpatizantes chegam a ver em seus �dolos presen�as divinas ou ao menos prof�ticas. Expressando uma convic��o coletiva bem disseminada hoje em dia, Frei Betto nivelou ostensivamente Che Guevara a Jesus Cristo, e Arnaldo Jabor denominou Osama de Maom� II.
N�o Entre um revolucion�rio e um terrorista s� h� uma possibilidade: a diferen�a!
Jussara Cony
Analisar o cen�rio geoestrat�gico mundial sob a �tica de uma pretensa semelhan�a entre Che Guevara, um revolucion�rio e Osama Bin Laden, um terrorista, abstrairia as circunst�ncias hist�ricas em que estariam se processando as modifica��es econ�micas, pol�ticas, sociais, culturais e militares, em suas �pocas respectivas. Che Guevara foi um humanista, um homem que dedicou sua vida, exterminada pela CIA, � liberta��o dos povos. Foi cria da consci�ncia pol�tica formada, no seu tempo hist�rico, da necessidade de constru��o de estados-na��es soberanos. �, hoje, uma refer�ncia internacionalista, respeitada e admirada por todos que almejam a constru��o de um mundo com desenvolvimento, igualdade e paz. Osama Bin Laden, na irracionalidade de seu terrorismo �, inclusive, insepar�vel da irracionalidade da pol�tica imperial dos Estados Unidos. Ali�s, existe entre os dois uma rela��o causa-efeito. � cria da pol�tica belicista, militar e imperialista norte-americana. Ali�s, a Alian�a do Norte de hoje � o que resta das antigas Sete Organiza��es Semitas cujas tropas foram armadas, treinadas e financiadas pelos Estados Unidos antes que Washington transferisse seu apoio para os talib�s do Mul� Mohamed Omar, o que mostra que os grupos fundamentalistas afeg�os s�o olhados pela Casa Branca, alternadamente, como aliados e democratas ou inimigos e terroristas, dependendo das circunst�ncias. Portanto, um Che Guevara � conseq��ncia das lutas dos povos por liberta��o, um revolucion�rio na concep��o e na ess�ncia do seu significado! Um Osama Bin Laden � conseq��ncia n�o s� do fundamentalismo isl�mico mas do jogo sinuoso de um imp�rio por seus interesses estrat�gicos! Nas circunst�ncias hist�ricas, Che ajudou a criar um contraponto ao imp�rio; Osama � o exemplo vivo da criatura voltando-se contra o criador: o mesmo imp�rio! � obvio que os acontecimentos recentes que centralizam a aten��o do mundo: o atentado terrorista e a guerra dos Estados Unidos contra o Afeganist�o, os dois conden�veis, estabelecem modifica��es no cen�rio mundial, de desfecho imprevis�vel. E, num mundo onde a m�dia afirma que este � "o maior atentado terrorista da hist�ria", h� que se perguntar: de que Hist�ria nos falam? Com certeza n�o a da humanidade como um todo onde n�o podem ser esquecidos os atos de terrorismo do estado norte-americano como a morte de 225 mil pessoas no bombardeio a Dresden, 16 dias ap�s a rendi��o alem�; onde 150 mil morreram com as bombas em Hiroshima e Nagasaki; como as ataques que dizimaram boa parte da popula��o do Vietn� e do Camboja e anexaram parte do M�xico � for�a! Nos diz Miguel Urbano Rodrigues, jornalista portugu�s, autor de N�mades e Sedent�rios na �sia Central: "os atentados terroristas iluminaram a vulnerabilidade do imp�rio mas, paradoxalmente, criaram condi��es favor�veis ao desenvolvimento da estrat�gia de domina��o planet�ria e perp�tua dos Estados Unidos, adotada a partir da administra��o Reagan". Na realidade, a decis�o da guerra punitiva ao povo afeg�o, a necessidade de um inimigo n� 1, resulta de uma exig�ncia pol�tica que � a de impedir que o povo norte-americano compreenda o essencial: a m�quina terrorista que montou os atentados est� enraizada no pr�prio territ�rio dos Estados Unidos. A escolha do "mau" obedece a um objetivo estrat�gico inconfess�vel: a penetra��o pol�tica e econ�mica dos Estados Unidos em uma regi�o vital para seus interesses geopol�ticos: a �sia Central e suas enormes jazidas de petr�leo e g�s natural. Talvez, na contradi��o exposta por Miguel Urbano Rodrigues se encontre n�o a se melhan�a, por inexistente, mas a grande diferen�a entre os dois. Laden, com "sua" a��o terrorista, serviu ao imp�rio. Guevara, com certeza, no enfrentamento a hegemonia, serviria �s lutas de liberta��o dos povos. Um contribuiu para fomentar a guerra que serve ao imp�rio! Outro, se vivo, contribuiria na constru��o de na��es soberanas e, portanto, pela Paz ao mundo!
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