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Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

 

�������� Continuo aqui publicando, sem preocupa��o de ordem, as notas que me ocorre tomar de vez em quando a prop�sito da contesta��o que Argemiro Ferreira ofereceu ao meu artigo sobre �as duas listas negras�. Se essas notas acabarem se prolongando al�m da dose de aten��o que esse mi�do palpiteiro parece merecer, isto ser� devido somente �quele paradoxo t�o precisamente assinalado por Rivarol: �Il ne faut souvent qu�un trait pour peindre les grands hommes, il en faut une infinit� pour peindre les petits.�

 

� 1. O modus arguendi de um charlat�o

����������� Passando do estilo ao conte�do, noto que a t�cnica argumentativa de Argemiro � perfeitamente coerente com o seu uso da linguagem, ambos servindo ao mesmo prop�sito de ludibriar o leitor.

�������� Contestar uma argumenta��o �, simplesmente, transformar suas asser��es em perguntas e mostar que as respostas negativas funcionam melhor que as afirmativas. Convertidas em perguntas, as afirmativas que fiz no meu artigo sobre a lista negra ficariam assim:

1.     � ou n�o verdade que, enquanto em Washington algumas centenas de pessoas eram interrogadas na Comiss�o McCarthy e liberadas, na R�ssia eram fuzilados tr�s milh�es de dissidentes?

2.     � ou n�o verdade que, nessas condi��es, nivelar essa Comiss�o aos tribunais sovi�ticos ou falar igualmente de �atmosfera de terror� num caso e no outro �, na melhor da hip�teses, uma hip�rbole de mau gosto?

3.     � ou n�o verdade que, nessas condi��es, qualquer abuso que McCarthy possa ter cometido contra os que colaboravam com o regime sovi�tico foi moralmente menos grave do que essa colabora��o mesma?

4.     � ou n�o verdade que os �nicos comunistas condenados � morte nos EUA, Julius e Ethel Rosenberg, jamais passaram pela Comiss�o McCarthy?

5.     � ou n�o verdade que, na �poca, informa��es sobre os massacres sovi�ticos eram abundantes na imprensa norte-americana e que, desta forma, Ring Lardner Jr. n�o podia t�-los ignorado?

6.     � ou n�o verdade que o Partido Comunista Americano, como ali�s qualquer outro partido comunista no mundo, colaborava ativamente com a espionagem sovi�tica?

7.     � ou n�o verdade que, para esse fim, a KGB usava (al�m de seus agentes profissionais, � claro) tanto os militantes do Partido quanto meros �companheiros de viagem�? � ou n�o verdade que a ambig�idade mesma da condi��o de �companheiro de viagem� foi sempre usada pelos partidos comunistas como um instrumento de a��o subterr�nea nos pa�ses n�o-comunistas?

8.     � ou n�o verdade que, nessas condi��es, muitos suspeitos interrogados pelo Comit� McCarthy se prevaleceram de uma ambig�idade de linguagem, alegando �n�o ser comunistas� (no sentido de membros do Partido) sem deixar de ser por isso aut�nticos comunistas (no sentido de colaboradores informais da espionagem sovi�tica)?

9.     � ou n�o verdade que ningu�m da �lista negra de Hollywood� foi interrogado pela Comiss�o McCarthy?

10. � ou n�o verdade que a discrimina��o dos n�o-comunistas em Hollywood antecedeu a repress�o aos comunistas?

�������� Para contestar efetivamente meus argumentos, se quizesse faz�-lo com honestidade, bastaria a Argemiro Ferreira responder �N�o� a cada uma dessas perguntas e provar que esta resposta � melhor do que aquelas que ofereci.

�������� N�o podendo fazer isso de maneira alguma, ele desliza para longe do assunto e, para dar � sua escapada um ar de resist�ncia her�ica, recorre aos seguintes expedientes.

1.     Alterar grotescamente o que eu disse, recorrendo para isso ao hiperbolismo bufo que � o equivalente comunista do senso de humor. Uma vez assim maquiadas as minhas afirma��es, neg�-las a priori ou desmoraliz�-las, evidentemente com a maior facilidade, j� que foram preparadas para esse fim.

2.     Revestir a farsa com um verniz de seriedade, dando uma profus�o de detalhes sobre fatos marginais, irrelevantes para a ess�ncia da discuss�o.

3.     Mentir pura e simplesmente, falseando datas, nomes e situa��es.

��������

� 2. Dois exemplos

�������� Como o uso do expediente n�mero 1 j� foi bastante denunciado no Cap�tulo I, e como o 2 requer explica��es mais demoradas, que deixarei para depois, dou logo de cara tr�s exemplos do expediente n�mero 3: mentir.

�������� 1. Afirmei que o Comit� McCarthy s� interrogava funcion�rios do Estado. Argemiro responde: Era assim que devia ocorrer, pelas regras internas da casa [o Senado]. Mas, na pr�tica, ningu�m conseguia impor limites ao senador.Para prov�-lo, cita o caso do escritor James Wechsler, que, n�o sendo funcion�rio p�blico, teria sido intimado �por vingan�a... pelas cr�ticas feitas a McCarthy no New York Post. Argemiro mente. Wechsler era funcion�rio p�blico, sim. Era assessor do governador de Illinois, Adlai Stevenson, e foi nessa condi��o que foi intimado; pois o governador, jamais acusado de ser ele pr�prio comunista (ao contr�rio do que diz Argemiro), era declaradamente um protetor de comunistas e por isto McCarthy o considerava -- com toda a raz�o, segundo o que hoje se sabe -- suspeito de neglig�ncia em mat�ria de seguran�a. Argemiro � ou quem acredite nele � pode averiguar : a not�cia, sem a m�nima ambig�idade, est� no New York Times de 28 de outubro de 1952. [1]

�������� 2. Para provar que v�timas inocentes foram arruinadas pelo Comit� McCarthy, Argemiro apela � velha lenda da mulher humilde (e ademais negra) que perdera o emprego ao ser intimada a depor e que McCarthy continuou a perseguir embora soubesse da sua inoc�ncia. � um dos cart�es-postais cl�ssicos que ilustram a lenda tenebrosa criada em torno de Joe McCarthy pelas a��es conjugadas de milh�es de Argemiros. Novamente, � tudo falso. A personagem dessa historieta comovente chamava-se Annie Le Moss. Era uma funcion�ria do Departamento de Sinaliza��o do Ex�rcito, uma �rea de risco onde o regulamento militar proibia dar emprego a pessoas suspeitas de liga��o com o Partido Comunista, em raz�o da �bvia colabora��o deste com a espionagem chinesa e sovi�tica. Na �poca, a imprensa anti-McCarthy fez de Annie o prot�tipo da v�tima inocente, alegando que ela fora confundida com outra Annie Le Moss, branca, esta sim militante do Partido Comunista mas n�o funcion�ria do Ex�rcito. McCarthy, mesmo sem ter provas cabais, e confiado t�o somente no testemunho de Mary Mackward, uma agente do FBI infiltrada no Partido, insistiu at� o fim que Annie era comunista, o que foi explorado pela imprensa como prova de sua maldade, sublinhada por insinua��es de racismo. Argemiro subscreve a acusa��o e a nuance. S� h� um problema: Annie era comunista mesmo. A prova, por�m, s� veio tarde demais, quando McCarthy j� estava morto e a lenda da sua persegui��o a uma pobre mulher negra j� havia se consolidado como artigo de f� na seita multitudin�ria dos Argemiros. Em 1958, o Departamento de Justi�a divulgou os documentos do Partido Comunista, jamais contestados pelo Partido mesmo, onde constava, acima de qualquer possibilidade de d�vida, o registro da militante: Annie Le Moss, 72 R Street SW, Washington DC. Duas Annie Le Moss, uma negra e a outra branca, podiam coexistir no Partido. Mas n�o no mesmo endere�o, caramba. [2]

[Continua]

 

Notas����������


[1] V. Richard J. H. Johnston, �Senator Accuses Governor of Sympathy With and Aid to Communist Cause�, N. Y. Times, Oct. 28th 1958.

[2] V. Reports of the Subversive Activists Control Board, Vol. 1, Washington DC, Government Printing Office, 1966, pp. 93-94.