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Fil�sofo acidental

Entrevista de Olavo de Carvalho a Rachel Bertol
Publicada em O Globo em 25 de maio de 2000

 

Ano passado, Olavo de Carvalho recebeu o telefonema de um militante de esquerda avisando que havia um compl� para assassin�-lo. Fil�sofo autodidata e autor de livros como "O imbecil coletivo", que causou ira em segmentos da intelectualidade, Olavo ficou assustado. Mesmo sem saber se a informa��o era verdadeira, aceitou o convite de um amigo para trabalhar na Rom�nia. Ficou quatro meses fora e na volta n�o deixou a pena cair: continuou a escrever, diariamente, suas apostilas, tratados de filosofia, cr�ticas agudas � pol�tica, aos intelectuais, � imprensa. Agora, oferecer� um pouco de sua verve aos leitores do GLOBO, escrevendo semanalmente a partir deste s�bado na p�gina 7 do jornal. Tamb�m estrear� na revista "�poca".

- Posso at� ser um polemista, mas n�o � este o centro das minhas aten��es. Estou contente com essas novas colabora��es. Ser�o oito artigos por m�s, em que falarei de assuntos variados, n�o s� dos pol�micos. Terei espa�o para explicar minhas posi��es - afirma Olavo, de 53 anos, e que s� h� cinco come�ou a se lan�ar em controv�rsias p�blicas, quando seu desentendimento com a Sociedade Brasileira para a Pesquisa Cient�fica (SBPC) ganhou ampla cobertura na imprensa.

Um comit� da entidade rejeitara a publica��o de um trabalho seu sobre Arist�teles com argumentos cujas cr�ticas Olavo passou a distribuir encartadas na apostila de aula. Em pouco tempo, o caso virou not�cia. Nessa �poca, publicou por insist�ncia do poeta Bruno Tolentino seu primeiro livro de filosofia, "O jardim das afli��es - de Epicuro � ressurrei��o de C�sar: ensaio sobre o materialismo e a religi�o civil".

Prazer e divertimento
na esgrima intelectual

A fama de polemista cresceu com a publica��o de "O imbecil coletivo", em 1997, uma reuni�o de cr�ticas ao tratamento dado � cultura nos jornais.

- Fazia anos eu acompanhava o movimento intelectual brasileiro e via uma decad�ncia acentuada cada vez que abria o suplemento de cultura de um jornal. Eram publicadas coisas de um primarismo que h� 20 anos n�o seriam aceitas no gin�sio - afirma Olavo, que contesta o tipo de rea��o que causou. - Por que n�o podemos ser contra uma, duas, tr�s ou 20 coisas ao mesmo tempo? Mas no Brasil, se somos contra algo, cria-se logo a id�ia de que somos a favor do seu contr�rio.

A principal cr�tica � esquerda e aos intelectuais brasileiros em geral refere-se � falta de rigor que adv�m, segundo Olavo, do pensamento ideol�gico, modelo concebido a partir de Gramsci. A express�o "imbecil coletivo" � uma par�dia do intelectual coletivo proposto pelo fil�sofo italiano.

- O pensamento ideol�gico n�o quer saber da realidade, mas busca produzir acontecimentos. Todo o conhecimento vira pretexto para for�ar acontecimentos. Sou contra o pr�prio Gramsci, culpado dessa concep��o que abre a porta ao vale-tudo. A ideologiza��o da cultura imbecilizou as pessoas. No s�culo XX, o malef�cio do pensamento ideol�gico � contado em milh�es de mortos.

Na raiz da sua cr�tica, por�m, n�o h� apenas indigna��o. Olavo confessa ter prazer com a esgrima intelectual.

- Divirto-me um bocado. Enquanto escrevo, fico rindo, prevendo como o advers�rio ficar� bravo e ser� em v�o. Nunca tive raiva de ningu�m nesse neg�cio. Mas se o sujeito quer virar objeto de goza��o, a gente faz isso - afirma ele rindo.

Olavo n�o se diz de direita, mas gostaria que houvesse um partido de direita no pa�s, "pela democracia". A pol�tica brasileira, na sua vis�o, � hoje um jogo exclusivo de partidos de esquerda. Nos artigos do GLOBO, discutir� essas opini�es e quest�es que o inquietam e s�o temas dos livros em prepara��o. Em "O olho do Sol", j� com 700 p�ginas, busca fundamentar a id�ia de evid�ncia cient�fica; em "Ser e poder: a quest�o fundamental da filosofia pol�tica", at� o momento com 200, apresenta uma nova defini��o do poder. Sua homepage (/) � uma boa porta para se entrar em contato com esse universo.

Olavo diz que o saber foi sua �nica ambi��o. Na adolesc�ncia, vivia com a deprimente sensa��o de nada entender. Na escola, a biologia e o latim foram seus �nicos interesses, por influ�ncia de dois �timos professores. Quando, aos 17 anos, come�ou a trabalhar em jornal - no "Not�cias populares", de S�o Paulo - e filiou-se ao Partido Comunista, sentiu um buraco em sua forma��o. Freq�entou como ouvinte aulas na PUC e na USP, mas se decepcionou.

- Tive uma impress�o de car�ncia: eu precisava me educar e n�o encontrava educa��o � altura do que queria. Faltava-me um abismo de conhecimento e nas aulas n�o aprenderia nada - conta Olavo, que ent�o decidiu tra�ar um programa individual de estudo.

Ao jornal, precisava dar apenas cinco horas por dia e o resto do tempo passou a ser ocupado com aulas de cinema, teatro e muita leitura. Formou pouco a pouco uma biblioteca que refletia o desenvolvimento hist�rico das disciplinas que elegera: filosofia, estudos liter�rios e religi�es comparadas. Ao longo dos anos e das mudan�as - teve oito filhos em tr�s casamentos - vendeu quatro bibliotecas, com cerca de 15 mil volumes no total.

- Na ditadura militar, com muitos amigos presos, torturados, mortos, percebi que o Brasil ia ladeira abaixo para as trevas. Achei que o melhor era me retirar e estudar para entender o que se passava. Isolei-me dos 20 aos 47 anos.

A astrologia da Idade M�dia como base

Com o tempo, diminuiu a atividade jornal�stica para se dedicar mais aos cursos, os Semin�rios de Filosofia, que d� duas vezes por m�s no Rio e em S�o Paulo. Calcula ter tido cerca de cinco mil alunos e escrito umas dez mil p�ginas. A filosofia veio por conting�ncia.

- Quando quis estudar, estava resolvendo um problema pessoal. A perspectiva profissional em filosofia � muito prejudicial. Quando se quer virar fil�sofo ou professor de filosofia, estuda-se j� com esse canal, como se fosse uma profiss�o. Mas a filosofia n�o � essencialmente isso, ela � acidentalmente isso. A filosofia � sobretudo um saber, uma consci�ncia que se adquire.

A vis�o de mundo de Olavo tem raiz no mergulho que fez aos 30 anos na cultura da Idade M�dia, �poca que estudou por mais de dez anos, aproveitando seus conhecimentos de latim. Ele diz-se aficionado por astrologia.

- Sem conhecer astrologia n�o se conhece nada da cultura medieval. Quis estudar a simb�lica daquela �poca.

Durante um tempo, dedicou-se aos estudos isl�micos - aprendeu �rabe e recita trechos do Alcor�o - e ganhou um pr�mio na Ar�bia Saudita em 1985 por um livro de 200 p�ginas (n�o publicado) sobre Maom�, no qual usou os conhecimentos da simb�lica medieval para interpretar epis�dios da vida do profeta. Pratica o cristianismo, mas afirma que ficaria � vontade para professar o islamismo. Isso porque, na sua opini�o, cristianismo, islamismo e juda�smo t�m no fundo o mesmo objetivo. A exist�ncia de Deus � para Olavo uma obviedade suprema, a base fundadora de tudo.

 

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