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Quatro perguntas para Olavo de Carvalho sobre jornalismo cutural

Entrevista realizada via e-mail por Talita N�brega, K�tia Portugal e Karla Szabados, alunas da Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro.

 

O que o sr. entende por Jornalismo Cultural?

Olavo: O jornalismo cultural �, ao mesmo tempo, um reflexo jornal�stico da cria��o cultural e ele mesmo um tipo de cria��o cultural. Por defini��o, e ali�s como qualquer outro tipo de jornalismo, ele tem de atender a duas ordens de exig�ncias, simult�neas e ambas igualmente leg�timas: as exig�ncias da produ��o jornal�stica (prazos, normas de reda��o, etc.) e as exig�ncias do seu assunto (no caso, a cultura em geral). Mas � evidente que aquelas devem ser postas a servi�o destas, e n�o ao contr�rio. Uma analogia tornar� isso mais claro: o jornalismo m�dico � jornalismo, isto �, tem de atender �s imposi��es da t�cnica industrial jornal�stica, mas por outro lado seria absurdo que alterasse o conte�do da ci�ncia m�dica para adapt�-la a essas imposi��es: o que tem de ser amoldado � t�cnica jornal�stica � a difus�o da medicina, e n�o a medicina mesma. Caso contr�rio, o jornalismo m�dico seria uma esp�cie de c�pia inferior da medicina - uma falsa medicina amoldada ao gosto jornal�stico. Ora, o que acontece nos nossos suplementos culturais � que, em vez de amoldar-se �s exig�ncias mais altas da cultura, eles procuram esprem�-las no padr�o jornal�stico de cada publica��o, isto �, nos crit�rios de interesse vigentes no notici�rio geral. Assim, por exemplo, entre um livro excelente sobre assunto alheio ao notici�rio geral e um livro ruim sobre assunto de interesse jornal�stico, este �ltimo � que � valorizado. Com isto, o jornalismo cultural torna-se apenas "jornalismo geral de assunto cultural", perdendo o que � espec�fico do jornalismo cultural. O espec�fico, em cada �rea de jornalismo, reside precisamente em incorporar crit�rios que, em si, n�o s�o jornal�sticos, mas s�o pr�prios do assunto como tal. Uma p�gina de turfe, por exemplo, n�o privilegiar� um j�quei por ser um tipo bonit�o ou por ter matado a m�e (destaques que seriam leg�timos no notici�rio geral), mas por ter se desempenhado bem segundo crit�rios estritamente turf�sticos. Isto � t�o �bvio que nem deveria precisar ser explicado, mas o nosso jornalismo est� t�o doente que tem dificuldade em entender essas coisas.

Concorda com a id�ia de que o Jornalismo Cultural tornou-se uma institui��o? Por qu�?

Durante os anos da ditadura, a imprensa, paradoxalmente, melhorou muito, ao tornar-se o centro dos grandes debates nacionais, chegando a superar, em certos pontos, o debate universit�rio. O prest�gio cultural de alguns jornais e revistas subiu �s nuvens. Os atuais suplementos culturais s�o o efeito materializado desse prest�gio, s�o prest�gio institucionalizado. Infelizmente, a for�a que os constituiu desde dentro j� se extinguiu, e eles s�o apenas uma c�pia de si mesmos.

Como s�o realizados os trabalhos numa editoria cultural?

Isso mudou muito. Antigamente, quem escrevia para os suplementos culturais eram as pessoas de real valor nas diferentes �reas da cria��o cultural. Vale a pena voc�s darem uma espiada nos antigos suplementos do Estad�o, do JB, de O Jornal, etc. Eram uma coisa assombrosa. A partir do momento em que os crit�rios jornal�sticos gerais come�aram a predominar sobre as exig�ncias espec�ficas de cada �rea da cultura, julgou-se que qualquer rep�rter deveria ser capaz de fazer mat�rias culturais - o que � um crit�rio absurdo, que n�o se ousa adotar, por exemplo, no jornalismo esportivo, onde ainda se respeita o conhecimento especializado. No antigo jornalismo cultural, n�o havia pauta, exceto para uma ou duas mat�rias: para o resto, formava-se um grande corpo de colaboradores especializados, cada qual capaz de acompanhar as novidades no seu pr�prio setor, e respeitava-se o material que enviassem. No estilo atual, os editores de suplementos (em geral eles pr�prios gente de forma��o apenas jornal�stica e sem nenhum m�rito especial em literatura ou ci�ncias, por exemplo) se tornaram tiranetes e a pauta se tornou uma r�gua destinada a tudo nivelar pela altura da cabe�a deles. Para piorar, adotou-se nas p�ginas culturais a medida padr�o das mat�rias do notici�rio geral, sempre curtinhas porque se destinam a um p�blico que supostamente odeia ler. Hoje em dias os ensaios brilhantes de Otto Maria Carpeaux ou �lvaro Lins seriam recusados sob a alega��o de falta de espa�o (tanto mais absurda e demag�gica quanto mais os jornais cresceram em n�mero de p�ginas desde a d�cada de 50). E o mais deprimente de tudo � que esses editores, quanto menos se exige deles em preparo cultural, mais autoridade adquirem: eles t�m hoje at� mesmo o direito de meter a caneta no texto alheio, como se um escritor profissional fosse um foquinha necessitado da s�bia assist�ncia de um copy desk. Os suplementos culturais de hoje assinalam, enfim, uma usurpa��o da cultura pela classe jornal�stica - gente t�o prepotente quanto a casta militar que nos governou por vinte anos.

Quais os crit�rios usados nas cr�ticas culturais?

� dif�cil generalizar, mas acho que a import�ncia jornal�stica, o apelo pol�tico imediato e as prefer�ncias de grupos reivindicantes acabaram por predominar sobre o crit�rio do interesse profundo, que subentende uma vis�o hist�rica muito mais abrangente do que, em geral, a dos resenhistas. O que acaba vigorando � uma concep��o redutivista, onde s� tem import�ncia nas p�ginas culturais aquilo que poderia ser transferido tal e qual para as p�ginas de notici�rio geral, comportamento, divers�es, etc. Aquilo que tenha import�ncia somente intelectual, filos�fica ou cient�fica, sem se traduzir em conseq��ncias pol�ticas ou comportamentais imediatas, � como se n�o existisse.

 

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