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Debate com Duguin - II
Olavo de Carvalho
debateolavodugin.blogspot.com,
6 de abril de 2011
“Prestad noblemente vuestro auxilio
a los que son los menos
contra los que son los más.”
(José ORTEGA Y GASSET,
Conselho à Juventude Espanhola)
§ 1. Nossas missões respectivas neste debate
§ 2. Da argumentação à fofoca pura e
simples
§ 3. O Consórcio
§ 4. Por que o Consórcio deseja o socialismo
§ 5. De que lado estou
§ 6. Individualismo e coletivismo
§ 7. O sentimento de solidariedade comunitária nos
EUA
§ 8. Maldades comparadas
§ 9. Geopolítica e História
§ 10. O verdadeiro agente histórico por trás
do eurasismo
§ 1. Nossas missões respectivas
neste debate
A ciência política, como já afirmei, nasceu no
instante em que Platão e Aristóteles distinguiram
entre o discurso dos agentes políticos em conflito e o
discurso do observador científico que tenta compreender o
que se passa entre eles. É certo que com o tempo os agentes
políticos podem aprender a usar certos instrumentos do
discurso científico para seus próprios fins;
é certo também que o observador científico
pode ter preferências pela política deste ou daquele
agente. Mas isso não muda em nada a validade da
distinção inicial: o discurso do agente
político visa a produzir certas ações que
favoreçam a sua vitória, o do observador
científico, a obter uma visão clara do que
está em jogo, compreendendo os objetivos e meios de
ação de cada um dos agentes, a
situação geral onde a competição se
desenrola, quais seus desenvolvimentos mais prováveis e
qual o sentido dos acontecimentos no quadro mais amplo da
existência humana.
A função do observador científico torna-se
ainda mais distinta da dos agentes quando ele não quer nem
pode tomar partido de nenhum deles e se mantém à
distância necessária para descrever o quadro com o
máximo de realismo ao seu alcance.
Desde o início desta troca de mensagens com o prof. Duguin,
procurei deixar claros estes dois pontos:
1. Ele é declaradamente um agente político, e toda a
descrição que apresenta do estado de coisas é
determinada pelos objetivos práticos que pretende
alcançar. É natural, portanto, que ele veja o mundo
dividido em dois, um lado bom e um lado mau, procurando angariar
simpatias para o lado que ele considera bom e lançar contra
o lado que lhe parece mau a máxima quantidade de
ódio que se encontre disponível na praça.
2. Minha descrição do quadro, ao contrário,
apresenta um mundo dividido entre três forças
principais em disputa, nenhuma das quais conta com a mais
mínima simpatia da minha parte, embora, em termos de perigo
físico imediato para a espécie humana, uma delas
já tenha demonstrado uma superioridade arrasadora em face
das outras duas. Matando em poucas décadas um total
aproximado de 140 milhões de pessoas, mais do que todas as
guerras, epidemias e catástrofes naturais de toda ordem
haviam matado pelo menos desde o início da Era
Cristã, russos e chineses já provaram ter um grau de
truculência, de maldade, de desrespeito pela vida humana,
que transcende as possibilidades do mais odiento homem-bomba
islâmico ou do mais frio e maquiavélico banqueiro
ocidental. Isso é um fato puro e simples, e nem toda a
tagarelice eurasiana do mundo pode amenizar o escândalo de
duas hordas de assassinos que, em vez de pagar pelos crimes que
cometeram contra seus próprios povos, reivindicam agora,
com ares de inocência, de santidade e até de
autoridade divina, uma chance de ampliá-los em escala
mundial. Apesar disso, as outras duas correntes globalizantes
não me parecem dignas de maior admiração e
respeito -- no mínimo, no mínimo, por haverem se
acumpliciado ao genocídio russo-chinês, um entre os
anos 30 e 60, favorecendo com dinheiro a granel e paternais
concessões diplomáticas a construção
das duas tiranias mais mortíferas de todos os tempos, o
outro agora mesmo, andando de mãozinhas dadas, no
Fórum Social Mundial e em toda parte, com os porta-vozes
ostensivos ou camuflados de uma ideologia que a sua própria
religião condena.
As fotografias que, a título de condensação
humorística, anexei à minha primeira mensagem,
documentam toda a diferença entre o agente político
investido de planos globais e meios de ação em
escala imperial e o observador científico não
só desprovido de uma coisa e da outra, mas firmemente
decidido a rejeitá-las e a viver sem elas até o fim
dos seus dias, já que são desnecessárias e
inconvenientes à missão de vida que ele escolheu e
que é, para ele, a única justificativa
razoável da sua existência. [1]
§ 2. Da argumentação
à fofoca pura e simples
Essa assimetria dos papéis respectivos do agente
político e do observador científico reflete-se, em
seguida, nas descrições que ambos fazem da
situação mundial, o primeiro desenhando-a como uma
luta entre o Bem e o Mal e, mui modestamente, reivindicando para
si o papel de encarnação do Bem; o segundo
apresentando-a antes como uma disputa entre três males
pestíferos e não alimentando muitas ilusões
quanto ao que da sua concorrência possa resultar para a
humanidade nas próximas décadas.
Tanto eu quanto o prof. Duguin estamos desempenhando nossas
tarefas respectivas com o máximo de
dedicação, seriedade e honestidade. Mas essas
tarefas não são a mesma. A dele é recrutar
soldados para a luta contra o Ocidente e a
instauração do Império Eurasiano universal. A
minha é tentar compreender a situação
política do mundo para que eu e meus leitores não
sejamos reduzidos à condição de cegos em
tiroteio no meio do combate global; para que não sejamos
arrastados pela voragem da História como folhas na
tempestade, sem saber de onde viemos nem para onde somos levados.
A diferença entre as missões que nos propusemos
determina a dos meios intelectuais e verbais usados nas nossas
respectivas exposições. Ele emprega todos os
instrumentos usuais da propaganda política: a
simplificação maniqueísta, a
rotulação infamante, as insinuações
pérfidas, a indignação fingida do culpado que
se faz de santo e, last not least, a
construção do grande mito soreliano – ou
profecia auto-realizável –, que, simulando descrever
a realidade, ergue no ar um símbolo aglutinador na
esperança de que, pela adesão da platéia em
massa, o falso venha a se tornar verdadeiro. Eu, da minha parte,
tudo o que posso fazer é usar os meios de esclarecimento
analítico criados pela filosofia ao longo dos
milênios – a começar pela própria
distinção entre os discursos do agente e do
observador –, aplicando-os a uma multidão de fatos
colhidos nas mais variadas fontes, inclusive remotas e mal
conhecidas do público, e não nas da mídia
popular, que refletem antes o esforço persuasivo e
manipulatório de um dos agentes do que um intuito
sério de apreender a realidade. Não é
coincidência que o meu oponente apele sobretudo à
credibilidade dessa mídia, jogando com o poder
magnético dos lugares-comuns consagrados – “o
mundo unipolar”, “a agressividade americana”,
“o imperialismo”, a “anarquia do livre
mercado”, “o individualismo” etc. –, sem
reparar em dois detalhes: (1) Esses topoi são
postos em circulação pela mesma mídia
pertencente à elite globalista ocidental, e ao
usá-los como bases do seu esforço persuasivo o prof.
Duguin aceita como juiz supremo da realidade aquele mesmo inimigo
que ele próprio rotula de origem do mal e pai da mentira.
(2) Ao respaldar o seu anti-americanismo no da mídia
globalista, ele milita implicitamente, mas com a veemência
explosiva das contradições reprimidas, contra a sua
alegação explícita (a qual comentarei mais
adiante) de que globalismo é americanismo, de que o
objetivo da elite global é aumentar o poder e a
glória dos EUA.
Não digo, é claro, que o prof. Duguin seja
desonesto. Mas ele está se devotando honestamente a um tipo
de combate que, por definição e desde que o mundo
é mundo, é a encarnação da
desonestidade por excelência. Em vista disso, não
é de estranhar que ele tente remanejar a própria
situação de debate para forçá-la a
tomar partido dele no grande combate tal como ele o concebe.
Para tanto, ele tem de falsificar, em primeiríssimo lugar,
a posição do seu contendor, fazendo de mim o
porta-voz e adepto do globalismo ocidental, contra o qual,
não obstante, tenho escrito páginas e mais
páginas na mídia brasileira, ao ponto de ser
acusado, por isso, de “teórico da
conspiração”, o rótulo infamante
padronizado que a elite globalista usa com mais
freqüência para intimidar os que ousem
investigá-la.
Não contente com isso, ele tem de jogar contra mim a
hostilidade de meus compatriotas, insinuando que, por morar nos
EUA e ter escrito algumas coisas em favor do conservadorismo
americano, sou algo assim como um traidor da pátria.
Vejamos como ele realiza esse tour de force:
“...a América Latina e o Brasil em particular,
têm algumas diferenças sociais e culturais em
relação às sociedades e culturas
européias ou norte-americanas. No caso do Prof. Carvalho,
o fato de que ele viva nos EUA, tem um papel importante.
Não digo sua residência geográfica, mas sua
identificação cultural. Isso é confirmado
pelos textos do Prof. Carvalho que consegui ler. Eles
testemunham sua adesão à tradição
norte americana (em sua versão
“tradicionalista” ou de “direita”) e sua
distância das principais características da atitude
cultural crítica brasileira para com os Estados Unidos.
Estando politicamente à direita, eu suponho que o Prof.
Carvalho repreenda o “esquerdismo” latino e
brasileiro. Minha simpatia nesse caso está do lado da
América Latina. Sendo eu um crítico dos EUA e da
Civilização Ocidental como um todo, eu encontro
características (eurasianas) nas sociedades da
América Central e do Sul. Portanto, de certa forma, eu
sou muito mais pró-Brasil do que o ‘brasileiro
puro’ Prof. Carvalho que defende certos aspectos
(conservadores) dos EUA e o Ocidente como um todo.”
Esse parágrafo é de uma incoerência magistral.
Se o que importa não é minha “residência
geográfica” e sim minha
“identificação cultural”, o fato de eu
viver nos EUA ou na Zâmbia não pode fazer aí a
menor diferença. E se o prof. Dugin menciona o meu local de
residência ao mesmo tempo que afirma que não é
disso que se trata, para que serve então essa
menção? Serve apenas como excipiente para a
insinuação venenosa que vem em seguida: por ser
tão anti-americano quanto a esquerda brasileira, ele seria
“muito mais pró-Brasil” do que eu, como se o
esquerdismo que vigora no Brasil fosse a mais pura
expressão da cultura patriótica e não o
enxerto importado que realmente é. Ao qualificar o
esquerdismo brasileiro de “eurasiano” o prof. Duguin
mostra, ademais, não saber praticamente nada da
situação brasileira. Quem quer que tenha acompanhado
as grandes mudanças na política econômica,
jurídica e cultural do Brasil nos últimos vinte
anos, sabe que todas elas vieram prontas das centrais globalistas
– ONU, OMS, UNESCO, Bilderberg, Rockefeller,
Fundação Ford, George Soros, etc. Em política
econômica, os últimos governos brasileiros nada mais
fizeram que seguir fielmente as instruções do Banco
Mundial. No campo da saúde, todas as reformas adotadas
foram recomendações expressas da OMS. Os
princípios “politicamente corretos” impostos
pelo governo a toda a sociedade brasileira foram impostos a esse
governo, por sua vez, pela ONU e pelas fundações
bilionárias. E nem preciso mencionar a alegria obscena com
que o governo Lula cedeu até mesmo partes do
território brasileiro à administração
internacional, contra a vontade expressa da
população local. Tudo isso é arqui-sabido no
Brasil, mas as notícias parecem não ter chegado
à Rússia.
Que tão abjeta subserviência venha acompanhada de
demonstrações histriônicas de
anti-americanismo é a prova mais evidente de que se pode
estar contra os EUA e a favor da elite globalista ao mesmo tempo.
Como haveria de ser de outro modo, se desde há meio
século o anti-americanismo mundial é amplamente
financiado por essa mesma elite?
Se o prof. Dugin me citar um único projeto de lei aprovado
no Brasil, ao longo dos últimos vinte anos, que tenha sido
inspirado por ele e não por algum Rockefeller ou Soros,
admitirei que o Brasil é “eurasiano”.
Sua alegação de ser “mais
pró-Brasil” do que eu é apenas uma fofoca, uma
tentativa pueril de jogar contra mim os meus compatriotas,
pintando-me como americanista e anti-brasileiro. Na verdade, tenho
sido, na grande mídia brasileira praticamente o
único colunista a protestar contra a prepotência
globalista que se considera dona do nosso território.
Não hesito em dizer que nas últimas décadas o
nacionalismo brasileiro, de nobre tradição, se
degradou ao ponto de transformar-se num anti-americanismo
histriônico usado para encobrir o sacrifício da
soberania nacional às exigências do globalismo. Nesse
sentido, o prof. Dugin está do lado de um Brasil de
papier maché, enquanto eu, com os modestos
instrumentos de que disponho, me incumbo de defender a
pátria real contra inimigos de carne e osso.
Se, por um lado, ele finge minimizar a importância do meu
local de residência, ao mesmo tempo em que o enfatiza para
insinuar que sou um americanista anti-brasileiro, só tenho
a declarar que a contradição mesma do seu discurso
nesse ponto revela aquele jogo de esconde-esconde, típico
da rotulação demagógica. Devo lembrar ao
prof. Dugin que o fundador mesmo do Nacional-Bolchevismo, Eduard
Limonov, morou nos EUA até por mais tempo do que eu;
ademais escreveu um romance que se passa nos EUA. Por que, no caso
dele, não vale o mesmo critério de
“identificação cultural” usado para mim?
Após ter confundido posição social e
crença ideológica, o prof. Duguin confunde esta com
residência geográfica, à qual, ao mesmo tempo
e paradoxalmente, nega toda importância. Seria bom se ele
decidisse por qual meio planeja queimar a minha
reputação: apelando a duas insinuações
contraditórias ele só mostra a
vacilação característica do fofoqueiro
tímido que diz o mal e ao mesmo tempo jura não estar
dizendo nada. Não tomo nada disso como ofensa –
não conheço alma mais lenta em ofender-se do que a
minha –, apenas julgo que o problema que estamos discutindo
já é complicado o bastante sem essas fintas e
rodeios que só servem para confundir os leitores.
Também não faz sentido pintar-me como defensor do
“Ocidente como um todo”, quando estou justamente
enfatizando a divisão desse Ocidente e, nela, tomando
partido dos que não detêm no momento o poder de
Estado nem nos EUA nem na Europa. Se dissesse que defendo metade
do Ocidente contra a outra metade e que acuso esta última
de cumplicidade com o eurasismo, o prof. Dugin estaria mais
próximo da verdade.
[2]
§ 3. O Consórcio
Se falsifica até mesmo a identidade do seu contendor neste
debate, com quanto mais empenho não o fará o prof.
Duguin com a da sua bête noire, o globalismo
ocidental, que ele procura deliberadamente confundir com o poder
nacional americano?
A elite globalista não é apenas uma vaga classe
social de capitalistas e banqueiros. É uma entidade
organizada, com existência contínua há mais de
um século, que se reúne periodicamente para
assegurar a unidade dos seus planos e a continuidade da sua
execução, com a minúcia e a precisão
científica com que um engenheiro controla a
transmutação do seu projeto em edifício.
A expressão mesma “elite global”, que tenho
usado, não dá uma idéia exata da natureza
dessa entidade. Muito melhor é o nome sugerido no
título do livro de Nicholas Hagger,
The Syndicate.
[3] Só não a copio
ipsis litteris porque sua equivalente brasileira denota
organizações trabalhistas, que em inglês
não se chamam “sindicatos” e sim
unions, enquanto Syndicate se usa mais para
associações comerciais e patronais, dando o sentido
preciso do que Hagger pretende dizer. Contorno portanto essa
dificuldade adotando o termo “Consórcio”, que
será usado daqui por diante.
O Consórcio é a organização de grandes
capitalistas e banqueiros internacionais, empenhados em instaurar
uma ditadura mundial socialista (já veremos por que
socialista). São tantos os documentos e estudos que
descrevem meticulosamente sua origem, sua história, sua
constituição e modus operandi, que nenhuma
desculpa se pode admitir para o desconhecimento da matéria,
sobretudo em pessoas que pretendem opinar a respeito. Não,
isto não é uma insinuação contra o
prof. Duguin. Ele está perfeitamente informado a respeito,
e se erra nas conclusões que emite não é por
ignorância, é porque a índole essencialmente
belicosa do seu enfoque o impele a dividir o panorama em duas
metades simetricamente opostas, falsificando o quadro todo e
mandando para o limbo da inexistência todos os fatos que
impugnam essa simplificação maniqueísta.
Tão abundante é a bibliografia sobre o
Consórcio, que toda tentativa de resumi-la aqui seria
vã. Só o que cabe fazer é indicar alguns
títulos essenciais, que o leitor citados aqui e ali ao
longo desta exposição, e destacar alguns pontos
indispensáveis à compreensão deste debate:
1. O Consórcio formou-se há mais de cem anos, por
iniciativa dos Rothschild, uma família multipolar, com
ramificações na Inglaterra, na França e na
Alemanha desde o século XVIII pelo menos.
2. O Consórcio reúne algumas centenas de
famílias bilionárias para a consecução
de planos globais que assegurem a continuidade e expansão
do seu poder sobre todo o orbe terrestre. Esses planos são
de longuíssimo prazo, transcendendo o tempo de
duração das vidas dos membros individuais da
organização e mesmo o da existência
histórica de muitos Estados e nações
envolvidos no processo.
3. O Consórcio é uma organização
dinástica, cuja continuidade de ação é
assegurada pela sucessão de pais a filhos desde há
muitas gerações. Veremos adiante (§ 9,
“Geopolítica e História”) que esse tipo
de continuidade é o fator que distingue entre os
verdadeiros sujeitos agentes do processo histórico e as
formações aparentes, veneráveis o quanto
sejam, que se agitam na superfície das épocas como
sombras chinesas projetadas na parede.
4. O Consórcio atua por meio de uma multiplicidade de
organizações subsidiárias espalhadas pelo
mundo todo, como por exemplo o Grupo Bilderberg ou o
Council on Foreign Relations, mas não tem ele
próprio uma identidade jurídica. Isso é uma
condição essencial para a sua atuação
no mundo, permitindo-lhe comandar inumeráveis processos
políticos, econômicos, culturais e militares sem
poder jamais ser responsabilizado diretamente pelos resultados (ou
pela iniqüidade dos meios), seja ante os tribunais, seja ante
o julgamento da opinião pública. Tendo agentes
fidelíssimos espalhados em vários governos – e
no comando de alguns deles –, é sobre esses governos
que recai, no debate público, a responsabilidade pelas
decisões e ações do Consórcio, fazendo
com que os Estados e nações usados como seus
instrumentos se tornem também, automaticamente e sem a
menor dificuldade, seus bodes expiatórios. É esta a
explicação de que tantas decisões
políticas manifestamente contrárias aos interesses e
até à sobrevivência das nações
envolvidas sejam depois, paradoxalmente, atribuídas a
ambições nacionalistas e imperialistas fundadas no
“interesse nacional”. Os exemplos históricos
são muitos, mas, para ficarmos no presente, basta notar que
o presidente Obama, notório servidor do Consórcio,
gastou em apenas uma semana 500 milhões de dólares
num esforço de guerra destinado a entregar o governo da
Líbia a facções políticas
declaradamente anti-americanas, podendo ser então acusado
de imposição tirânica do poder americano no
instante mesmo em que debilita esse poder e o põe a
serviço de seus inimigos, tornando-se alvo da fúria
“anti-imperialista” destes últimos no ato mesmo
de ajudá-los paternalmente a demolir a força e o
prestígio dos EUA. Não fez outra coisa o presidente
Lyndon Johnson quando enviou os soldados americanos à
guerra ao mesmo tempo que lhes amarrava as mãos para que
não pudessem vencê-la de maneira alguma, tornando-se
assim, ante a mídia de esquerda, o supremo agressor
imperialista, quando era na verdade o melhor amigo secreto dos
vietcongues. Mesmíssima desgraça produziu o
presidente Clinton quando, ao fornecer ajuda à
Colômbia para que combatesse o comércio de drogas,
impôs como condição para isso que “as
organizações políticas” envolvidas no
narcotráfico fossem deixadas incólumes: o
narcotráfico não diminuiu, apenas seu controle foi
transferido das quadrilhas apolíticas para as Farc, que,
enriquecidas e livres de concorrentes, puderam então
financiar a construção do Foro de São Paulo e
a transformação da América Latina quase
inteira numa fortaleza do anti-americanismo militante. Duplamente
presenteada, a esquerda latino-americana pôde assim
beneficiar-se de um fabuloso acréscimo de poder e ao mesmo
tempo protestar, com ares de indignação, contra a
“intervenção imperialista” à qual
deviam o mais generoso dos favores. Os exemplos poderiam
multiplicar-se ad infinitum.
[4] Esse é o modo de
ação característico do Consórcio: usar
os governos como instrumentos de planos que prejudicam as suas
nações, e depois ainda acusá-los de
prepotência nacionalista e imperialista.
5. O Consórcio é uma entidade
característicamente supra-nacional, formada de
famílias de nacionalidades diversas, independente e
soberana em face de qualquer interesse nacional possível e
imaginável. Um breve exame da lista dessas famílias
basta para demonstrá-lo com evidência sobrante. Supor
que os Onassis, os Dupont, os Agnelli, os Schiff, os Warburg, os
Rothschild, o príncipe Bernhard e a rainha Beatrix da
Holanda, o rei Juan Carlos da Espanha, o rei Harald V da Noruega
sejam todos patriotas americanos, empenhados em exaltar o poder e
a glória dos EUA, é uma hipótese tão
boba, tão pueril que nem merece discussão. A
identificação do poder globalista com o interesse
nacional americano – como outrora com o Império
Britânico ou variados colonialismos – é apenas
a camuflagem de praxe com que essa entidade onipresente confere a
si própria as vantagens e confortos de uma relativa
invisibilidade, batendo e roubando com mão alheia para
não queimar os dedos nas fogueiras que vai ateando pelo
mundo (e contando, para isso, com a colaboração
servil da mídia internacional, que pertence a membros do
próprio Consórcio).
§ 4. Por que o Consórcio deseja o
socialismo
Toda a bibliografia existente sobre o Consórcio atesta que
o objetivo dele é a instauração de uma
ditadura socialista mundial. Mas pessoas que desconhecem essa
bibliografia, e ademais estão acostumadas a raciocinar com
base nos significados usuais das palavras, sem ter em conta a
tensão dialética entre estas e os objetos reais que
designam, encontram uma dificuldade medonha em entender que
capitalistas e banqueiros possam desejar o socialismo. Afinal,
socialismo não é propriedade estatal dos meios de
produção? Capitalismo não é
propriedade privada? Como haveriam os capitalistas de querer que o
Estado tomasse suas propriedades? Baseadas nesse mimoso
raciocínio, que um programa de computador faria tão
bem quanto elas se alimentado com as definições dos
termos respectivos, aquelas criaturas então negam que o
Consórcio exista ou afirmam resolutamente que ele é
pró-capitalista, anticomunista, americanista, anti-russo,
antichinês e anti-islâmico. Feito isso, estão
prontas para admitir que a divisão do mundo tal como a
delineia o prof. Duguin é a pura expressão da
realidade.
No entanto, a técnica filosófica milenar, que
aquelas pessoas desconhecem por completo, ensina que as
definições de termos expressam apenas
essências gerais abstratas, possibilidades lógicas e
não realidades. De uma definição não
se pode jamais deduzir que a coisa definida existe. Para isso
é preciso quebrar a casca da definição e
analisar as condições requeridas para a
existência da coisa. Caso essas condições
não se revelem autocontraditórias, excluindo
in limine
a possibilidade da existência, ainda assim essa
existência não estará provada. Será
preciso, para chegar a tanto, colher no mundo da experiência
dados factuais que não somente a comprovem, mas que
confirmem sua plena concordância com a essência
definida, excluindo a possibilidade de que se trate de outra coisa
bem diversa, coincidente com aquela tão-somente em
aparência.
Quem quer que tente fazer isso com a definição de
“socialismo” chegará a conclusões que,
para o raciocinador mecânico e leitor devoto da mídia
popular, parecerão chocantes e aterradoras.
Desde logo, que é “propriedade dos meios de
produção”? Não é mera posse,
é propriedade legal, é reconhecimento, pela
autoridade estatal legítima, do direito que o
proprietário tem de dispor da sua propriedade como bem
entenda, dentro, é claro, dos limites da lei.
“Propriedade privada dos meios de
produção” significa que o Estado garante esse
direito a cidadãos particulares ricos o bastante para ter
uma fábrica, uma fazenda, um banco – os chamados
“burgueses”; “propriedade estatal dos meios de
produção” significa que o garante somente para
si mesmo, depenando os burgueses.
Acontece que, desde o ponto de vista do marxismo, que criou esses
termos e a interpretação correspondente, a
noção mesma de “propriedade legal”
é uma invencionice burguesa destinada a encobrir a crua e
brutal dominação de classe. O mundo inteiro das
constituições, leis e decretos é, segundo o
marxismo, uma “superestrutura ideológica” que
não faz nenhum sentido em si mesma e só se explica
como adorno enganoso usado para legitimar a
exploração dos pobres pelos ricos. Por trás
da idéia de “propriedade legal” é
preciso portanto investigar e descobrir as condições
de controle real, prático – a estrutura de poder, em
suma. O burguês não detém o controle dos meios
de produção por ter “direito legal” a
eles, mas por ter a seu serviço todo um aparato de
repressão, intimidação,
marginalização e até liquidação
física de quem ponha a sua propriedade em risco, real ou
hipoteticamente. A estrutura do poder – a ordem do terror
– é a realidade por trás da camuflagem legal.
Isso quer dizer, desde logo, que a passagem do controle dos meios
de produção, da classe burguesa para a vanguarda
revolucionária, não pode jamais, em hipótese
alguma, ser uma transferência legal de propriedade. Essa
transferência pressuporia a existência de uma ordem
legal que a legitimasse, e a revolução socialista
não pode destruir somente a propriedade privada: tem de
negar e destruir a ordem legal inteira. Pior: ao criar a nova
ordem legal que a substitui, não pode, como os burgueses,
fingir acreditar que ela é uma realidade em si. Tem de
admitir francamente, ostensivamente, que não se trata de
uma ordem legal, mas do poder nu e cru da força
revolucionária. No socialismo, não há ordem
legal acima do poder do Partido. Isso não só
é assim na realidade, mas os socialistas
revolucionários têm orgulho em proclamar que é
assim.
Ademais, no contexto burguês, a propriedade implica alguma
responsabilidade legal. O proprietário capitalista responde
ante a autoridade estatal pelo mau uso que faça da sua
propriedade – senão contra os proletários, ao
menos contra os outros burgueses. Mas ante quem há de
responder uma autoridade que está acima da própria
ordem legal? O governo revolucionário não pode ser
um “proprietário” no sentido em que o eram os
burgueses. Estes eram proprietários para a ordem
legal, garantidos por ela e responsáveis diante dela. O
governo socialista não é um proprietário:
é um controlador absoluto, independentemente e acima de
qualquer ordem legal.
Muitas décadas atrás os maiores cérebros do
campo socialista já perceberam que isso os colocava diante
de uma escolha incontornável: ou criavam logo uma ditadura
implacável, totalitária, sangrenta, da qual
não poderiam se livrar jamais e que acabaria por mandar ao
cárcere ou ao pelotão de fuzilamento os
revolucionários mesmos, como de fato veio a acontecer em
todos os lugares onde se optou por essa alternativa;
[5] ou, ao
contrário, seria preciso implantar o socialismo por
métodos graduais e incruentos, usando como instrumento o
próprio aparato jurídico-político da
sociedade burguesa e conservando, na medida do possível, a
quota mínima de direitos e responsabilidades legais
necessária para proteger, se não a
população em geral, ao menos a própria elite
revolucionária.
Qual dessas vias foi escolhida? As duas, apenas com uma
distinção territorial: nas áreas onde fosse
possível tomar o poder pela violência, a ditadura era
a única via admissível; nos demais países,
era preciso promover a ascensão progressiva do controle
estatal da economia, sem fazer do Estado o proprietário
legal direto dos meios de produção, o que o tornaria
sujeito a responsabilidades jurídicas e cobranças
que poderiam retardar e obstaculizar a própria caminhada
rumo ao socialismo.
Note-se, portanto, que em nenhum dos dois casos se tratava de
“propriedade estatal dos meios de
produção”. Na ditadura socialista, havia o
controle brutal, direto, imune às responsabilidades legais
de um proprietário. O próprio Karl Marx chamara a
isso “capitalismo cru” – algo muito mais cruel e
arbitrário do que aquilo que mais tarde receberia o
rótulo de “capitalismo selvagem”. Nos demais
países, onde vigorasse a estratégia
“pacífica”, o Estado se esquivava das
responsabilidades diretas de um proprietário, ao mesmo
tempo que subjugava os proprietários legais por meio de
controles fiscais, trabalhistas, sanitários,
técnicos etc., até o ponto em que os capitalistas se
tornariam simples gerentes a serviço do Estado, arcando, ao
mesmo tempo, com as responsabilidades legais às quais o
Estado se furtava. Karl Marx previra também essa
possibilidade, ao ensinar que a transição da
propriedade da burguesia para o Estado devia ser lenta e gradual,
efetuando-se através de instrumentos indiretos como o
imposto de renda progressivo.
Apesar de conflitos esporádicos, as duas estratégias
sempre trabalharam em sentido convergente. A
colaboração foi tão estreita que a Sociedade
Fabiana, a encarnação máxima da “via
pacífica para o socialismo” no Ocidente, recebia
instruções diretamente do governo soviético,
no momento mesmo em que este, na Rússia, implantava a ferro
e fogo a estatização militarizada dos meios de
produção.
Com o tempo, porém, os adeptos da estratégia radical
tiveram que acabar concordando que o crescimento e
aperfeiçoamento do aparato estatal moderno de controle
social e econômico – sob a inspiração,
aliás, do próprio socialismo – tornava
inviável a tomada do poder por via insurrecional.
Daí por diante só eram possíveis as
“revoluções desde cima” – as
revoluções dirigidas pelo próprio Estado, por
via administrativa, legal, fiscal e policial.
Ademais, a estatização completa dos meios de
produção mostrou-se inviável, não
só na prática como até na teoria. Em 1922 o
economista Ludwig von Mises explicou que, eliminado o livre
mercado, todos os preços teriam de ser determinados pelo
Estado. Mas, de um lado, o número de produtos em
circulação a qualquer momento era grande demais para
que um órgão estatal pudesse calcular seus
preços antecipadamente. De outro lado, para controlar os
preços o governo precisaria também ter o
conhecimento antecipado de todos os recursos financeiros à
disposição do público em cada momento. Em
suma: o controle dos preços subentendia o controle total da
economia, que por sua vez tinha de começar pelo controle
dos preços. Só uma inteligência divina poderia
superar esse círculo vicioso. Sendo impossível o
controle dos preços, não havia controle geral da
economia, portanto não havia socialismo nenhum. O
máximo que se conseguiria fazer seria um socialismo
nominal, com uma vasta liberdade residual de mercado que
não poderia ser extinta nunca. Embora uns poucos
teóricos do socialismo estrilassem, como por exemplo Eduard
Kardelj, ministro da Economia da Iugoslávia, a maioria,
rosnando entre dentes, admitiu que von Mises tinha razão.
Até o fim, todas as economias comunistas do mundo tiveram
de suportar um capitalismo clandestino que acabou por se revelar
uma condição sine qua non da
sobrevivência do regime.
Daí, duas conseqüências decorriam
incontornavelmente:
1) O socialismo deixava de ser um “regime”, um
“estado de coisas” para se tornar um
“processo”. Não havia um “Estado
socialista” a ser atingido de uma vez para sempre, mas
apenas um “Estado socializante” condenado a
aproximar-se do socialismo sem jamais alcançá-lo,
como numa assíntota. Todos os Estados socialistas que
já existiram foram assim, e os que vierem a existir
serão assim eternamente. A definição do
socialismo como propriedade estatal dos meios de
produção é autocontraditória, e toda
tentativa de realizar na prática uma teoria
autocontraditória acaba por gerar
contradições reais insolúveis.
Conclusão? O que se acaba realizando é alguma coisa
de bem diferente do que estava definido de início. Tal
é a dialética fatal das relações entre
pensamento e realidade. Os belos raciocinadores mecânicos
que mencionei no início deste parágrafo não
vão entender isso nunca.
2) À medida que os controles estatais iam crescendo em
número e complexidade, as pequenas empresas não
tinham recursos financeiros para atendê-los e acabavam
falindo ou sendo vendidas a empresas maiores – cada vez
maiores. Resultado: o “socialismo” tornou-se a mera
aliança entre o governo e o grande capital, num processo de
centralização do poder econômico que favorece
a ambos os sócios e não arrisca jamais desembocar na
completa estatização dos meios de
produção.
Os grandes beneficiários dessa situação
são, de um lado, as elites intelectuais e políticas
de esquerda; de outro, aqueles a quem chamei
“metacapitalistas”: capitalistas que enriqueceram de
tal modo no regime de liberdade econômica que já
não podem continuar se submetendo às
flutuações do mercado:
“Se o sistema medieval havia durado dez séculos, o
absolutismo não durou mais de três. Menos ainda
durará o reinado da burguesia liberal. Um século de
liberdade econômica e política foi suficiente para
tornar alguns capitalistas tão formidavelmente ricos que
eles já não querem submeter-se às veleidades
do mercado que os enriqueceu. Querem controlá-lo, e os
instrumentos para isso são três: o domínio do
Estado, para a implantação das políticas
estatistas necessárias à eternização
do oligopólio; o estímulo aos movimentos socialistas
e comunistas que invariavelmente favorecem o crescimento do poder
estatal; e a arregimentação de um exército de
intelectuais que preparem a opinião pública para
dizer adeus às liberdades burguesas e entrar alegremente
num mundo de repressão onipresente e obsediante
(estendendo-se até aos últimos detalhes da vida
privada e da linguagem cotidiana), apresentado como um
paraíso adornado ao mesmo tempo com a abundância do
capitalismo e a ‘justiça social’ do comunismo.
Nesse novo mundo, a liberdade econômica indispensável
ao funcionamento do sistema é preservada na estrita medida
necessária para que possa subsidiar a
extinção da liberdade nos domínios
político, social, moral, educacional, cultural e religioso.
“Com isso, os metacapitalistas mudam a base mesma do seu
poder. Já não se apóiam na riqueza enquanto
tal, mas no controle do processo político-social. Controle
que, libertando-os da exposição aventurosa às
flutuações do mercado, faz deles um poder
dinástico durável, uma neo-aristocracia capaz de
atravessar incólume as variações da fortuna e
a sucessão das gerações, abrigada no
castelo-forte do Estado e dos organismos internacionais. Já
não são megacapitalistas: são
metacapitalistas – a classe que transcendeu o
capitalismo e o transformou no único socialismo que algum
dia existiu ou existirá: o socialismo dos
grão-senhores e dos engenheiros sociais a seu
serviço.”
[6]
O “socialismo socializante”, destinado a tomar para
sempre o lugar de um impossível “socialismo
socializado” pode ser o inferno da maioria dos
empresários, mas é o paraíso dos capitalistas
maiores – as dinastias bilionárias que formam,
precisamente, o Consórcio. Eternamente garantidos pela
burocracia estatal contra a liberdade de mercado e pela
inviabilidade intrínseca do socialismo contra a
estatização definitiva dos meios de
produção, ainda são ajudados nos dois
sentidos por um aliado fiel: a tecnologia, que, de um lado,
aprimora os instrumentos de controle social ao ponto de poder
determinar até a conduta privada dos cidadãos sem
que estes possam nem mesmo perceber que são manipulados e,
de outro, insufla criatividade no livre mercado de modo que este
possa continuar crescendo mesmo sob o controle estatal mais
opressivo.
Assim entende-se claramente por que as megafortunas do
Consórcio têm estimulado e subsidiado o socialismo e
a subversão esquerdista de maneira tão universal,
obsessiva e sistemática, pelo menos desde os anos 40.
É fato inegável que a construção do
parque industrial soviético, bem como da sua força
militar, foi devida substancialmente a dinheiro americano (de
membros do Consórcio) que para lá fluiu sem
expectativa de retorno. Quem tenha alguma dúvida a
respeito, que consulte os três volumes do estudo
clássico do economista britânico Antony Sutton,
Western Technology and Soviet Technological Development
(Hoover Institution Press, Stanford University, 1968-1973), bem
como seus livros
National Suicide: Military Aid to the Soviet Union
(Arlington House, 1974),
Wall Street and the Bolshevik Revolution (Buccaneer
Books, 1999) e The Best Enemy Money Can Buy (Liberty
House, 1986).
O livro de René A. Wormser,
Foundations: Their Power and Influence (Covenent House
Books, 1993) relata os trabalhos da Comissão Reese do
Congresso Americano, que já nos anos 50 evidenciou a
colaboração ativa das grandes
fundações bilionárias com movimentos
comunistas e anti-americanos por toda parte. Que as descobertas da
Comissão não resultassem em nenhuma medida, seja
punitiva, seja destinada a estancar o fluxo de dinheiro para a
subversão, é a prova mais evidente do poder do
Consórcio para manipular recursos americanos contra os mais
óbvios interesses nacionais dos EUA.
Por fim, o florescimento industrial da China desde os anos 90, e
sua transfiguração de favela continental no mais
poderoso inimigo potencial dos EUA seria impensável sem os
investimentos dos EUA e sem a autodestruição
planejada do parque industrial americano.
É verdade que, após as reformas econômicas
liberalizantes do governo Yeltsin, a Rússia entrou numa
decadência econômica acelerada, da qual alguns
capitalistas americanos se beneficiaram um bocado. Porém,
quê esperavam os líderes russos depois da
extinção do regime comunista? Ser premiados com um
progresso econômico fantástico? O normal seria que,
em vez disso, a nação fosse posta a trabalhar duro,
com salários de fome, para pagar indenizações
aos familiares dos sessenta milhões de vítimas do
comunismo, como fizeram e fazem os alemães com os das
vítimas do nazismo. Quem impediu que isso acontecesse? O
Consórcio. Leiam em Vladimir Bukovski,
Jugement à Moscou: a grande mídia e os
organismos internacionais – dois braços do
Consórcio – opuseram tanta resistência à
investigação judicial dos delitos soviéticos,
que, de todos os países egressos do comunismo, só
um, o Camboja, conseguiu instalar um tribunal para o julgamento
dos crimes do regime comunista, e mesmo assim o fez com atraso
formidável, graças ao boicote promovido pela ONU
contra o empreendimento.
Os russos, responsáveis maiores pelo advento do comunismo,
foram tratados nas últimas décadas com uma
generosidade escandalosa, e ainda reclamam de que, extinto o
regime assassino, não ganharam tanto dinheiro quanto
queriam, não receberam por seus crimes hediondos o
prêmio que esperavam do Ocidente.
§ 5. De que lado estou
Isso não quer dizer, evidentemente, que eu não seja
a favor de nada, nem veja forças positivas em
ação no mundo. Mas, precisamente, essas
forças não se contam entre os agentes principais em
disputa e não têm, ao menos no momento, nenhum plano
ou estratégia global que possa neutralizar ou desarmar os
três monstros. Entre elas, eu destacaria: (1) as comunidades
cristãs, católicas ou protestantes, de todos os
países; [7] (2) a
nação judaica; (3) o nacionalismo conservador
americano. Nenhuma das três está lutando para dominar
o mundo. Ao contrário: por um decreto unânime dos
blocos globalistas, as três estão marcadas para
morrer.
Se para alguém vão as minhas simpatias, é
para esses três condenados à morte. Não que eu
pretenda opor, aos três projetos de dominação
global, três projetos alternativos presentemente
anêmicos. Caso houvesse planos para a
instauração de uma ditadura mundial cristã,
judaica ou redneck, eu estaria entre os primeiros a
denunciá-los, como denuncio os militaristas russo-chineses,
os oligarcas ocidentais e os apóstolos do Califado
Universal. Mas esses planos não existem. A luta das
três facções desavantajadas que mencionei
não é pelo poder mundial: é pela
sobrevivência pura e simples.
Que a extinção do cristianismo
católico-protestante, do Estado de Israel e da
América nacionalista está no programa dos três
grandes blocos globalistas, é coisa que não precisa
ser provada, tão patente é o assalto cultural,
midiático, político e jurídico que se move
contra essas entidades desde três direções
diversas e convergentes (voltarei a isto numa das próximas
mensagens).
Também não é preciso provar, por demasiado
evidente, que até agora essas três comunidades
só têm respondido ao ataque mediante
reações pontuais, esporádicas e totalmente
inconexas, sem qualquer articulação de conjunto,
seja dentro de cada um desses campos, seja, mais ainda, entre os
três. Uma frente unida mundial cristã, judaica e
nacionalista americana não seria má idéia,
mas, por enquanto, não vejo sinal que acene nessa
direção. Parece até que os representantes das
três comunidades têm medo de pensar nisso, antevendo
imaginariamente a reação brutal de seus inimigos.
Por outro lado, é sabido que a Rússia e a China
são os maiores fornecedores de armas para movimentos
terroristas. Por que o governo americano não o denuncia e
não força as duas potências, sob pena de
sanções econômicas, a parar com isso? É
simples: o Consórcio não deixa. Ninguém, na
elite globalista, aceita defender seu país contra os mais
danosos “aliados” que a América já teve.
Por fim, não é preciso enfatizar todas as
iniciativas tomadas por organismos internacionais e por
vários governos do Ocidente – a começar pelo
da Inglaterra – para favorecer a invasão
islâmica e debilitar, ao mesmo tempo, a
tradição cristã que seria, obviamente, a
única resistência cultural possivelmente eficaz
contra o avanço do islamismo militante na Europa e nos EUA.
Se, diante de todos esses fatos, o prof. Duguin ainda insiste que
o Consórcio é o grande inimigo dos blocos
russo-chinês e islâmico, só pode ser por um de
dois motivos: (1) o eurasismo, como o esquerdismo, é mais
um truque com que o Consórcio se fortalece por meio de um
inimigo fingido; (2) o movimento eurasista é
genuíno, mas nasce daquela neurose típica do pobre
orgulhoso, que, ante a ajuda recebida, sente antes inveja e rancor
do que gratidão e, em vez de retribuir generosidade com
amizade, só pensa em destruir o benfeitor, tomar o seu
lugar e depois contar a história às avessas,
fazendo-se de vítima em vez de beneficiário.
[8]
Ainda é cedo para saber qual das duas hipóteses
é a verdadeira. Mas uma coisa é certa: não
há uma terceira hipótese.
§ 6. Individualismo e coletivismo
Comecei a minha mensagem inaugural apontando a assimetria entre o
observador isolado, que fala apenas em seu próprio nome, e
o líder que expressa a vontade política de um
partido, de um movimento, de um Estado ou de um grupo de Estados.
O prof. Duguin viu aí a cristalização
simbólica da oposição entre individualismo e
coletivismo, Ocidente e Oriente.
Essa não me parece ser uma aplicação correta
das regras do simbolismo, que tanto ele quanto eu aprendemos em
René Guénon.
Um simbolismo genuíno deve respeitar as fronteiras entre
distintos planos de realidade, em vez de confundi-los. Onde o
prof. Duguin viu um símbolo, eu vejo apenas uma
metáfora, e aliás bastante forçada.
O individualismo como nome de uma corrente ideológica
é uma coisa; outra completamente diversa, sem nenhuma
conexão com ela, é a posição de um ser
humano na base, no meio ou no topo da hierarquia de comando. Desta
não pode se deduzir aquela, nem ver na
posição social de um indivíduo um
“símbolo” da sua identidade ideológica
real ou suposta. Caso contrário, todo escritor sem suporte
numa organização política seria
necessariamente um adepto do individualismo ideológico,
incluídos nisso os fundadores do nacional-bolchevismo,
Limonov e Duguin, no tempo em que começaram,
solitários e ignorados do mundo, a especular suas primeiras
idéias. Ser um indivíduo isolado é uma coisa;
ser um individualista é outra, quer tomemos a palavra
“individualista” no sentido de um hábito moral
ou de uma convicção ideológica. A
dedução implícita no “simbolismo”
que o prof. Duguin acredita ter encontrado é um perfeito
non sequitur. O simbolismo autêntico, segundo
René Guénon, deve ir para além e para cima da
lógica, em vez de ficar abaixo das suas exigências
mais elementares.
Mais ainda, em vez de colar à força na minha lapela
o distintivo de adepto do individualismo ocidental, o prof. Duguin
poderia ter perguntado o que penso a respeito. Afinal, a liberdade
de expressão num debate não consiste apenas no poder
que cada um dos debatedores tem de responder x ou y a uma
questão dada, mas também, e eminentemente, na sua
possibilidade de rejeitar a formulação da pergunta e
recolocar a questão toda desde seus fundamentos, conforme
bem lhe pareça.
Na minha modestíssima e individualíssima
opinião, “individualismo” e
“coletivismo” não são nomes de entidades
históricas substantivas, distintas e independentes,
separadas como entes materiais no espaço, mas
rótulos que alguns movimentos políticos usam para
carimbar-se a si próprios e a seus adversários. Ora,
a ciência política, como já afirmei, nasceu no
momento em que Platão e Aristóteles começaram
a entender a diferença entre o discurso dos vários
agentes políticos em conflito e o discurso do observador
científico que tenta entender o conflito (que mais tarde os
agentes políticos aprendessem a imitar a linguagem da
ciência não invalida em nada essa
distinção inicial). Logo, nossa principal
obrigação num debate intelectualmente sério
é analisar os termos do discurso político, para ver
que ações reais se insinuam por baixo deles, em vez
de tomá-los ingenuamente como traduções
diretas e francas de realidades efetivas.
Com toda a evidência, os termos “individualismo”
e “coletivismo” não expressam princípios
de ação lineares e unívocos, mas dois feixes
de tensões dialéticas, que se manifestam em
contradições reais cada vez que se tente levar
à prática, como se isto fosse possível, uma
política linearmente “individualista” ou
“coletivista”.
Desde logo, e para ficar só nos aspectos mais simples e
banais do assunto, cada um desses termos evoca de imediato um
sentido moralmente positivo junto com um negativo, não
sendo possível, nem mesmo na esfera da pura
semântica, separar um do outro para dar a cada um dos termos
uma conotação invariavelmente boa ou má.
O “individualismo” sugere, de um lado, o
egoísmo, a indiferença ao próximo, a
concentração de cada um na busca de seus interesses
exclusivos; de outro lado, sugere o dever de respeitar a
integridade e a liberdade de cada indivíduo, o que
automaticamente proíbe que o usemos como mero instrumento e
coloca portanto limites à consecução de
nossos propósitos egoístas.
O “coletivismo” evoca, de um lado, a solidariedade, o
sacrifício que cada um faz de si pelo bem de todos; de
outro lado, evoca também o esmagamento dos
indivíduos reais e concretos em nome de benefícios
coletivos abstratos e hipotéticos.
Quando vamos além da mera semântica e observamos as
políticas autonomeadas “individualistas” e
“coletivistas” em ação no mundo, notamos
que a duplicidade de sentido embutida nos termos mesmos se
transmuta em efeitos políticos paradoxais, inversos aos
bens ou males subentendidos no uso desses termos como adornos ou
estigmas.
O velho Hegel já ensinava que um conceito só se
transmuta em realidade concreta mediante a inversão do seu
significado abstrato.
Essa transmutação é uma das mais
notáveis constantes da história humana.
O coletivismo, como política da solidariedade geral,
só se realiza mediante a dissolução das
vontades individuais numa hierarquia de comando que culmina na
pessoa do guia iluminado, do Líder, do Imperador, do
Führer, do Pai dos Povos. Nominalmente incorporando na sua
pessoa as forças transcendentes que unificam a massa dos
joões-ninguéns e legitimam quantos
sacrifícios a ela se imponham, essa criatura, na verdade,
não só conserva em si todas as fraquezas,
limitações e defeitos da sua individualidade
inicial, mas, quase que invariavelmente, se deixa corromper e
degradar ao ponto de ficar abaixo do nível de integridade
moral do indivíduo comum, transformando-se num doente
mental desprezível. Hitler rolando no chão em
transes de mania persecutória, Stalin deleitando-se de
prazer sádico em condenar à morte seus amigos mais
íntimos sob a alegação de crimes que
não haviam cometido, Mao Dzedong abusando sexualmente de
centenas de meninas camponesas que prometera defender contra a
lubricidade dos proprietários de terras, mostram que o
poder político acumulado nas mãos desses
indivíduos não aumentou de um só miligrama o
seu poder de controle sobre si mesmos, apenas colocou à sua
disposição meios de impor seus caprichos individuais
à massa de súditos desindividualizados. A
solidariedade coletiva culmina no império do
“Indivíduo Absoluto”.
[9] E esse indivíduo, que a propaganda
recobre de todas as pompas de um enviado dos céus,
não é jamais um exemplo de santidade, virtude e
heroísmo, mas sim de maldade, abjeção e
covardia. O absoluto coletivismo é o triunfo do
Egoísmo Absoluto.
O individualismo tomado em sua acepção negativa, por
seu lado, não somente não pode ir até
às suas últimas conseqüências
políticas, mas não tem sequer como ser levado
à prática na esfera das ações
individuais mais modestas. O total desamor aos semelhantes, a
devoção exclusiva à busca de vantagens
individuais, exclui por hipótese o desejo de reparti-las
com outras pessoas. Sonegando ao próximo os
benefícios obtidos na atividade egoísta, esse
hipotético individualista extremado se subtrairia a si
próprio de todo convívio humano e cairia na mais
negra solidão, tornando-se ipso facto impotente
para qualquer atividade social, portanto também para a
consecução de seus objetivos egoístas. O tipo
do usurário misantropo, que fugindo a todo contato humano
se fecha no seu cofre-forte para desfrutar sozinho a posse de
riquezas que não pode usar é talvez um bom
personagem de contos de fadas ou histórias em quadrinhos,
mas não pode existir na vida real. Na mais arrojada das
hipóteses o prazer egoísta que ele poderia
alcançar seria o de masturbar-se no banheiro, recusando-se
a tomar como objeto de sua fantasia erótica senão a
sua própria pessoa e ninguém mais. É da
natureza das coisas que o coletivismo possa ser levado até
aquele ponto extremo em que se converte no seu oposto – o
reino do Indivíduo Absoluto –, ao passo que o
individualismo egoísta só pode ser praticado dentro
de limites estritos que não lhe permitem ir muito
além da afetação e da pose. O individualismo
egoísta não é uma linha de ação
prática; é a justificação fingida com
que um sujeito nem mais nem menos egoísta do que a
média da humanidade se faz de tough guy. E
é óbvio que mesmo o mais empedernido
tough guy prefere desfrutar de prazeres em companhia de
amigos, de parentes, de uma amante, em vez de trancar-se no
banheiro com a sua própria pessoa só para não
ter de admitir que fez algum bem ao próximo.
Quanto ao individualismo tomado no sentido do respeito e
devoção à integridade dos indivíduos,
sua prática não só é viável
como constitui a única base sobre a qual se pode criar
aquele ambiente de solidariedade humanitária que é a
meta proclamada – e jamais alcançada – do
coletivismo.
§ 7. O sentimento de solidariedade
comunitária nos EUA
Não é coincidência que o país onde mais
se cultivou a liberdade dos indivíduos seja também
aquele em que a participação em atividades
comunitárias de índole caritativa e
humanitária seja a maior do mundo. Este traço da
vida americana é amplamente ignorado fora dos EUA (e
totalmente ocultado pelo anti-americanismo militante de
Hollywood), mas não vejo motivo para acreditar antes nas
opiniões deformadas e fantasias odientas da
indústria internacional de mídia do que naquilo que
vejo com meus próprios olhos todos os dias e que pode ser
confirmado a qualquer momento com dados quantitativos
substanciais. Eis alguns:
[10]
1. Os americanos são o povo que mais contribui para obras
de caridade no mundo.
2. Os EUA são o único país do mundo onde as
contribuições populares para obras de caridade
superam o total da ajuda governamental.
3. Entre os doze povos que mais doam em
contribuições voluntárias – EUA, Reino
Unido, Canadá, Austrália, África do Sul,
República da Irlanda, Holanda, Singapura, Nova
Zelândia, Turquia, Alemanha e França –, as
contribuições americanas são mais que o dobro
das do segundo colocado (Reino Unido). Se algum
engraçadinho quiser depreciar a importância desse
dado, alegando “Eles dão mais porque são mais
ricos”, esqueça: as contribuições
não estão aí classificadas em números
absolutos, mas em porcentagem do PNB. Os americanos simplesmente
arrancam mais do próprio bolso para socorrer pobres e
doentes, mesmo em países inimigos. As solidaríssimas
Rússia e China nem entram na lista dos contribuintes.
4. Os americanos adotam mais crianças órfãs
– inclusive de países inimigos – do que
todos os outros povos do mundo somados.
5. Os americanos são o único povo que, em cada
guerra de que participam, reconstroem a economia do país
derrotado, mesmo ao preço de fazer dele um concorrente
comercial e um inimigo poderoso no campo diplomático.
Comparem o que os EUA fizeram na França, na Itália,
na Alemanha e no Japão com o que os chineses fizeram no
Tibete ou a Rússia no Afeganistão (detalhes nas
mensagens subseqüentes).
6. Os americanos não oferecem aos pobres e necessitados
somente o seu dinheiro. Dão-lhes o seu tempo de vida, sob a
forma de trabalho voluntário. O trabalho voluntário
é uma das mais velhas e sólidas
instituições da América. Metade da
população americana dedica o seu tempo a trabalhar
de graça para hospitais, creches, orfanatos,
presídios etc. Que outro povo, no mundo, fez da
compaixão ativa um elemento essencial do seu estilo de
existência?
7. Mais ainda, o valor que a sociedade americana atribui às
obras de generosidade e compaixão é tanta, que
nenhum potentado das finanças ou da indústria pode
se esquivar de fazer anualmente imensas
contribuições a universidades, hospitais, etc., pois
caso se recuse a fazê-lo será imediatamente rebaixado
do estatuto de cidadão honrado ao de inimigo
público.
O prof. Duguin opõe o individualismo americano ao
“holismo” russo-chinês. Diz que no primeiro as
pessoas só agem segundo suas preferências
individuais, enquanto no segundo elas se integram em objetivos
maiores propostos pelo governo. Mas, com toda a evidência,
os governos da Rússia e da China têm-lhes proposto
antes matar os seus semelhantes do que socorrê-los: nenhuma
obra caritativa, na Rússia e na China, jamais teve as
dimensões, o custo, o poder e a importância social do
Gulag, do Laogai e das polícias secretas,
organizações tentaculares incumbidas de controlar
todos os setores da vida social mediante a opressão e o
terror.
Em segundo lugar, é verdade que os americanos não
fazem o bem porque a isso são forçados pelo governo,
mas porque são estimulados a fazê-lo pelos valores
cristãos em que acreditam. A liberdade de
consciência, em vez de descambar em pura anarquia e luta de
todos contra todos, é moderada e canalizada pela unidade da
cultura cristã que, malgrado todos os esforços da
elite globalista para marginalizá-la e destruí-la,
ainda é hegemônica nos EUA. John Adams, o segundo
presidente dos EUA, já dizia que uma
Constituição como a americana, assegurando liberdade
civil, econômica e política para todos, só
servia para um povo moral e religioso e para nenhum outro. A prova
de que tinha razão é que, tão logo os
princípios da moral cristã começaram a ser
corroídos desde cima, pela ação do governo
aliado às forças globalistas e à esquerda
internacional que o prof. Duguin tanto preza como reserva moral da
humanidade, o ambiente de honestidade e rigidez puritana que
prevalecia no mundo americano dos negócios cedeu lugar a
uma epidemia de fraudes como nunca se vira antes na
história do país. O fenômeno está
amplamente documentado no livro de Tamar Frankel,
Trust and Honesty: America's Business Culture at a
Crossroad
(Oxford University Press, 2006).
O que digo não se baseia só em estatísticas.
Vivo há seis anos neste país e aqui sou tratado com
um carinho e uma compreensão que nenhum brasileiro, russo,
francês, alemão ou argentino (para não falar
de cubanos ou chineses) desfrutou jamais na sua própria
terra. Tão logo me instalei neste matagal da
Virgínia, vieram vizinhos de todos os lados, trazendo doces
e presentes, oferecendo-se para levar as crianças à
escola, para nos apresentar à igreja da nossa
preferência, para nos mostrar os lugares interessantes da
região, para nos ajudar a resolver problemas
burocráticos, e assim por diante.
Good neighborhoord não é slogan de
propaganda. É uma realidade viva. É uma
instituição americana, não existe em nenhum
outro lugar do mundo e não foi o governo que a criou. Vem
desde os tempos da Colônia de Jamestown (1602). Embora eu e
minha família sejamos católicos, o primeiro lugar
que visitamos aqui foi a Igreja Metodista, a mais próxima
da minha casa. Chegamos lá, e que estavam fazendo os
crentes? Uma coleta de dinheiro para os meninos de rua... do
Brasil! Coleta acompanhada de discursos e exortações
de partir o coração. Senti vergonha de contar
àquela gente que, segundo estudos oficiais, a maior parte
dos “meninos de rua” brasileiros têm casa, pai e
mãe, e só estão na rua porque gostam. A
compaixão americana ignora a mentira e a safadeza de muitos
de seus beneficiários estrangeiros: nasce da crença
ingênua de que todos os filhos de Deus são, ao menos
no fundo, fiéis ao Pai.
Os americanos são tímidos e têm sempre a
impressão de que estão incomodando. Logo após
a recepção inicial, preferem manter distância,
não se meter na sua vida. Só chegam perto se
você os convida. “I don’t want to impose”
é uma frase quase obrigatória quando visitam
alguém. Mas tenha algum problema, sofra alguma dificuldade,
e eles virão correndo para ajudá-lo, com a
solicitude de velhos amigos. E isso não é só
com os recém-chegados. Às vezes os próprios
americanos, acostumados a ouvir falar mal do seu povo, se
surpreendem ao descobrir a inesgotável reserva de bondade
nos corações de seus compatriotas. Leiam este
depoimento de Bruce Whitsitt, um campeão de artes marciais
que de vez em quando escreve para o American Thinker:
“Both before and after Dad died, good Samaritans
came out of nowhere to offer aid and comfort. I discovered
that my parents were surrounded by neighbors who had known
them and cared about them for many years…
After it was all over, I was struck by the unbelievable
kindness of everyone who helped.
At the end of the day, this tragedy reopened my eyes to
the deep-running goodness of Americans. So many people in
this country are decent and good simply because they have
grown up in the United States of America, a society that
encourages charity and neighborliness. Decency is not an
accident; in countries such as the old Soviet Union,
indifference was rampant and kindness rare because virtue
was crushed at every turn. America, on the other hand, has
cultivated freedom and virtuous behavior, which allows
goodness to flourish. Even in Los Angeles – that
city of fallen angels, the last place on earth where I
would have expected it – I experienced compassionate
goodness firsthand.
Goodness is not something that a beneficent government can
bestow; it flows from the hearts of free citizens reared
in a tradition of morality, independence, and
resourcefulness.”
[11]
A nação americana foi fundada na idéia de que
o princípio unificador da sociedade não é o
governo, a burocracia estatal armada, mas a própria
sociedade, na sua cultura, na sua religião, nas suas
tradições e nos seus valores morais. O prof. Duguin,
que não parece conceber outro modelo de controle social
senão a teocracia imperial russa, onde a polícia e a
Igreja (mais tarde o Partido) agem de mãos dadas para
acorrentar o povo, só pode mesmo imaginar os EUA como uma
selva selvaggia de egoísmos em conflito, provando
que nada sabe da vida americana.
Não há talvez outro país no mundo onde o
senso de comunidade solidária seja tão forte quanto
nos EUA. Quem quer que tenha vivido aqui por algum tempo sabe
disso, e no mínimo se surpreende ante a
presunção de que a China ou a Rússia sejam,
sob esse aspecto, modelos que os americanos devessem copiar.
Também é certo que esse senso comunitário
só pode florescer num ambiente de liberdade, onde o governo
não imponha à sociedade nenhum modelo
“holístico” de bondade oficial. A maior prova
disso é o conflito aberto que hoje existe entre aquilo que
Marvin Olasky, num livro clássico, chama de
“compaixão antiga” e a caridade estatal que
há quatro décadas vem tentando tomar o seu lugar.
Onde quer que esta última tenha prevalecido, aumenta a
criminalidade, as famílias se dissolvem e o individualismo
egoísta sufoca o espírito de bondade inerente ao
individualismo libertário tradicional.
[12] Não foi só em livros como
o de Olasky que aprendi isso. Vejo-o todos os dias com os meus
próprios olhos. Na Virgínia, onde a
população de negros é tão grande
proporcionalmente quanto no Brasil, a diferença de conduta
entre os negros velhos e os jovens dá na vista de cada
visitante. Aqueles são as pessoas mais gentis do mundo,
têm uma espécie de elegância natural que
é o equilíbrio exato entre a humildade e a altivez.
Os jovens são irritadiços, arrogantes, prontos a
exibir uma superioridade que não existe, a sentir-se
ofendidos por qualquer bobagem e a chamar os brancos para briga
sem o menor motivo. De onde vem a diferença? Os velhos
foram criados no ambiente da compaixão antiga, os jovens no
do assistencialismo estatal que os envenena de ressentimento
“politicamente correto”.
A vida no interior dos EUA é a melhor prova de que a
solidariedade comunitária tem nada a ver com coletivismo
estatal e é mesmo o contrário dele. Quanto mais
intervenção “holista” aparece, mais os
laços naturais se desfazem, mais as pessoas se afastam umas
das outras, mais a “sociedade de confiança” de
que falava Alain Peyrefitte
[13] se deixa substituir pela sociedade da
suspeita, da hostilidade mútua, do ódio e do
exclusivismo grupal. É o caminho que leva, em última
instância, ao Estado Policial. O prof. Duguin sabe
perfeitamente disso, tanto que sua defesa do “holismo”
contra o “individualismo” culmina na apologia aberta e
franca do regime ditatorial como modelo para o mundo inteiro.
§ 8. Maldades comparadas
O prof. Duguin diz também que exponho suficientemente os
pecados da KGB, do Partido Comunista e da Al-Qaeda, mas não
menciono os crimes da América, como “a infantaria
imperial, Hiroshima e Nagasaki, a ocupação do Iraque
e do Afeganistão e o bombardeio da Sérvia”.
Ele cobra de mim o que tenho a dizer sobre isso.
Ora, o que tenho a dizer são duas coisas:
Primeira: Faça as contas. – Segundo o prof.
R. J. Rummel, que é provavelmente o mais respeitado
estudioso da matéria, o número de vítimas
somadas de todas as ações violentas em que o governo
americano esteve envolvido
de 1900 a 1987 é de 1.634.000 pessoas
(isso inclui duas guerras mundiais, com Hiroshima e Nagasaki de
quebra, mais a guerra do Vietnã e todas as
intervenções militares no exterior). A URSS, num
período menor, de 1917 a 1987, matou
61.911.000 pessoas, e a China,
de 1949 a 1987 apenas, matou 76.702.000. É
uma questão de aritmética elementar concluir que os
individualistas americanos, na pior das hipóteses,
são cem vezes menos assassinos do que os solidários
russos e chineses. Nenhum cérebro humano em seu
funcionamento normal pode julgar que os níveis de
periculosidade sejam iguais de parte a parte. Na ordem das
ameaças mortíferas que pesam sobre a espécie
humana, a China vem em primeiro lugar, a Rússia em segundo,
os EUA em centésimo. Quando a humanidade tiver se livrado
de noventa e nove de seus inimigos armados, começarei a me
preocupar com a tão propalada “agressividade
americana”. O prof. Duguin busca atrair
atenção para ela, inflando-a mediante palavras, para
inverter a hierarquia das precauções
razoáveis e tentar encobrir as ações dos
verdadeiros genocidas, dos verdadeiros inimigos da espécie
humana.
Segunda: Olhe o mapa. – A totalidade das
vítimas feitas pelos EUA constitui-se de estrangeiros,
mortos em combate em solo inimigo. Na contagem das vítimas
da China e da Rússia, excluí de propósito as
baixas militares: são todas civis desarmados, assassinados
em tempo de paz por seus próprios governos. Quando o
governo dos EUA, em tempo de paz, começar a matar
cidadãos americanos aos milhões, por motivo de mera
discordância política, ficarei tão preocupado
com isso quanto o prof. Duguin deveria estar agora com os
tibetanos, assassinados a granel pelos chineses e proibidos de
praticar livremente sua religião nacional.
§ 9. Geopolítica e História
Mais adiante, o prof. Duguin defende a Geopolítica contra a
minha ostensiva demonstração de pouco-caso para com
essa ciência, ou pseudociência. Com justa
razão, ele cobra de mim uma explicação a
respeito. Lá vai ela:
Meu problema com a geopolítica é que, fornecendo uma
descrição relativamente correta do estado de coisas
a cada momento, ela encobre as causas decisivas do acontecer
histórico sob uma fantasmagoria de entidades
geográficas revestidas de uma aparência de vida
própria.
As figuras que o praticante de geopolítica projeta no mapa,
com nomes de nações, Estados, Impérios, zonas
de poder etc., dando a impressão de que essas entidades
agem e constituem os verdadeiros personagens da História,
são apenas o resultado cristalizado das ações
de forças históricas muito mais profundas e
duradouras. Aquelas figuras movem-se na tela como sombras
chinesas, dando a impressão de que têm vida
própria, mas são apenas nomes e camuflagens de
agentes bem diferentes delas.
Já expliquei esse ponto nas minhas apostilas “O
método nas ciências sociais” e “Quem
é o sujeito da História”, e aqui não
posso senão resumi-las de maneira drástica e um
tanto grosseira. As perguntas básicas são: (1) Que
é a ação histórica? (2) Quem é
o sujeito da História?
Ação é a mudança deliberada de um
estado de coisas. Toda ação subentende (a) a
continuidade temporal do sujeito; (b) a unidade e continuidade das
suas intenções, tais como se revelam na
seqüência que vai de um plano aos seus efeitos
consumados. Todas as transformações no
cenário histórico resultam de ações
humanas, mas essas ações se mesclam, se
obstaculizam, se neutralizam e se modificam mutuamente, de modo
que ninguém controla o processo. As ações
mescladas não têm um sujeito agente determinado,
já que resultam precisamente da impossibilidade de algum
agente fazer prevalecerem os seus objetivos sobre os dos demais.
São transformações, mas não são
propriamente ações. Só podemos falar de
“ação histórica”, em sentido
estrito, quando um agente determinado consegue controlar na medida
do possível a situação como um todo e,
seguindo uma linha identificável de continuidade, impor ao
processo um rumo deliberado.
Exemplos de ação histórica são a
travessia do Mar Vermelho pelos judeus, a
cristianização da Europa pela Igreja
Católica, a Reforma Protestante, a Revolução
Francesa, a Revolução Russa e a
Revolução Chinesa. Em todos esses casos um
determinado agente conseguiu controlar o processo, impedindo que
suas ações fossem neutralizadas pela
interferência de outros agentes, e chegar portanto a
resultados aproximadamente idênticos aos desejados.
A História compõe-se de dois tipos de processos:
controlados e não controlados. Só os primeiros
são ações históricas e têm um
agente determinado. Os segundos têm sujeitos
múltiplos, não seguem um rumo predeterminado e
ninguém pode alegar ser o autor dos resultados que
produzem.
Em segundo lugar, só se pode chamar ação
histórica aquela que produza resultados duradouros para
além da duração da vida dos agentes
individuais envolvidos. A durabilidade no tempo é a marca
da ação histórica. O que quer que se
desfaça no ar antes da morte do agente individual só
entra na História, precisamente, como ação
frustrada, dissolvida na pasta geral das ações
concomitantes ou supervenientes e incapaz de impor um rumo aos
acontecimentos.
Agora, a segunda pergunta: Quem pode ser agente da
ação histórica? Os Estados? As
nações? Os impérios? É claro que
não. Essas entidades resultam da combinação
de forças heterogêneas que lutam para
dominá-las desde dentro. Não têm vontade
própria, mas refletem, a cada momento, a vontade do grupo
dominante, que pode ser substituído por outro grupo no
instante seguinte. Um Estado, uma Nação, um
Império, é um agente aparente manejado por outros
agentes mais duradouros, mais estáveis, capazes de
dominá-lo e usá-lo para seus objetivos, que com
freqüência transcendem o prazo mesmo de
duração das formações nacionais,
estatais e imperiais das quais se serviram. Uma expressão
como “História do Brasil” ou
“História da Rússia” é apenas uma
metonímia, que denomina como sujeito da ação
a mera área geográfica onde a ação se
desenrolou. É claro que, seguindo a narrativa ao longo de
vários séculos, é possível captar
algumas constantes, que darão uma aparência de
unidade de ação ao que é apenas a
recorrência de causas mistas, impessoais, que estão
acima do controle de quem quer que seja. Não se trata de
“ação”, mas do simples resultado
impremeditado de milhares de ações e
reações heterogêneas e inconexas. Por exemplo,
observa-se que desde a Revolução de 1789 a
França veio perdendo prestígio e poder, mas isso
decerto não estava nos planos nem da monarquia, nem dos
revolucionários, nem dos governos republicanos que se
sucederam desde então. Esse processo, como outros
similares, não é uma ação, não
tem um sujeito, tem apenas objetos passivos, que o sofrem sem
poder controlá-lo e no mais das vezes sem nem compreender a
linha das causas e conseqüências que os arrastam como
folhas levadas pelo vento.
Com toda a evidência, a ação histórica
não pode ser compreendida pelos mesmos métodos que
usamos para estudar um processo causal impremeditado. No caso
deste, é preciso reconstituir as várias
ações inconexas e averiguar como vieram a produzir
um resultado que ninguém podia controlar. No caso da
ação histórica, há no início do
processo um projeto deliberado, na duração do seu
curso uma seqüência coerente de ações, de
ajustes e de reajustes que levam o processo a um fim determinado.
A racionalidade da ação histórica é a
de meios e fins, a dos processos incontrolados é uma
conjetura interpretativa montada a posteriori por um
historiador, muitas vezes tentando dar um sentido ao que
não tem sentido algum. Neste processo, o intérprete
dos acontecimentos históricos pode ser levado a atribuir
unidade substancial, e portanto capacidade de ação
histórica, a pseudo-agentes compósitos, sem vontade
unificada, como as nações, os Estados, as classes
sociais e até acidentes geográficos.
Do mesmo modo que as nações, as “classes
sociais” não podem ser agentes históricos.
Nenhuma delas teve e jamais terá uma unidade de
propósitos apta a seguir um plano de ação
coerente ao longo de duas, três, quatro
gerações.
Para ser um agente histórico, o grupo ou entidade tem de:
(a) Acalentar objetivos permanentes ou de longo prazo.
(b) Ser capaz de prosseguir a consecução desses
objetivos para além da duração de seus
agentes individuais, para além da duração do
estado de coisas presente e para além da
duração até mesmo dos Estados,
nações e impérios envolvidos.
(c) Ser, portanto, capaz de reproduzir agentes individuais aptos a
prosseguir a ação ao longo dos séculos e
adaptar os planos originários às diferentes
situações que se apresentam, sem perder de vista as
metas iniciais.
Somente as seguintes entidades obedecem a essas
condições:
(1) As grandes religiões universais.
(2) As organizações iniciáticas e
esotéricas.
(3) As dinastias reais e nobiliárquicas e suas similares.
(4) Os movimentos e partidos ideológicos
revolucionários.
(5) Os agentes espirituais: Deus, anjos e demônios.
Tudo, absolutamente tudo o que acontece no cenário
histórico, ou vem de uma dessas forças, ou é
resultado de uma combinação descontrolada de
forças. A própria formação e
dissolução das nações, Estados e
impérios vem disso – o que significa, em
última análise, que essas entidades não
são sujeitos agentes, mas resultados, e por isso mesmo
também instrumentos, das ações de
forças que as transcendem, abrangem e determinam, sendo
essas forças constituídas ou pelos agentes
históricos genuínos ou pela combinação
descontrolada de ações diversas.
Já na primeira página de sua clássica
Teoria Geral do Estado, o grande Georg Jellinek ensinava:
“Os fenômenos da vida social humana dividem-se em duas
classes: aqueles que são essencialmente determinados por
uma vontade diretriz, e aqueles que existem ou podem existir sem
uma organização devida a atos de vontade. Os
primeiros estão submetidos necessariamente a um plano, a
uma ordem, emanados de uma vontade consciente, em
oposição aos segundos, cuja ordenação
repousa em forças muito diferentes.”
[14]
Dessa advertência devem deduzir-se algumas regras
metodológicas incontornáveis:
1) Jamais confundir os dois tipos de processos, nem aplicar
indistintamente a um os conceitos explicativos desenvolvidos para
o outro.
2) Não esquecer que os processos incontrolados
também resultam, ao menos em parte, de ações
deliberadas, porém parciais, que se mesclam e se modificam
umas às outras sem um controle geral.
Infringir a regra número 1 é a
ocupação primordial dos intérpretes
mencionados acima, sobretudo aqueles que procuram identificar, sob
a massa heteróclita de acontecimentos, um “sentido da
História”. Ao mais mínimo sinal de uma
coerência, de uma similaridade, de uma
repetição analógica nos resultados de longo
prazo das ações incontroladas, esses
metafísicos do pseudo-ser estão prontos a aí
descobrir premeditações insconscientes,
intenções coletivas e, enfim, a atribuir a unidade
de ação dos verdadeiros sujeitos a fantasmas
coletivos, a abstrações e entes de razão.
§ 10. O verdadeiro agente
histórico por trás do eurasismo
Um exemplo de força histórica que transcende
infinitamente as fronteiras e a duração de Estados e
Impérios é a Igreja Ortodoxa, da qual o prof. Dugin
se diz um crente. Foi ela que deu unidade e conteúdo
cultural ao império de Kiev. Sobreviveu a ele quando o
centro de poder moscovita instaurou um novo império.
Sobreviveu à queda desse império e às seis
décadas de terror que se seguiram, e saiu incólume
ao ponto de poder inspirar ao prof. Dugin um novo projeto imperial
russo. As sucessivas formações nacionais e estatais
que apareceram e desapareceram do mapa russo ao longo dessa
história são apenas sombras que o corpo gigantesco
da Igreja Ortodoxa projeta sobre o mundo oriental, conservando sua
unidade de propósitos enquanto as forças
políticas surgem e se desfazem no ar como bolhas de
sabão. Prof. Dugin: olhe para a sua Igreja, e saberá
o que é um agente histórico. As unidades
geopolíticas nascem da iniciativa dos agentes
históricos e só parecem agir por si próprias
porque os agentes genuínos, além de discretos por
natureza, atuam num ritmo de fundo, mais lento do que a
própria formação e dissolução
das unidades geopolíticas.
A força da Igreja Ortodoxa como agente histórico
penetrou fundo no cérebro do próprio prof. Dugin,
moldando a sua noção “holista” do
império teocrático. Ele não concebe o
império senão como estrutura emanada da Igreja e
unida a ela, simbolicamente, na pessoa do Tzar. Numa entrevista
dada em 1998 a uma revista polonesa,
[15] ele qualifica de “heresia”
a distinção de Igreja e Império que moldou a
civilização do Ocidente. Mas, sem essa
separação, a única hipótese que resta
é de as fronteiras da expansão religiosa coincidirem
milimetricamente com o mapa do Império. Ora, os
vários impérios ou nações imperiais
existentes na história sempre tiveram fronteiras bem
definidas que os separavam de outros impérios e das
nações independentes. Neste caso, a religião
imperial torna-se apenas uma religião nacional ampliada.
Que é então o Tzar? Das duas uma, ou ele é o
chefe de uma mera religião nacional sem possibilidade de
expandir-se para além das suas fronteiras e olhando com
mortal inveja a expansão da sua concorrente ocidental, ou
então, se quer que sua religião se imponha como
crença universal, tem de invadir todos os países e
tornar-se imperador do mundo. Tanto o projeto Nacional-Bolchevique
quanto a sua versão eurasiana nascem de uma
contradição interna da religião imperial
russa. O projeto eurasiano é a única saída
que a Igreja Ortodoxa tem se não quiser ficar confinada aos
limites da nação russa, falhando à sua
missão declarada de religião universal. A Igreja
Católica Romana, enquanto isso, pode expandir-se
confortavelmente até as últimas fronteiras do
Paraguai e da China sem precisar levar nas costas um
império. Foi isso, de fato, o que aconteceu, enquanto a
Igreja Ortodoxa, através do prof. Dugin, ainda está
buscando uma saída para o mundo e não vê outro
meio de encontrá-la senão constituir-se em
Império Mundial. Todo o mundo de idéias do prof.
Dugin é um reflexo de um drama interno, estrutural, da
Igreja Ortodoxa. Toda a conversa sobre fronteiras
geopolíticas é apenas um arranjo estratégico
para tentar, uma vez mais, realizar o sonho impossível
desse grande e portentoso agente histórico que, ao escolher
ser religião imperial, se condenou a ficar preso dentro de
fronteiras nacionais ou partir para uma guerra mundial.
Notas:
1. Houve, entre os
leitores, alguns – poucos, felizmente – que foram
idiotas o bastante para interpretar aquelas fotos como
captatio benevolentiae, sem reparar que elas são
a tradução humorística mas exata e realista
de um fato puro e simples (que por sua vez ilustra sem a mais
mínima ênfase retórica a
distinção platônico-aristotélica
fundamental), e até como sintoma de autopiedade, como se
eu estivesse lamentando, e não agradecendo aos
céus, a nulidade do meu estoque de armas de
destruição em massa e outros instrumentos de
ação bélica e política que abundam
nas mãos do meu oponente. Pergunto-me onde eu poderia
esconder, no jardim da minha casa, um arsenal de bombas
atômicas e algumas toneladas de armas químicas, e a
quem eu poderia vender essa tralha toda no caso de a guerra
mundial não se realizar.
[voltar]
2. É certo que ele
diz que, se existem duas Américas, uma delas, aquela que
defendo, é “puramente virtual”, e só a
outra tem ação política significativa. Mas
quanto vale esse raciocínio, ele mesmo o demonstra mais
tarde, ao dizer que, dos três grupos globalistas que
distingui, só um é politicamente ativo e
relevante, enquanto os outros dois só tratam,
coitadinhos, de se defender. Se estar limitado a atitudes de
defesa ante um poder maior é o mesmo que ser apenas
virtual, então esse raciocínio não deveria
aplicar-se somente à América conservadora, mas aos
blocos russo-chinês e islâmico. No meu entender, o
poder menor que uma facção desfruta não a
torna meramente virtual, pois é das facções
mais fracas que advêm, no curso do tempo, as grandes
mudanças históricas. Se os dois blocos
anti-ocidentais estão lutando para desalojar um inimigo
mais poderoso, isso é o mesmo que está fazendo a
América conservadora, hoje constituída por pelo
menos metade do eleitorado dos EUA. Seria ótimo se o
prof. Dugin usasse os termos “real” e
“virtual” com mais seriedade, em vez de
empregá-los para fazer desaparecer do quadro os fatores
que debilitam o seu argumento. [voltar]
3. Nicholas Hagger,
The Syndicate. The Story of the Coming World Government, Ropley, Hants (UK), O-Books, 2004.
[voltar]
4. E não são
só exemplos pontuais. Destruir o poder, a economia e a
soberania dos EUA por meio de medidas que depois serão
atribuídas à motivação exatamente
oposta e imputadas à “voracidade imperialista
ianque”, tal tem sido a estratégia geral do
Consórcio nas suas relações com o governo
americano há muitas décadas. Vejam por exemplo a
sucessão de acordos monetários globais celebrados
desde Bretton Woods (1944). Todos eles são explicados
como lances de um processo de dominação da
economia mundial pelos EUA. É uma
interpretação, nada mais, mas uma
interpretação que, de tão repetida, encobre
e torna invisível o fato bruto de que, quando esses
acordos começaram, os EUA eram o maior credor do mundo;
hoje são o maior devedor, à beira da
falência. Se é verdade que “pelos frutos os
conhecereis”, a verdade óbvia é que o poder
do Consórcio e o dos EUA não crescem em
proporção direta, mas inversa.
[voltar]
5. A qual acarretava
ademais a criação de uma classe dominadora mais
poderosa e indestrutível do que a própria
burguesia jamais fora. [voltar]
6. Olavo de Carvalho,
“História de quinze séculos”,
Jornal da Tarde (São Paulo), 17 de junho de
2004, reproduzido em
www.olavodecarvalho.org/semana/040617jt.htm. [voltar]
7. Especialmente as da
África e da Ásia, que hoje refluem para a Europa e
a América do Norte, num esforço heróico de
recristianizar quem um dia os cristianizou. By the way,
o padre da paróquia que freqüento é um negro
ugandense. [voltar]
8. Mais
explicações sobre este e outros tópicos
desta mensagem foram dadas na minha aula número 99 do
Seminário de Filosofia (26 de março de 2011), cuja
transcrição se encontra nos sites
www.seminariodefilosofia.org
e
www.olavodecarvalho.org. [voltar]
9. O termo é de
Julius Evola, mas usado aqui num sentido que não é
necessariamente o dele. [voltar]
10. V. The
Center on Philantropy, Indiana University,
Giving USA 2010. The Annual Report on Philantropy for the
Year 2009, Giving USA Foundation, 2010; The Center for Global
Prosperity, Hudson Institute,
The Index of Global Philantropy and Remittances, Hudson
Institute, 2010; Charities Aid Foundation,
International Comparisons of Charitable Giving, 2006;
Virginia A. Hodgkinson at al.,
Giving and Volunteering in the United States. Findings from a
National Survey Conduced by The Gallup Organization, Washington D. C., Independent Sector, 1999; Lori Carangelo,
The Ultimate Search Book: Worldwide Adoption, Genealogy and
Other Secrets, Baltimore (MD), Clearfield, 2011.
[voltar]
11.
“The great goodness of America”, em
http://www.americanthinker.com/2011/01/the_great_goodness_of_america_1.html. [voltar]
12. V. Marvin
Olasky, The Tragedy of American Compassion, Wheaton,
IL, Crossway Books, 1998 (reed. 2002).
[voltar]
13. Alain
Peyrefitte,
La Societé de Confiance. Essai sur les Origines et la
Nature du Développement, Paris, Odile Jacob, 1995.
[voltar]
14. Georg
Jellinek, Teoría General del Estado, trad.
Fernando de los Rios, México, FCE, 2004, p. 55.
[voltar]
15.
Entrevista a Grzegorz Górny,
Fronda (Varsóvia), 11-12, 1998.
[voltar]
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