Gritos e sussurros
A esquerda nacional est� indignada com o veto do governo � divulga��o de uma entrevista de Jo�o Pedro St�dile pela TV Cultura. Por toda parte ergue-se a den�ncia: "Censura!" E esta palavra exerce autom�tico efeito revoltante, trazendo-nos a evoca��o de uma �poca em que cada um tinha de andar com uma rolha na boca, infame chupeta que nos reduzia � menoridade. Em princ�pio ap�io, pois, qualquer protesto contra qualquer censura, sobretudo quando a v�tima � o feroc�ssimo l�der emeessetista, um cidad�o que, conforme j� observei, quanto mais fala mais se enrola. Tamb�m protestei ante um pedido de pris�o emitido contra ele tempos atr�s. J� disse que preciso do sr. St�dile livre e saud�vel para um dia eu poder peg�-lo de jeito, diante das c�meras de tev�, e demonstrar ao Brasil inteiro, como demonstrei ao p�blico presente no nosso debate na Bienal do Livro de Porto Alegre em 1998, que se trata de um formid�vel embrulh�o. Se fazem muito mal ao coitado, fico inibido de submet�-lo � merecida palmat�ria dial�tica. Portanto advirto �s autoridades: deixem-no em paz. Apenas emprestem-no para mim por uns minutos. N�o obstante, ao prestar aqui minha solidariedade ao sr. St�dile na sua condi��o de censurado (uma das poucas coisas que temos em comum), devo assinalar, de passagem, que o fa�o com certas reservas. Em primeiro lugar, n�o sei se as autoridades est�o totalmente erradas no caso. Digo isto porque a TV Cultura � propriedade p�blica: se n�o � l�cito us�-la para fazer propaganda do governo, tamb�m n�o h� de ser muito honesto us�-la para fazer propaganda contra ele. Uma tev� estatal - e a Cultura, malgrado as sutilezas da sua constitui��o, � no fim das contas exatamente isso - pertence ao Estado e n�o �s fac��es que o disputam. Ela est� acima dos conflitos pol�ticos do momento. Ou ela deve recusar-se a servir de caixa de resson�ncia a esses conflitos, ou, se n�o puder fugir disso, deve ao menos tratar as partes conflitantes em p� de igualdade. A entrevista, portanto, n�o deveria ter chegado a ser gravada. Mas, uma vez que o foi, censur�-la n�o � solu��o que preste. O certo seria transmiti-la seguida de sua refuta��o por um porta-voz do governo (ou, se me permitem oferecer meus humildes pr�stimos, por este que lhes fala). Em segundo lugar, n�o � certo chamar de censura somente as a��es oficiais que tendam a impedir o livre debate. Censura � toda manifesta��o de um poder - oficial ou privado - que bloqueie o confronto de id�ias ou a divulga��o de informa��es. E o fato � que em cada reda��o deste pa�s h� uma tropa de choque incumbida de vetar not�cias e coment�rios que prejudiquem o MST ou, de modo geral, a esquerda (eu pr�prio j� fui v�tima dessa m�quina uns pares de vezes e por isso tenho autoridade para dizer ao sr. St�dile que sei o quanto d�i). S� ignoram o bloqueio o JT, o Estad�o e, de vez em quando, Veja. O resto � um am�m de ponta a ponta, com espor�dicos peixes varando a rede a t�tulo de salva��o das apar�ncias. Esse tipo de censura n�o desagrada em nada o sr. St�dile, e n�o creio que sua entrevista guardasse revela��es mais importantes do que a massa daquelas que, gra�as aos fi�is agentes do Robin Hood dos Pampas, t�m sido sonegadas ao p�blico brasileiro. Em terceiro, a gritaria geral ante o caso da entrevista contrasta de maneira escandalosa com o sil�ncio total em torno de um outro e recente ato de censura - ato ainda mais tem�vel e revoltante porque n�o partiu de uma autoridade brasileira, mas de um poder estrangeiro. Refiro-me �s tentativas do Greenpeace para calar a divulga��o de not�cias sobre a amea�a de ONGs europ�ias e norte-americanas � soberania nacional. O �rg�o difusor das not�cias e a v�tima dessas press�es foi o boletim de um certo "Movimento de Solidariedade Latino-Americana", de cuja diretoria faz parte o dr. En�as Carneiro, um cidad�o pelo qual tenho a mesm�ssima dose de estima e considera��o que sinto pelo sr. St�dile, mas que, como este, � um cidad�o brasileiro e deve ter assegurado o seu direito de falar, escrever e publicar o que bem entenda. E ainda mais deprimente � a compara��o entre o clamor de indigna��o num caso e a omiss�o c�mplice no outro, quando se considera que o sr. St�dile disputa o direito mais ou menos duvidoso de difundir suas opini�es numa tev� estatal, e o dr. En�as o de imprimir com seu pr�prio dinheiro um boletim de fundo de quintal. Quando uma fac��o pol�tica exige o privil�gio de vociferar em todos os megafones e nega � sua advers�ria o direito de sussurrar entre quatro paredes, j� n�o � preciso temer o pr�ximo advento de uma ditadura: porque ela j� est� entre n�s. |