Ainda Sacco e Vanzetti
Olavo de Carvalho
Como alguns leitores me escreveram mostrando curiosidade sobre as coisas que eu disse do epis�dio Sacco e Vanzetti, vou dar aqui mais algumas informa��es. A import�ncia do caso n�o � s� hist�rica. O mito Sacco e Vanzetti � um dos fundamentos da credibilidade da esquerda no imagin�rio popular, e ali�s foi inventado exatamente para isso. Tal � o motivo da ira com que o "establishment" esquerdista reage a toda investiga��o s�ria do assunto: se voc� deixa de acreditar na inoc�ncia ultrajada de Sacco e Vanzetti, deixa de acreditar em muitas outras coisas em que ele precisa que voc� acredite. Quem inventou a lenda n�o foi propriamente Willi M�nzenberg. Foi Fred Moore, um advogado cocain�mano que trabalhava para o Comit� de Defesa organizado pelos anarquistas. Quando Willi M�nzenberg se apossou do Comit� em 1925, foi com o objetivo de angariar simpatias entre a popula��o imigrante, acumular autoridade moral para a esquerda e extorquir dinheiro. Ele chegou aos EUA investido dessa precisa miss�o e logo percebeu o potencial do caso. O fato de os acusados serem anarquistas e n�o comunistas cabia como uma luva na "pol�tica da retid�o". O processo j� ia perdendo interesse da m�dia, mas M�nzenberg o ressuscitou em grande estilo, fazendo dele um espet�culo de escala mundial. Passeatas, congressos e coletas foram organizados por toda parte, de Paris a S�o Paulo. Em Montevid�u a massa reunida amea�ou matar o c�nsul americano se os apelos da defesa n�o fossem atendidos. At� hoje, de tempos em tempos, a m�quina � reativada. S� na d�cada de 70 apareceram, at� onde sei, dois musicais, um filme, uma tela de Ben Shahn exposta no Whitney Museum e duas can��es, uma de Woody Guthrie, outra de Ennio Morricone, interpretada por Joan Baez. A pr�pria magnitude desse aparato desmascara a tese da conspira��o capitalista armada para condenar inocentes militantes. Pois a lenda da inoc�ncia ultrajada sempre teve a seu lado toda a for�a do capital e da m�dia, sem que nada de compar�vel se erguesse em favor da vers�o da promotoria, que s� subsistiu em livros e teses universit�rias fora do alcance da multid�o. Um desses livros foi "Tragedy in Dedham", de Francis Russel (1962). Mas livros nada podem contra musicais, filmes, discos e passeatas, que acabaram produzindo a absolvi��o "post mortem" assinada em 1977. Em 1986 Russel voltou � carga, trazendo uma novidade tem�vel: o �ltimo sobrevivente do Comit�, um militante anarquista de nome Ideale Gambera, deixara uma declara��o assinada, registrada em cart�rio e lacrada, para ser aberta ap�s sua morte, que veio a ocorrer em 1982. O novo livro de Russel, "Sacco and Vanzetti: The Case Resolved" baseava-se nesse documento, no qual Gambera confessava que todos os membros do Comit� estavam cientes da culpabilidade de Nicola Sacco e decidiram mentir em prol da causa. O pr�prio Sacco, autor do disparo fatal contra o guarda da f�brica de sapatos em Braintree, mentira o tempo todo, pois sabia que Vanzetti f�ra apenas testemunha do crime. S� que, para inocentar o companheiro, Sacco precisaria admitir sua pr�pria culpa, desmontando a farsa. O esfor�o de sustentar a mentira sob press�o foi a causa das sucessivas crises psic�ticas que acometeram Sacco e da tentativa de suic�dio que o levou ao hospital em 1923. Vanzetti, por seu lado, n�o mentiu ao alegar inoc�ncia, e sim ao recusar-se a delatar seu execr�vel amigo. Foi homem digno, que se tornou c�mplice "ex post facto" por lealdade � causa anarquista, mas tamb�m pelo sentimento de auto-exalta��o hist�rica que lhe inspirava inflamados discursos sobre seu pr�prio hero�smo. No caso dele pode-se falar, sim, em inoc�ncia sacrificada: mas ela foi sacrificada no altar da propaganda esquerdista. Essas revela��es, no entanto, s�o in�cuas contra a for�a onipresente da ind�stria de espet�culos. Tamb�m n�o bastou para desfazer a lenda, a partir de 1992, a abertura dos arquivos da KGB (deposit�ria dos documentos de suas antecessoras, GPU e NKVD), que revelou o lado financeiro da encena��o. Sacco & Vanzetti tornaram-se de fato uma pr�spera empresa, mas pouco benef�cio receberam dela: do meio milh�o de d�lares coletados pela campanha de M�nzenberg ao redor do mundo entre 1925 e 1927 (uma fortuna monstruosa, para a �poca), o Comit� de Defesa recebeu apenas 6 mil d�lares. O resto foi financiar servi�os de espionagem. O sucesso da opera��o elevou �s nuvens a credibilidade de M�nzenberg ante o governo sovi�tico e lhe valeu a promo��o para a chefia da cadeia de jornais e est�dios de cinema comunistas em Paris, cargo no qual ele viria a organizar a rede de "companheiros de viagem" europeus, tornando-se virtualmente o diretor de cena no teatro de fantoches que foi a vida intelectual europ�ia na d�cada de 30.
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