Rompendo o h�bito
Olavo de Carvalho
Pedindo licen�a ao leitor, respondo ao doutor Lejeune
N�o tenho nesta coluna o h�bito da tr�plica, mas o doutor Lejeune Mato Grosso � irresist�vel. Raros doutores ilustraram t�o literalmente meus argumentos no esfor�o mesmo de contest�-los. Em meu artigo �Fil�sofos a granel� afirmei que os mentores da campanha pela ado��o da filosofia e da sociologia no curso m�dio n�o est�o habilitados a ensinar filosofia nenhuma e sociologia nenhuma, mas apenas a dar esses nomes � mistura de demagogia revolucion�ria e slogans da moda, que, com dinheiro p�blico, querem incutir em nossas crian�as para torn�-las uma f�cil massa de manobra. Nada disse, portanto, contra aquelas disciplinas em si (e seria o c�mulo que o fizesse, sendo eu mesmo professor de uma delas), mas contra a filosofia e a sociologia dos Lejeunes, que, autorizados a ensinar o que n�o sabem, ensinar�o o que sabem: n�o filosofia, nem sociologia, mas luta de classes e chav�es politicamente corretos. Tanto que os pr�ceres da campanha, num agil�ssimo golpe de jiu-j�tsu parlamentar, se esquivam a qualquer debate pr�vio sobre o conte�do das disciplinas a ser ensinadas: querem primeiro obter o acesso � plat�ia infantil, rapidamente e sem muita discuss�o, para poder lhe transmitir o que bem entendam sem dar satisfa��es � opini�o p�blica. O doutor Lejeune respondeu com uma apologia da filosofia e da sociologia enquanto tais, abstrata e genericamente, sem nem de longe tocar em meus argumentos contra a sua filosofia e a sua sociologia, as �nicas contra as quais eu havia falado. No tratado de Schopenhauer sobre os truques da er�stica, a falsa dial�tica dos charlat�es e demagogos, que publiquei em edi��o comentada sob o t�tulo Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Raz�o (Topbooks, 1997), isso corresponde rigorosamente ao estratagema n�mero 19, fuga do espec�fico para o geral: �Se o advers�rio solicita alguma obje��o contra um ponto concreto da sua tese, mas n�o encontramos nada apropriado, devemos enfocar o aspecto geral do tema e atac�-lo assim�. O artigo do professor Lejeune ilustra, melhor do que eu poderia faz�-lo, o tipo de forma��o filos�fica que ele e seus correligion�rios pretendem dar a nossas crian�as. Ele diz que � melhor ensinar uma filosofia ruim do que nenhuma. Mas a filosofia n�o � um tomate, que, estragado, continua tomate. Uma filosofia estragada n�o � mais filosofia: � o tipo de pensamento falso e oportunista do qual a filosofia, precisamente, veio nos libertar. Ensin�-lo com o nome de filosofia � o mesmo que chamar de medicina a falta de sa�de. Quanto � qualidade da forma��o que tem em vista, ele a ilustra ainda mais claramente com o exemplo hist�rico a que recorre para dar a este debate a apar�ncia posti�a de um confronto entre progressismo e obscurantismo: �Na Idade M�dia, o saber s� poderia ser apropriado por filhos dos nobres e ainda assim isso ocorria apenas em mosteiros e abadias�. A Idade M�dia do professor Lejeune � a de quem aprendeu Hist�ria nos filmes de Conan, o B�rbaro. Nobres e filhos de nobres, nessa �poca, simplesmente n�o estudavam. O clero, classe instru�da composta de pessoas de todas as origens sociais, tinha um m�nimo de aristocratas. E as escolas n�o ficavam em �mosteiros e abadias� (valha-me Deus! J� pensaram a meninada invadindo esses centros de recolhimento e medita��o?), e sim nas catedrais e par�quias. Qualquer hist�ria da educa��o explica isso, mas o homem que quer �fazer uma revolu��o� na educa��o nacional n�o leu nenhuma. Se o professor Lejeune se limitasse a ser inculto sozinho, seria problema exclusivo dele. Mas a incultura do l�der reflete a dos liderados. � um fen�meno social, e dos mais alarmantes. Neste momento h� milhares de militantes, t�o incultos quanto o professor Lejeune, ansiosos por moldar as mentes infantis � imagem e � semelhan�a de seus preconceitos ideol�gicos, que eles tomam por filosofia e sociologia. Pode haver maior risco para o futuro do pa�s que entregar as novas gera��es aos cuidados de indiv�duos que pretendem educ�-las antes de educar-se a si mesmos?
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