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Que raio de nacionalismo é esse?

Olavo de Carvalho
Zero Hora (Porto Alegre), 22 de abril de 2001

 

Para mim, a coisa mais �bvia dos �ltimos meses � que o Forum Social Mundial n�o nasceu como resposta ao encontro de Davos, mas como imita��o par�dica do F�rum da Liberdade, criado pelo empres�rio Jorge Gerdau Johanpeter e realizado anualmente, com enorme sucesso, pelo Instituto de Estudos Empresariais. A esquerda, convidada todo ano a discutir seus pontos de vista com os liberais, acabou se sentindo humilhada de desfrutar de tanta liberdade na casa alheia, e vingou-se fazendo um F�rum s� para ela pr�pria, fechando a porta a seus antigos anfitri�es.

A id�ia do contraponto a Davos deve ter surgido como enxerto publicit�rio posterior, provavelmente por sugest�o do sr. Ignacio Ramonet, o homem do "Monde Diplomatique", em cujas m�os tinha ido parar, por meios que agora n�o v�m ao caso, a c�pia do projeto de um "Congresso Nacionalista Mundial" - este sim, concebido originariamente como contraponto � reuni�o de Davos - que circulava discretamente entre certos pol�ticos nacionalistas que depois n�o foram sequer convidados para o FSM.

O Congresso n�o era ideol�gico, mas geopol�tico, e sua diretriz b�sica era a de reunir lideran�as nacionalistas de todas as orienta��es ideol�gicas poss�veis, justamente para discutir as perspectivas do nacionalismo, no sentido mais geral e abrangente do termo, num mundo onde direita e esquerda se davam as m�os na consecu��o de um projeto globalista de poder. N�o deve ter sido muito dif�cil maquiar o projeto, para fazer dele o instrumento publicit�rio do neo-esquerdismo globalista financiado pela CEE e por funda��es multinacionais milion�rias. A esquerda, afinal, tem uma experi�ncia de mais de sete d�cadas de parasitagem do nacionalismo. Que o for�ad�ssimo paralelo com Davos fosse imediatamente aceito com a maior facilidade, tanto pela m�dia internacional quanto pelos pr�prios participantes do encontro su��o, � algo que, em �pocas pret�ritas, teria despertado nos observadores as mais inquietantes suspeitas. Mas, no ambiente de sonsice hipn�tica que reina no Brasil, ningu�m se lembrou de fazer nem mesmo a pergunta mais �bvia: que raio de antiglobalismo � esse, que os pr�prios globalistas patrocinam generosamente?

Mas o fato � que essa pergunta, hoje, n�o ocorre aos c�rebros nacionais nem mesmo diante de parcerias ainda mais escandalosas. O exemplo mais lindo � o da "affirmative action", que hoje busca implantar no Brasil a pol�tica de quotas raciais. N�o � espl�ndido que, diante da alian�a que para esse fim se estabeleceu entre a nossa esquerda radicalmente anti-americana e algumas das personifica��es mais t�picas do Tio Sam, como a Funda��o Ford e o BankBoston, ningu�m d� o menor sinal de estranheza, ningu�m ouse sequer fazer perguntas?

� verdade que, nos EUA, a "affirmative action" simplesmente n�o funcionou. Desde que ela entrou no cen�rio, o n�mero de crimes praticados por negros contra brancos aumentou formidavelmente -- segundo dados do FBI que a grande imprensa de Nova York esconde em baixo do tapete --, mostrando que a popula��o negra, desfrutando de vantagens oficiais que no fundo a humilham, n�o se sente nem um pouco melhor do que antigamente.

Mas, aplicada no Brasil, essa pol�tica pode ter uma utilidade formid�vel. N�o exatamente para os negros, � claro. O Brasil tem 15 por cento de negros e 46 por cento de mesti�os. Estes, pelo crit�rio norte-americano, s�o negros. Se as pot�ncias internacionais conseguirem, com a ajuda da esquerda local, seduzir 61 por cento da nossa popula��o para o apoio a uma pol�tica que � manifestamente imposta de fora para dentro, isso ser� a total desmoraliza��o do Estado brasileiro, a completa liquida��o de nossas pretens�es de independ�ncia no quadro da Nova Ordem Mundial.

O fato de que os "negros" - no sentido el�stico e americano do termo - n�o sejam aqui a minoria, mas a esmagadora maioria, tornar� a pol�tica de quotas um fardo demasiado pesado que, n�o podendo ser carregado nas costas do Estado brasileiro, acabar� por torn�-lo visceralmente dependente de ajuda internacional.

Essa depend�ncia ser� ainda facilitada pela destrui��o da cultura miscigenada -- que Gilberto Freyre colocava no cerne da identidade nacional --, seguida de sua substitui��o pela f�rmula americana de identidades �tnicas separadas, unidas somente pela sujei��o � estrutura legal e administrativa comum.

� absolutamente imposs�vel que os planejadores estrat�gicos estrangeiros n�o tenham feito esse c�lculo elementar e que n�o tenham gostado do resultado. Por isso, hoje mais do que nunca, � preciso estar muito doido para acreditar no nacionalismo da nossa esquerda, que t�o solicitamente se presta a colaborar para a produ��o desse resultado. A parasitagem esquerdista do nacionalismo foi inventada por Joseph St�lin, na d�cada de 30. A luta entre na��es, entre ra�as, entre regi�es, entre culturas, disse ele numa instru��o ao Comintern, deveria ser redesenhada para parecer luta de classes, e vice-versa. Que essa cirurgia pl�stica devesse ter, entre outros efeitos previs�veis, o de intensificar essas lutas at� fazer delas um genoc�dio permanente, tanto melhor.

A fraqueza da intelig�ncia nacional pode ser medida pela passividade de aut�mato com que, sete d�cadas depois, ela ainda se presta a representar no palco do mundo essa fic��o stalinista.