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A pretexto de Puigs

Olavo de Carvalho
Zero Hora (Porto Alegre), 23 de setembro de 2000

 

Em carta publicada na ZH do dia 15, o leitor H�lios Puig Gonzales alerta ao distinto p�blico que tenho uma forma��o educacional muito deficiente, motivo pelo qual falto � verdade hist�rica no que diz respeito a Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, acusados de homic�dio e mortos na cadeira el�trica em 1927: "Carvalho n�o d� valor � Justi�a ou ignora que, 50 anos depois, o governador de Massachusetts reconheceu a inoc�ncia de ambos."

Bem, n�o ignoro esse fato, apenas julguei desnecess�rio mencion�-lo porque h� duas d�cadas ele � alardeado pelos filmes de Hollywood onde os Puigs adquirem sua erudi��o hist�rica. Tamb�m n�o desprezo a Justi�a, mas n�o a idolatro ao ponto de imaginar que uma senten�a judicial de 1977 tivesse o poder miraculoso de impugnar, por antecipa��o, as descobertas hist�ricas posteriores que vieram a revelar a culpa de Sacco, a cumplicidade de Vanzetti e a farsa publicit�ria comunista concebida para iludir milh�es de Puigs. � verdade que, decretada "post mortem" a inoc�ncia dos r�us, novas provas j� n�o podem ser alegadas para pedir a reabertura do processo (mesmo porque processar os mortos � monstruosidade jur�dica que s� o regime socialista se permitiu). Mas com isso, justamente, a quest�o sai da esfera judicial e se torna mat�ria de pura investiga��o hist�rica, cujos resultados n�o podem, obviamente, ser determinados por uma senten�a judicial anterior. Os crit�rios do historiador n�o s�o os do C�digo de Processo Penal. Na justi�a h� limite de prazo para a apresenta��o de provas. Na ci�ncia hist�rica, as verdades tardias s�o �s vezes as mais valiosas. Qualquer aluno de gin�sio sabe disso, e � deplor�vel que o sr. Puig tenha de aprend�-lo logo de um sujeito mal formado como eu. � talvez por ter tido uma educa��o prec�ria que, ao opinar sobre algum assunto, eu procure obter primeiro a informa��o cient�fica mais atualizada. Se eu tivesse uma cabe�a bem feita como a do sr. Puig poderia contentar-me em recordar banalidades vistas no cinema vinte anos atr�s e exibi-las com o ar triunfante de quem dissesse a �ltima palavra sobre o assunto.

Aos demais leitores, que tenham d�vidas em vez da certeza tola do sr. Puig, recomendo a leitura do meticuloso estudo de Francis Russell, "Sacco and Vanzetti: The Case Resolved" (New York, Harper and Row, 1986), bem como a consulta aos documentos sovi�ticos publicados pela universidade de Yale a partir de 1995. O governador de Massachusetts n�o podia conhecer esses documentos em 1977 porque estavam lacrados numa gaveta da KGB; o sr. Puig n�o pode conhec�-los hoje porque sua gaveta mental foi lacrada em 1977.

Mas n�o, n�o vou gastar um artigo inteiro com o sr. Puig. Se consenti em tocar no assunto foi porque a mencionada cole��o de documentos revela tamb�m coisas diversas e de interesse muito mais amplo, especialmente o fato de que todos os movimentos de protesto promovidos pela esquerda norte-americana contra a guerra do Vietn� foram planejados e dirigidos em Moscou e Pequim: nenhum emergiu espontaneamente da sociedade norte-americana como pretendem nos fazer crer os filmes que embelezam essa �poca com uma aura de inocente romantismo juvenil. Como sempre acontece, a fachada de idealismo a� camufla manipula��es discretas de uma maldade quase impens�vel. Uma delas foi a dissemina��o proposital das drogas atrav�s dos prisioneiros de guerra em Han�i, que eram viciados � for�a e depois enviados de volta aos EUA como agentes de contamina��o, ao mesmo tempo que uma bem disciplinada tropa-de-choque intelectual buscava, nas c�tedras e na imprensa, apresentar a fuga para os t�xicos como um nobre e leg�timo protesto das almas sens�veis contra o hediondo "complexo industrial-militar". A ret�rica pacifista dos anos 60 foi uma colabora��o perversa com crimes de guerra cujos efeitos se propagam at� hoje, devastando a humanidade.

Mas esses efeitos n�o se limitam � difus�o das drogas. O Jap�o, vinte anos depois de subjugado pelos EUA, era uma pot�ncia econ�mica florescente. O Vietn�, abandonado aos comunistas por obra do "flower power", � hoje um dos pa�ses mais miser�veis da Terra, um museu de horrores governado por uma ditadura de assassinos. E n�o h�, entre os militantes esquerdistas da d�cada de 60, um �nico que seja honesto o bastante para assumir a responsabilidade hist�rica por esse resultado, mais que previs�vel, da vit�ria das delicadas "pombas" sobre os malvados "falc�es" do Pent�gono. Para ocultar essa inf�mia, o Vietn� simplesmente desapareceu do notici�rio na m�dia "esclarecida". Se ele ainda fosse assunto, poderia dar ao p�blico brasileiro, hoje, um ponto de compara��o para avaliar as declara��es do chefe da guerrilha colombiana que admite ter em suas m�os o controle da produ��o local de drogas e reconhece suas liga��es com o principal traficante brasileiro, Fernandinho Beira-Mar. Compara��es como essa p�em a nu, instantanaeamente, a estrat�gia global dos genocidas aos quais este pa�s, por cansa�o e indol�ncia, vai cada vez mais entregando as r�deas do seu destino.