Prel�dio ao suic�dio
Olavo de Carvalho
Uma prova not�vel da cretinice vigente � o n�mero de pessoas, na imprensa, nas universidades ou em toda parte, que imaginam que o puro �dio pol�tico que sentem por mim as investe de autoridade bastante para negar-me o estatuto de fil�sofo mediante o simples acr�scimo de aspas ou de alguma express�o pejorativa ao termo que o designa, sem jamais se perguntar se elas pr�prias estariam habilitadas, j� n�o digo a discutir, mas simplesmente a ler e compreender por alto algum de meus livros de filosofia - uma qualifica��o que, por mist�rio, lhes parece totalmente dispens�vel no caso. Ao multiplicar-se o n�mero de epis�dios que a ilustram, essa auto-atribui��o de autoridade intelectual por parte de sujeitos obviamente despreparados para as mais elementares tarefas de uma vida de estudos assinala, mais que uma inusitada arrog�ncia coletiva, uma grave perda geral do senso de realidade, do senso das propor��es. Ultrapassado um certo limite, a ignor�ncia pretensiosa deixa de ser um estado transit�rio de fei�ra moral associado � m� forma��o intelectual, e se torna um desvio de personalidade, um tipo de sociopatia. N�o conhe�o, no presente panorama mental brasileiro, sintoma mais alarmante e mais digno de estudo. N�o � normal, na imprensa do mundo, que um escritor que se dirige � parte mais culta do p�blico desperte tanto interesse e tanta raiva na outra parte, a ponto de centenas de iletrados lhe enviarem cartas furiosas, onde as amea�as de processo judicial e de agress�o f�sica se mesclam pateticamente a todos os palavr�es do idioma, complementados pela surpreendente assertiva de que o destinat�rio - n�o o remetente - � sujeito grosseiro e sem educa��o. Um detalhe interessante � a repeti��o obsessiva de slogans e lugares-comuns do jarg�o esquerdista. Aparecendo justamente nas mensagens que com mais vigor condenam o meu antiesquerdismo como uma obsess�o de chutar gatos mortos, a coisa soa como um eloq�ente coro de miados num cemit�rio felino. E nunca um s� desses defuntos miantes deu o menor sinal de perceber que seu pr�prio falat�rio dava a prova da falsidade do que alegava. A perda da sensibilidade ling��stica acompanha "pari passu" a ascens�o do simplismo fan�tico e da imbeciliza��o moral. Talvez ainda mais estranha � a convic��o, que em muitos desses indiv�duos parece totalmente sincera, de possuir, al�m daquela tremenda autoridade intelectual, tamb�m um significativo poder de intimida��o. Escrevem, de fato, no tom feroz de quem espera que o destinat�rio, lendo, fique paralisado de medo ante um imponder�vel perigo iminente, desista de publicar artigos e, quem sabe, at� mesmo se desmaterialize em pleno ar. Muitas dessas pessoas, numa situa��o normal, nem mesmo leriam meus artigos, os quais obviamente n�o foram feitos para elas. Se n�o os lessem, nenhuma falta fariam ao autor, que conta com a compreens�o e a simpatia de outras - e mais vastas - faixas de p�blico. Por que ent�o os l�em, se cada leitura as precipita numa crise de raiva que culmina numa auto-eletrocu��o verbal? Tudo isso � fant�stico, espantoso e, numa palavra, dada�sta. A observa��o, comum nos livros de historiadores, de que an�logos fen�menos se observam regularmente nas crises pr�-revolucion�rias n�o prova que vai haver uma revolu��o no Brasil, mas sugere que uma parcela significativa da popula��o falante j� est� em pleno transe de estupidez revolucion�ria, prel�dio do suic�dio nacional.
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