Pergunta de um desesperado
Olavo de Carvalho
Semanas atr�s mencionei aqui, de passagem, a m�xima de Sun-Tzu: �Fazer-se de fraco quanto est� forte, de forte quanto est� fraco�. Ela resume o �timing�, a altern�ncia r�tmica do discurso comunista. Anatoliy Golitsyn, desertor da KGB e provavelmente o melhor conhecedor do assunto nos meios ocidentais, d�-lhe a seguinte interpreta��o: quando o movimento comunista est� ocupado em alguma manobra global, de longo prazo, e precisa ganhar tempo, ele vem com fala mansa, adocicada, denotando fragilidade, divis�o, hesita��o, aplacando as suspeitas ocidentais mediante uma florida exibi��o de sentimentos conciliadores e at� de ades�o �modernizadora� aos valores democr�ticos. Quando sente que est� periclitando, necessitado de restaurar nos militantes o esp�rito belicoso e a disciplina marcial, ele abandona toda afeta��o de prud�ncia e parte para amea�as truculentas e as demonstra��es de for�a. Neste preciso momento, esse movimento est� empenhado na mais vasta e complexa manobra de toda a sua hist�ria: reorganizar-se em escala mundial, passando de uma estrutura centralizada e hier�rquica, com um comando sediado na URSS, para uma organiza��o flex�vel e multic�ntrica, diversificando tamb�m suas fontes de suporte financeiro, transferidas da m�quina sovi�tica de lavagem de dinheiro para uma complicada rede de fontes independentes, que v�o desde respeit�veis empresas multinacionais montadas com fundos secretos da KGB at� quadrilhas de traficantes. Portanto, n�o � hora de bravatas. � hora de fazer-se de bonzinho, de coitadinho, de morto. O ataque ao World Trade Center e ao Pent�gono foi uma precipita��o de aliados afoitos, os malucos do Talib�. Aplaudi-lo ostensivamente seria declarar uma guerra para a qual as for�as comunistas n�o est�o preparadas. Conden�-lo �in totum� seria humilhar-se ante os EUA. Da� a palavra-de-ordem, amb�gua e escorregadia, emanada de Cuba e obedecida uniformemente pela milit�ncia esquerdista mundial: maldizer da boca para fora a viol�ncia do atentado, mas legitimando-a moralmente e lan�ando as culpas sobre a v�tima, por meio da alega��o de que �quem semeia ventos colhe tempestades�. D. Luciana Genro, deputada estadual petista, foi uma das vozes inumer�veis que, no coro geral do esquerdismo, ecoaram fielmente na m�dia brasileira a voz do mestre, falando mal do atentado mas explicando-o como rea��o l�gica -- e, em �ltima an�lise, justa -- de povos levados ao desespero pela opress�o imperialista dos EUA. � claro que esse racioc�nio � louco. Nem um �nico pa�s est� sob ocupa��o de tropas dos EUA, enquanto em Lhasa, Tibete, restam menos tibetanos do que soldados da China comunista. O Afeganist�o nunca foi agredido pelos americanos, mas sim pelos sovi�ticos, que mataram um milh�o de afeg�os e s� foram embora quando o socorro americano fez pender a balan�a para o lado isl�mico. A revolu��o iraniana jamais encontrou oposi��o militar dos EUA, que, bem ao contr�rio, lhe deram uma boa ajuda por baixo do pano para a derrubada de Reza Pahlevi. Por fim, na guerra do Golfo, quando poderiam ter invadido Bagd� e transformado Saddam Hussein em poeira at�mica, os americanos se contentaram em libertar o Kuwait e deixar o ditador iraquiano esbravejando, humilhado mas intacto, no seu troninho de sombras. De modo geral, as economias do mundo isl�mico j� teriam ido todas para o belel�u sem o apoio americano, e no fim das contas a �nica coisa que os mu�ulmanos t�m a reclamar contra o imperialismo ianque � que ele n�o os deixa empurrar para o oceano a popula��o judaica de Israel, como tantos gostariam de fazer. Desespero por desespero, haveria mais motivo para jogar dois Boeings no Kremlin ou no Pal�cio da Paz Celestial do que no World Trade Center. Para ensinar isso a D. Luciana, mas querendo faz�-lo em termos simples, did�ticos, acess�veis aos neur�nios recalcitrantes de uma pertinaz cabuladora de aulas de democracia, o jornalista Diego Casagrande concebeu uma historieta pedag�gica, na qual eleitores ga�chos liberais e conservadores, desesperados com a ascens�o da prepot�ncia petista neste Estado, davam uns cascudos na deputada e ainda sobrava um pouco para o Padre Roque, tamb�m deputado e petista, que a acompanhava em t�o infausta e hipot�tica circunst�ncia. Do exemplo, que n�o ocupava mais de um par�grafo, Casagrande extra�a ent�o a moral da hist�ria: por maior que fosse o desespero dos agressores, nada justificaria esse ato de maldade contra as duas Excel�ncias ou contra quem quer que fosse. Mensagem mais clara n�o podia haver: se o desespero n�o justifica bater em D. Luciana e no Padre Roque, muito menos justifica jogar avi�es em pr�dios. Suepreendentemente, D. Luciana, interpretando a hist�ria ao contr�rio, disse que Casagrande estava induzindo as pessoas a baterem nela e no Padre, e anunciou sua inten��o de processar o jornalista. N�o creio poder ser mais did�tico do que o foi o autor da historieta. Imagino ser um razo�vel professor universit�rio, mas confesso n�o ter voca��o para a pedagogia infantil. Desisto, pois, de explicar � deputada o que quer que seja, e limito-me a colocar para os leitores o seguinte dilema, que me atormenta neste momento dif�cil. As FARC j� mataram 30 mil pessoas no seu pa�s e, por meio de Fernandinhos Beira-Mar e �tutti quanti�, dominam hoje uma boa fatia do mercado brasileiro de drogas. Eu desejaria fazer algo contra isso, para evitar que o Brasil tenha o destino da Col�mbia. Desejaria, mas n�o posso. As FARC, aqui, t�m prest�gio oficial, s�o recebidas pelo governador do Rio Grande e homenageadas no Forum Social Mundial. Mesmo o tal Fernandinho � intoc�vel: mal foi preso, j� come�ou na imprensa o vendaval de desinforma��o, destinado a fazer sumir do notici�rio a alian�a macabra do banditismo nacional com a revolu��o internacional. Estou, pois, de m�os amarradas. Nada posso fazer. Estou desesperado. Que � que os leitores acham? Se, nessa situa��o extrema, eu seq�estrar, n�o digo um Boeing, mas um bimotor da Embraer, e o atirar sobre o Pal�cio Piratini, estarei moralmente justificado pelo desespero? Ou melhor: se, constatando minha completa falta de qualifica��es aeron�uticas para tal empreendimento, eu optar por algo mais ao alcance dos meus talentos, jogando na cabe�a do Dr. Ol�vio Dutra o �lap top� em que escrevo o presente artigo, poder-se-� alegar em minha defesa que apenas fiz desabar sobre S. Excia. a tempestade semeada pelos seus atos oficiais? E se o jornalista Diego Casagrande, querendo me dissuadir de semelhantes intuitos terroristas, escrever uma historieta ilustrativa para me mostrar como seria feio Dona Luciana e o Padre Roque baterem em mim, por mais que me odiassem, terei o direito de concluir da� que ele os induz a me agredir?
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