Sapientiam Autem Non Vincit Malitia - Foto da águia: Donald Mathis Mande um e-mail para o Olavo Links Textos Informações Página principal

 

Assassinato da oportunidade

Olavo de Carvalho
Época, 15 de julho de 2000

 

Discursos fingidos contra a pobreza est�o matando, de modo ego�sta, nossa chance de sair dela

As demonstra��es de esc�ndalo ante a pobreza neste pa�s s�o t�o enf�ticas, t�o hiperb�licas, que se diria que um padr�o de vida de Primeiro Mundo � coisa simplesmente natural e sua aus�ncia, em qualquer lugar do planeta, � uma absurdidade inaceit�vel para a raz�o humana. Na verdade, a pobreza tem acompanhado o Homo sapiens desde seu surgimento, e a flora��o extraordin�ria de riquezas em alguns pontos da Terra nos �ltimos s�culos � que � um fen�meno estranho, carente de explica��o satisfat�ria at� o momento. A profus�o de livros que prometem elucidar as �causas do subdesenvolvimento� s� tem servido para camuflar o fato de que o desenvolvimento ainda n�o foi compreendido de maneira alguma. S� um maluco pode pretender explicar o que n�o aconteceu quando n�o entende sequer o que aconteceu.

H� tr�s hip�teses b�sicas para explicar o sucesso econ�mico: a teoria de Karl Marx, segundo a qual a riqueza capitalista se forma pela extra��o da mais-valia (diferen�a entre o sal�rio e o valor objetivo do trabalho), a de Max Weber, baseada na concentra��o de esfor�os propiciada pela �tica protestante, e a de Alain Peyrefitte, na qual o desenvolvimento nasce de certas condi��es culturais e psicol�gicas que favorecem a criatividade econ�mica, a livre negocia��o e a fidelidade aos contratos. A primeira foi desmoralizada por seus erros de previs�o, por suas falhas l�gicas e pela revela��o de que usara estat�sticas manipuladas. A segunda entrou em pane porque o pr�prio autor morreu sem ter conseguido confirm�-la. A terceira me parece a mais certa, mas isso � o m�ximo que posso dizer.

Se simplesmente n�o sabemos como um fen�meno se produz, por que nos sentir revoltados por ele n�o se reproduzir a nosso bel-prazer? Proclamar o direito de todos a algo que n�o se sabe como lhes dar � puerilismo. Mas � um h�bito de nossa cultura elevar meros objetivos desej�veis � categoria de �direitos�, punindo o fracasso como se fosse um delito. Todos queremos uma vida melhor para os brasileiros, mas quem pretenda nos induzir a crer que a conquista dessa vida � coisa f�cil por natureza, que n�o a havermos alcan�ado � uma anormalidade, uma injusti�a, um crime, esse � um mentiroso, um farsante que busca subir na vida pela ind�stria da intriga e ainda tem o desplante de insinuar que os demais ramos da ind�stria � que s�o desonestos.

A teoria de Peyrefitte n�o � absolutamente segura, mas � a que melhor tem resistido �s obje��es. Se no Brasil n�o querem prestar aten��o nela � por um motivo muito simples: ela afirma a necessidade imprescind�vel de uma atmosfera geral de confian�a, em que os controles jur�dico-policiais e monopol�sticos cedam lugar a mecanismos unicamente culturais de incentivo � livre iniciativa popular. Ora, no Brasil isso � impratic�vel porque nossos pol�ticos e intelectuais est�o empenhados em aumentar o pr�prio poder mediante campanhas de dissemina��o da suspeita que induzam o povo a aceitar mais leis, mais controle, mais burocracia. Eles chamam isso de ��tica�, de �luta contra a mis�ria�, at� de �cristianismo�. Eu chamo de liquida��o maldosa e ego�sta de uma oportunidade de sucesso.