Os novos ditadores
Olavo de Carvalho
O Pr�mio Imprensa da Embratel foi atribu�do este ano � s�rie de TV na qual o rep�rter Caco Barcelos acusava o Ex�rcito de ter assassinado a tiros um casal de terroristas e simulado um acidente rodovi�rio para ocultar o crime. Barcelos j� recebeu v�rios pr�mios, decerto merecidos. Mas este ele n�o deveu a nenhum m�rito profissional, e sim a uma decis�o pol�tica destinada a legitimar como bom jornalismo uma farsa j� desmascarada, por esta mesma coluna, em 28 de abril de 2001. O que a Embratel acaba de premiar � uma mentira inventada por um soldado desertor que, na tentativa de extorquir do Ex�rcito vantagens indevidas, se apresentou e foi aceito pelo rep�rter como testemunha participante de fatos que, se tivessem ocorrido, n�o poderiam ter sido presenciados por ele: nenhum pra�a que fuja do quartel aparece atuando numa opera��o militar dois meses depois de constatada oficialmente sua deser��o. N�o creio que Caco Barcelos tenha agido de m�-f�. Mas � n�tido que se deixou usar como instrumento de uma fraude grotesca e pueril. Ele diz ter pesquisado durante um ano para desencavar suas informa��es. Mas n�o seria preciso mais de tr�s horas para obter, no Ex�rcito e em livros de dom�nio p�blico, os documentos que as impugnavam por completo, que n�o poderiam ter sido ignorados por um pesquisador atento e que depois foram postos � disposi��o do p�blico no site http://www.ternuma.com.br. Outras incongru�ncias, ainda mais graves que a mencionada, faziam da reportagem uma invencionice tosca que, se n�o podia ser aceita como jornalismo, tamb�m n�o se sa�a melhor como obra de desinforma��o, t�o ing�nuas e fr�geis eram as bases de papel�o que a sustentavam. Os terroristas, que segundo a pretensa testemunha teriam sido mortos em 8 de novembro de 1968, participaram de um assalto tr�s dias depois, segundo o relato bem mais confi�vel de Jacob Gorender. E a alegada simula��o de acidente rodovi�rio era descrita na reportagem em termos que a tornavam fisicamente imposs�vel: as fotos mostravam, na pista, a um metro de dist�ncia do local do choque, as marcas de frenagem do carro trombado. Se as v�timas foram postas no ve�culo j� mortas, quem pisou no freio? Um agente kamikaze das for�as de seguran�a, cujo cad�ver em seguida se desmaterializou? Ou um ser sobrenatural capaz de frear e sair voando pela janela ao mesmo tempo? Um recruta que permanece em servi�o depois de desertar, dois mortos que ressuscitam �s pressas para tentar impedir sua pr�pria morte e depois ainda cometem um assalto com esses elementos n�o se constr�i uma reportagem, n�o se constr�i nem mesmo uma mentira: s� se constr�i um insulto � intelig�ncia humana. Um romance, um filme ou pe�a de teatro pretensamente hist�ricos podem conservar seu valor quando os fatos que narra se demonstrem falsos. Os m�ritos da obra de imagina��o n�o dependem de fidelidade ao real. Mas uma reportagem se constitui de fatos e somente de fatos: sem fatos, ela inteira n�o vale nada. Nada ali portanto restava para ser premiado, exceto a inten��o pol�tica, muito mal realizada, de desmoralizar o Ex�rcito mediante uma acusa��o falsa. Premiar uma coisa dessas � desmentir a defini��o mesma do jornalismo, o qual se distingue da fic��o e da propaganda por um certo compromisso intr�nseco com a verdade e a prova, compromisso que, no caso presente, foi radicalmente desatendido. Mas n�o se pode acusar a Embratel de remar contra a corrente. Boa parte da classe jornal�stica brasileira j� perdeu os �ltimos escr�pulos e aderiu festivamente � desinforma��o sistem�tica que antes se fazia em tabl�ides de propaganda esquerdista, bem longe da imprensa profissional que, mesmo na pol�mica, conservava alguma imparcialidade. Os leitores, privados de alternativas, n�o apenas passaram a aceitar esse tipo de jornalismo como o �nico poss�vel mas j� est�o adestrados para estranhar e rejeitar, como indec�ncia reacion�ria, o simples exerc�cio do direito de duvidar do que sai publicado. H� trinta anos n�o se v� nos jornais deste pa�s, exceto em raros artigos assinados por dissidentes marginalizados, uma �nica men��o �s viol�ncias cometidas pelos esquerdistas contra o mais brando e tolerante dos regimes autorit�rios; regime que s� tardiamente e a contragosto consentiu no endurecimento de 1968, depois de falhadas todas as tentativas de conter a viol�ncia revolucion�ria mediante o expediente incruento das demiss�es e cassa��es, e depois que 84 bombas terroristas j� tinham explodido em v�rios estados, matando transeuntes que nem tinham id�ia do que se passava. A simples cronologia dos fatos mostra que a ditadura n�o se constituiu como barreira premeditada contra anseios de democracia, mas como anteparo improvisado para deter uma avalanche de crimes hediondos. Por isso ela foi riscada da mem�ria popular e substitu�da por clich�s de propaganda que trinta anos atr�s seriam recebidos, mesmo entre militantes de esquerda, com piscadelas de mal�cia. Mas n�o � s� a hist�ria nacional que sumiu da nossa m�dia. Praticamente todos os massacres empreendidos pelos comunistas ao longo desse per�odo, em Cuba, na China, no Vietn�, na �frica, no Tibete com n�o menos de dez milh�es de mortos foram omitidos do notici�rio brasileiro ou s� mencionados discretamente, com o meticuloso cuidado de n�o deixar transparecer uma associa��o demasiado �ntima entre os crimes e o lindo ideal pol�tico que os produziu, inimput�vel por direito divino. Enquanto isso, cadernos inteiros de l�grimas e louvores se concediam aos terroristas mortos pelo regime militar, apresentados como combatentes pela democracia e jamais como aquilo que comprovadamente eram: assassinos treinados, a soldo e a mando da ditadura genocida de Fidel Castro. Tamb�m n�o se pode dizer que o j�ri do Pr�mio Imprensa esteja em descompasso com a moda. Pois a falsifica��o ideol�gica das not�cias acaba de chegar � apoteose da desinforma��o com a cobertura da opera��o Justi�a Infinita. A acreditar no grosso da m�dia local, o brasileiro fica com a impress�o de que a Humanidade est� unida contra George W. Bush, de que explos�es de pasmo e indigna��o se voltam por toda parte contra a mobiliza��o americana de combate ao terrorismo e n�o contra o pr�prio terrorismo, que � o que se l� na imprensa do mundo civilizado. Somente no Iraque e nos pa�ses comunistas � poss�vel enganar t�o completamente leitores e espectadores. Brasileiros residentes no exterior escrevem-me revelando seu espanto ante essa barreira de palavras que isola do mundo a nossa opini�o p�blica e a aprisiona num paroquialismo fan�tico e imbecil. A diferen�a � que, naquelas ditaduras, os jornalistas s�o obrigados a fazer isso. Aqui, fazem porque querem, porque gostam, porque s�o eles mesmos os ditadores, investidos enfim do poder discricion�rio que por tanto tempo invejaram nos militares.
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