Nazismo de c�tedra
Olavo de Carvalho
Por baixo de suas afinidades profundas e de sua abomin�vel parceria na d�cada de 30, socialismo e nazi-fascismo conservaram durante algum tempo uma diferen�a irredut�vel que permitia reconhec�-los � dist�ncia e � como direi? � pelo cheiro. O socialismo, com toda a sua absurdidade infernal, alegava-se no entanto fundado numa ci�ncia, numa interpreta��o racional da hist�ria e da sociedade. O fascismo desprezava todas as argumenta��es e apelava diretamente �s paix�es, ao instinto, � irracionalidade bruta. Era uma diferen�a antes de embalagem que de subst�ncia, pois ambos, no fundo, eram igualmente irracionais. Talvez por isso mesmo, � medida que o nazi-fascismo some do horizonte vis�vel e permanece conhecido apenas pela imagem estereot�pica que dele se conserva na m�dia popular, mais f�cil se torna para os socialistas copiar suas id�ias, suas propostas e at� mesmo seu estilo, seguros de que a ningu�m ocorrer� cham�-los de nazi-fascistas por isso. Nazista em toda a linha � a ebuliente fus�o de �dio nacionalista, moralismo inquisitorial e ret�rica populista, que se tornou a marca inconfund�vel da esquerda brasileira. Mais nazista ainda o assalto irracionalista � id�ia de verdade e de ci�ncia objetiva, hoje promovido nas universidades por tropas de choque de v�ndalos togados, que n�o se vexam de reprimir nos alunos, mediante a chacota magisterial e a amea�a de san��es disciplinares, qualquer tenta��o de argumentar com l�gica contra sua doutrina. Esta pode resumir-se num breve par�grafo: �N�o existe ci�ncia ou conhecimento objetivo. N�o existe verdade. Tudo o que existe s�o discursos ideol�gicos, legitimadores de interesses econ�micos. H� o discurso dos privilegiados e o discurso dos exclu�dos. Sejam bonzinhos e tomem partido deste �ltimo.� Esse par�grafo cont�m, rigorosamente, tudo o que um estudante brasileiro pode aprender hoje em qualquer curso universit�rio da �rea de �humanas�. Milh�es de arranjos e varia��es s�o feitos para adaptar a mensagem �s exig�ncias das v�rias disciplinas, podendo-se portanto encontr�-la, sem qualquer diferen�a ou acr�scimo substancial, em linguagem jur�dica, psicol�gica, teol�gica, historiogr�fica, sociol�gica, filos�fica, geogr�fica etc. Nada, nem uma �nica id�ia se admite, em qualquer �rea do conhecimento, que n�o seja redut�vel, sem preju�zo do seu conte�do, � f�rmula-padr�o universal, o par�grafo dos par�grafos, ess�ncia primeira e �ltima do saber humano. A variedade dos arranjos d� aos leigos e rec�m-chegados uma impress�o de riqueza atordoante, suficiente para mant�-los sentados em suas carteiras at� o dia em que, tendo percebido enfim a m�gica besta que os fez de ot�rios, j� estejam cansados e amestrados demais para desejar desmascar�-la, e optem pela alternativa mais c�moda de seguir os passos de seus mestres na senda da auto-estupidifica��o letrada. Ent�o, por medo de parecer ing�nuos que acreditam em l�gica, estar�o dispostos a repetir os mais rematados contra-sensos e a defend�-los bravamente, n�o com argumentos, � claro, mas com aquela variada cole��o de trejeitos de indigna��o, despeito e repugn�ncia que hoje constitui o indispens�vel vocabul�rio facial de um perfeito s�bio acad�mico. Querem um exemplo? Dona Marilena Chau�, talvez a mais t�pica encarna��o do ideal universit�rio nacional, acaba de estatuir como um �princ�pio nuclear da l�gica do poder� a seguinte coisa: �Toda sociedade est� dividida originariamente entre o desejo dos grandes de comandar e oprimir e o desejo do povo de n�o ser comandado nem oprimido, definindo o lugar do governante n�o acima das classes e sim como alian�a necess�ria com o desejo do povo e como conten��o do desejo dos grandes.� Qualquer cidad�o alfabetizado sabe que quem �comanda e oprime� n�o s�o �os grandes�, de modo geral e abstrato, mas sim justamente os governantes, e que o fazem quase que invariavelmente sob o pretexto de proteger o povo contra �os desejos dos grandes�. De Ivan o Terr�vel e Lu�s XIV at� Hitler, Mussolini, Lenin e Stalin, n�o houve um s� d�spota que n�o impusesse sua autoridade absoluta mediante a destrui��o dos poderes intermedi�rios, isto �, dos �grandes� sem cargo oficial, e que n�o o fizesse em nome dos pequeninos e desamparados. Todo mundo sabe disso, mas aleg�-lo � coisa do tempo em que o racioc�nio l�gico n�o era vulgaridade indigna de um acad�mico. Fica valendo, pois, o princ�pio chau�nico, ou chauinista: governantes n�o comandam nem oprimem. Quem comanda e oprime s�o os ricos que est�o fora do governo. N�o contente com isso, dona Marilena enuncia um segundo �princ�pio nuclear�, alegando que n�o � nem de sua inven��o, mas que exprime a quintess�ncia unanimit�ria do �pensamento pol�tico moderno�. Segundo esse princ�pio, �a moralidade p�blica n�o depende do car�ter dos indiv�duos e sim da qualidade das institui��es como express�es concretas do lugar e do sentido da lei�. Sei que argumentar n�o vale, mas quem quer que conhe�a um pouco o tal �pensamento pol�tico moderno�, de Maquiavel a Voegelin, de Hobbes a Weber, de Tocqueville a Peyrefitte (sem esquecer evidentemente Marx), sabe precisamente o contr�rio do que afirma essa senhora: sabe que a moralidade depende de tudo, menos das institui��es e das leis. Depende do costume, da cultura, da religi�o, da educa��o, at� da economia. Depende sobretudo do car�ter dos indiv�duos, moldado por esses fatores de base. Os c�digos e institui��es v�m em cima, seja como express�es da moralidade consagrada, seja como v�s e monstruosas tentativas totalit�rias de mud�-la por decreto. Nunca houve um grande pensador pol�tico que dissesse o contr�rio. A ide�loga da USP, num golpe de teclado, falseia todo o consenso universal � e ningu�m parece reparar na prodigiosa leviandade que se requer para isso. Num ambiente com um m�nimo de racionalidade, nenhum intelectual acad�mico seria tolo e pretensioso o bastante para consagrar afirmativas pueris como �princ�pios nucleares�. Mas hoje isso pode ser feito impunemente. O que ningu�m pode � denunciar essa intrujice sem ser assediado imediatamente pelo �nico tipo de argumentos que se admitem como leg�timos no nazismo de c�tedra: olhares de �dio, insinua��es mal�volas, eventualmente alguns palavr�es. �Abajo la inteligencia� j� se tornou, enfim, norma consagrada. Agora s� falta acrescentar: �Viva la muerte.�
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