Moral e genoc�dio
Olavo de Carvalho
N�o me lembro de jamais ter falado ou pensado mal de algu�m por sua conduta sexual, por mais esquisita que ela pudesse parecer aos que me rodeavam. Al�m de n�o me considerar um buqu� de virtudes para que a compara��o com os outros fosse de algum reconforto para o meu ego periclitante, conhe�o-me o bastante para poder dizer, com toda a sinceridade, que sou incapaz de me interessar pela vida privada de quem quer que seja. Posso estar errado, mas, numa �poca em que o genoc�dio e as pris�es em massa se tornaram banalidade, algu�m perder o seu tempo escandalizando-se com pequenas indec�ncias me parece uma imperdo�vel frescura. Na base de toda moral est� o senso das propor��es. O segundo mandamento formula-o da maneira mais eloq�ente. Quando passar a era dos Robespierres, Hitlers, Lenins, Pol-Pots e Castros, quando o mundo voltar ao normal e a humanidade reconquistar seu rosto humano, talvez os filmes porn�s e a gandaia geral comecem a me incomodar. Por enquanto, considero-as apenas naturais rea��es de fuga diante de uma situa��o intoler�vel, que n�o passa sequer pela consci�ncia: vai direto de um sentimento de terror difuso para uma cama de bordel, onde tudo se dilui, por instantes, num deleitoso esquecimento. O pr�prio Papa j� disse que numa �poca de loucura coletiva o peso dos pecados n�o � o mesmo. Da� o meu profundo desinteresse e at� irrita��o ante campanhas moralizantes de qualquer esp�cie. No entanto, por id�nticas raz�es, n�o posso suportar que a defesa do direito � esquisitice se torne, ela pr�pria, um neomoralismo mais intolerante e mais imbecil do que qualquer puritanice j� registrada ao longo da Hist�ria. Quando um conservador se enche de indigna��o ante coisas que no m�ximo seriam dignas de riso ou de piedade, sinto estar na presen�a de um louco enfurecido. Mas, quando um apologista de qualquer �sex lib� pretende que seus gostos sexuais sejam mais dignos de respeito e de prote��o estatal do que a devo��o religiosa dos outros, a� vejo que o louco j� passou dos limites da loucura e entrou no campo da maldade pura e simples. Nunca, em hip�tese alguma, a busca de um prazer corporal qualquer ser� coisa mais elevada, mais respeit�vel e mais digna de prote��o oficial do que a busca da verdade, sobretudo quando esta importa em sacrif�cios pessoais, como se d� no caso da devo��o religiosa, de qualquer devo��o religiosa, e mais ainda daquela que siga a linha de alguma das religi�es antigas e universais, como o cristianismo, o juda�smo e o islamismo, que constru�ram a humanidade e fizeram de n�s alguma coisa mais valiosa que um chimpanz�. Deleites er�ticos, gastron�micos, qu�micos ou indument�rios s�o e ser�o sempre direitos menores, em cuja defesa n�o se deve empregar mais tempo ou energia do que na preserva��o da dignidade humana ou do direito de pensar. Se duvidam da sinceridade com que digo isso, por favor observem que, sendo fumante contumaz e impenitente, muito constrangido pelo antitabagismo psic�tico reinante, raramente ou nunca me lembro de escrever em defesa do meu direito de fumar. Se perdemos o senso da diferen�a entre o prazer e o dever, se n�o somos mais capazes de estabelecer uma hierarquia de prioridades entre o que gratifica o nosso corpo e o que eleva nossa consci�ncia, ent�o nos tornamos indignos da condi��o humana e damos raz�o aos que, considerando a produ��o de gente uma atividade tecnol�gica e industrial como qualquer outra, pretendam atirar � c�mara de g�s os que n�o sejam aprovados no controle de qualidade. Se prezamos antes o deleite do corpo do que os deveres do esp�rito, ent�o, sem a menor d�vida poss�vel, somos neodarwinistas e nazistas at� a medula do nosso ser. Por isso mesmo � que considero indecente, hediondo e intoler�vel o crit�rio de prioridades adotado pelo Minist�rio brasileiro da Justi�a nas propostas que pretende apresentar � Confer�ncia das Na��es Unidas contra o Racismo, que come�ou ontem em Durban, �frica do Sul. Ultrabadalado por causa de suas �posi��es progressistas�, o Minist�rio pretende atacar de frente toda discrimina��o sexual e isto est� muito bem. O que n�o est� muito bem � que, na sua afeta��o de bons sentimentos pelos grupos discriminados, essa entidade n�o tenha uma s� palavra a dizer em favor dos cat�licos que est�o sendo massacrados na China e cujos apelos desesperados, jamais ecoados pela m�dia nacional, nos chegam diariamente atrav�s da ag�ncia vaticana Fides. Muito menos se preocupa o bondoso Minist�rio com as m�es chinesas que continuam a ser fuziladas �s pencas quando se recusam a abortar seus filhos. Nem tem, a piedos�ssima reparti��o burocr�tica, o menor olhar de piedade para com os religiosos budistas que, ap�s o massacre de um milh�o de seus compatriotas, fugiram do Tibete e hoje vivem errantes pelo mundo. Nada disso comove o sentimental�ssimo dr. Gregori, embora ele deva ao prest�gio da religi�o a sua carreira pol�tica. Sim, sofrer constrangimento por ser homossexual � triste, � revoltante. Mas aquele que sofre n�o apenas constrangimentos menores, e sim pris�o, tortura e morte por ter consagrado sua vida ao esp�rito, ser� ele menos digno de prote��o e respeito? A invers�o das propor��es na agenda libert�ria do nosso Minist�rio � tanto mais abomin�vel quando se considera que os mesmos pa�ses que se destacaram na persegui��o a grupos religiosos s�o tamb�m not�rios repressores de homossexuais, se bem que em grau menor. Mas neste caso o Minist�rio estrila, naquele n�o. Por que o direito de uns ao prazer h� de ser mais sacrossanto que o direito de outros � vida? Ser� que, no entendimento desse nosso governo, �gozar � preciso, viver n�o � preciso�? Nenhuma persegui��o ou discrimina��o sofrida por qualquer grupo sexual, racial, ou cultural ao longo de toda a hist�ria humana se compara, em n�meros e em crueldade, ao destino terr�vel que a modernidade imp�s aos religiosos. Mais seres humanos foram condenados � morte desde o s�culo XIX por serem ortodoxos, cat�licos, protestantes, budistas, judeus ou mu�ulmanos do que, ao longo de todos os s�culos, por qualquer outro motivo. Mesmo a discrimina��o racial, longe de ser um fen�meno b�sico e independente, n�o foi sen�o o efeito colateral da aplica��o de doutrinas materialistas e darwinistas que pretenderam, com base numa pseudobiologia, desbancar a convic��o religiosa da substancial igualdade dos homens perante o Eterno. A multiplicidade aparente dos sintomas da maldade coletiva remete sempre a uma doen�a b�sica: a revolta contra Deus. Se a confer�ncia de Durban e o nosso Minist�rio da Justi�a ocultarem esse fato sob uma tagarelice desproporcional em torno de formas menores e secund�rias de discrimina��o e persegui��o, eles ter�o assumido, perante a Hist�ria, o papel de legitimadores, ao menos involunt�rios, do maior e mais monstruoso dos genoc�dios.
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