Fatos e mexericos
Olavo de Carvalho
Nunca no Brasil o povo teve opini�es t�o taxativas sobre assuntos que desconhece e n�o deseja conhecer. Nunca se acreditou t�o piamente que para estar na verdade basta repetir frases feitas, amparado na alegre solidariedade de uma roda de amigos que dizem sim. Nunca a f� mais obtusa foi aceita com tanta facilidade como sin�nimo de saber esclarecido. Nunca o mero ouvir dizer se substituiu t�o completamente ao conhecimento. Em tais circunst�ncias, a revela��o de fatos em contr�rio, em vez de poder abalar ou relativizar essas opini�es, � recebida como um abuso intoler�vel, que em �ltima an�lise deveria mesmo ser proibido. Os fatos sobre o Rio Grande, que um eficiente "cordon sanitaire" lograra manter longe do conhecimento do p�blico, e que foram revelados pela primeira vez fora daquele estado no meu artigo da semana passada, n�o parecem ter suscitado nos cora��es esquerdistas o menor princ�pio de d�vida quanto �s belezas que � dist�ncia e por mero cont�gio labial atribuem ao Governo Ol�vio Dutra. Ao contr�rio, despertaram apenas a t�pica rea��o de bater no carteiro, culpando-o pelas m�s not�cias. Um fragmento de conversa de dois intelectuais, entreouvido por acaso numa elegante livraria do Rio, ilustra esse estado de esp�rito: -- Como � que deixam o cara escrever essas coisas? - Voc� sabe, o que deixa o sujeito mais furioso � que ningu�m desceu ao n�vel dele para responder... - Voc� sabe, a grande m�goa dele � n�o estar na Academia. - Sei. -- E o que o cara fez com o Carpeaux, hein? Transformou ele num cat�lico! - O que mais me assusta � que, nesse vazio em que vivemos hoje, um sujeito como esse pode ter impacto, sabe como �, ter seguidores... - Pois �. - E aquilo � tudo financiado, voc� sabe. - �bvio! � tudo financiado! Tem gente por tr�s. � o ovo da serpente. E por a� vai. Conversas como essa rolam mais que cacha�a, madrugadas a dentro, em ambientes universit�rios supostamente cultos. Sei delas porque seus ecos respingam diariamente na minha caixa postal eletr�nica. E � sempre a mesma coisa: a mesma conjetura��o psic�tica de conspira��es milion�rias por tr�s de cada opini�o pessoal de um not�rio pobret�o, a mesma mal�cia ing�nua, a mesma tagarelice sonsa de caipiras que se d�o ares de "insiders" e trocam informa��es de bastidores sobre coisas que cada um ignora mais completamente que o outro. A prolifera��o desses mexericos, que decerto n�o chegam a me magoar, mas que me assustam quando os considero como �ndices do grau de consci�ncia da nossa classe letrada, tem uma origem muito simples. Quando comecei a escrever sobre a degrada��o da intelig�ncia nacional, em 1995, uns quantos representantes dela (NB: da degrada��o) sa�ram em campo, mostrando seus t�tulos doutorais como dentes de le�o, com a pose de quem ia fazer em picadinhos, num relance, o intruso desrespeitoso. Levaram as respostas que mereciam, botaram o rabo entre as pernas e se recolheram �s suas respectivas insignific�ncias, ou "c�tedras", restringindo-se da� por diante a falar de mim para rodas de alunos, "intra muros", longe da arena jornal�stica e do execr�vel direito de resposta, institui��o burguesa da qual tanto me prevaleci. Por menos que eu freq�entasse esses ambientes - pois minha m�e me ensinou a ver por onde ando --, cada passo dessa dissemina��o academo-epid�mica de tolices chegou ao meu conhecimento, ora pela boca de observadores intrigados que me relatavam o que tinham ouvido em classe, ora por meio dos pr�prios mexeriqueiros, que tra�am o segredo da causa, depositando-o em listas de discuss�o e em "chats" da Internet, sem imaginar que fofoca atrai fofoca e que algum curioso sempre acabaria copiando as mensagens e remetendo-as a mim com um pedido de explica��es ali�s imposs�vel de atender, pois certas condutas est�o abaixo da possibilidade de ser explicadas. O tempo acabou condensando no meu HD um precioso acervo documental do puerilismo e da inconceb�vel estreiteza mental dos ambientes acad�micos dominados pelo esp�rito de milit�ncia, ou militant�ncia. Sei que ao contar isso dou a essas crian�as crescidas um motivo para novas analogias cinematogr�ficas eruditamente alarmantes: -- Est�o vendo? A serpente no ovo tem os Mil Olhos do Dr. Mabuse. � a Gestapo, cara! Mas, por mais que essas almas hipersens�veis a zunzuns sejam imperme�veis aos fatos, vou lhes fornecer mais um. A hist�ria do jornalista ga�cho processado por dizer o �bvio, que lhes contei na semana passada, n�o parou por ali. Quarta-feira, 13 de dezembro, a 5a. C�mara Criminal de Justi�a de Porto Alegre, julgando o pedido de "habeas-corpus" impetrado pelo advogado Paulo Couto e Silva em favor de Gilberto Sim�es Pires, decidiu que n�o � crime dizer que as pessoas que usam crian�as para a propaganda de ideologias violentas est�o usando crian�as para a propaganda de ideologias violentas. A bela vit�ria judicial obtida pelo comentarista da TV RBS no processo absurdo e insolente que lhe moveu o Governo do Rio Grande do Sul � um marco memor�vel na hist�ria da liberdade de imprensa neste pa�s. Mas, justamente por ser memor�vel, n�o ser� memorizado. Ser� omitido dos registros jornal�sticos at� desaparecer por completo. Daqui a alguns anos, quando eu voltar a mencion�-lo, certos leitores se sentir�o por isso autorizados a coloc�-lo em d�vida e a me exigir provas, no mesmo tom de cobran�a r�spida com que se dirigem a mim, hoje, quando falo do servi�o de espionagem petista - aquele mesmo que, denunciado em 1993, sumiu t�o completamente do notici�rio que agora j� pode, desde a confort�vel invisibilidade que o protege, mover os cord�es da m�dia para dar a apar�ncia de coisa il�cita �s atividades de seu concorrente legal, a Abin.
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