Entrevistando meu vizinho
Olavo de Carvalho
NB � Aviso � parte n�o ga�cha do universo: o sr. Luiz In�cio Lula da Silva �, tanto quanto eu, articulista da Zero Hora de Porto Alegre. Por uma ironia involunt�ria da diagrama��o, seu artigo � sempre publicado nas costas do meu. � O. de C.
�������� Meu vizinho a� da p�gina de tr�s, que nela desfruta as del�cias da liberdade de imprensa como eu as desfruto aqui, �, como ningu�m ignora, candidato cr�nico � presid�ncia da Rep�blica e corre o s�rio risco de ser eleito � um mal que, se aconteceu at� a um professor da USP, pode acontecer a qualquer um de n�s. �������� Em vista dessa eventualidade, pensei se n�o seria o caso de tirar um s�rdido proveito da proximidade quase indecorosa que nos une na mesma folha de papel e lan�ar-lhe de chofre, atrav�s desta t�nue barreira de celulose, umas quantas perguntas que, se ele n�o me responder agora, muito menos responder� depois de eleito. �������� A primeira � formulada no meu interesse pr�prio. Prezado sr. Ign�cio: uma vez presidente, o senhor vai deixar que eu continue escrevendo que o senhor � um comunista, bajulador de regimes genocidas, friamente insens�vel � sorte de cem milh�es de v�timas imoladas no altar de uma ideologia bem parecida com a sua, ou vou ter de mudar de assunto? �������� A segunda, fa�o-a no interesse geral. O senhor, que � socialista, j� disse que nada tem contra o capital estrangeiro. L�nin, que n�o o era menos, tamb�m n�o tinha. Muito menos t�m os atuais governantes da China, que provaram por a + b a compatibilidade de uma sangrenta ditadura comunista com os interesses dos grandes investidores ocidentais e vice-versa. Quando o senhor diz que o regime da China � um exemplo para o Brasil, � disso que o senhor est� falando? Se n�o �, ent�o a que raio de China est� se referindo? Existe outra?�������� �������� Terceira. Quando uns militantes da CUT quiseram atravessar a fronteira para fazer manifesta��es pol�ticas ilegais em solo argentino e foram barrados na fronteira, choveram protestos da esquerda nacional. Agora, quando foram barrados os dez jornalistas que o acompanhavam � China para o simples desempenho de suas legal�ssimas fun��es profissionais, tudo o que o senhor fez foi lamentar a falta de cobertura da sua viagem, sem emitir um pio, um gemido, uma �ai� sequer contra o ostensivo cerceamento da liberdade de imprensa. O senhor j� pensou no que aconteceria se os rep�rteres fossem impedidos de entrar, n�o na China comunista, mas no Chile de Pinochet? J� imaginou os editoriais col�ricos, as l�grimas de indigna��o, as vig�lias c�vicas na ABI? J� imaginou, sobretudo, o que o senhor pr�prio diria, mesmo levando em conta que a propor��o entre os crimes de Pinochet e os do regime chin�s � de um para vinte mil? O senhor n�o acha mesmo que sua duplicidade de pesos e medidas j� est� dando na vista? �������� Quarta. Vamos falar um pouco do seu virtual antecessor. O senhor sabe que o papel dos governantes na hist�ria n�o � assinalado por seus erros ou acertos passageiros, mas pelas mudan�as duradouras que imprimem no rumo das coisas. O senhor sabe que o controle da infla��o, que o governo alardeia como sua grande obra, � coisa ef�mera como bolha de sab�o. Sabe que as privatiza��es mal feitas ou uma pol�tica econ�mica errada de alto a baixo tamb�m s�o males transit�rios, podendo ser corrigidos pelo pr�ximo governo. De tudo o que FHC fez, s� uma coisa � irrevers�vel: a distribui��o de terras e dinheiro ao MST, que esse movimento n�o vai devolver nunca mais. O senhor sabe perfeitamente que, se o MST n�o plantar a� um �nico p� de feij�o, mas decidir usar as terras para fins estrat�gicos totalmente alheios � agricultura, o governo n�o ter� a m�nima condi��o de tomar tudo de volta, pois ele pr�prio transformou essa entidade, que n�o tem nem registro legal, num poder territorial, pol�tico e econ�mico incontrol�vel. O senhor sabe que, pela sua pr�pria estrutura � nem sindical, nem partid�ria, nem paramilitar, nem empresarial, nem burocr�tica, mas sim um pouco de tudo isso ao mesmo tempo �, esse movimento � rigorosamente indiscern�vel dos sovietes da R�ssia pr�-revolucion�ria. Dar poder a essa coisa, com as terras dos outros e o dinheiro do governo, foi no fim das contas a realiza��o m�xima e essencial do presidente FHC. Dito isto, vem a pergunta: o senhor acha que poder� fazer mais do que ele fez em prol da revolu��o socialista? Olhe l� o que vai responder! Veja bem que nem L�nin teve na sua folha de realiza��es um feito de tal envergadura, pois afinal j� encontrou os sovietes prontos. O senhor tem certeza de que uma gest�o socialista �de transi��o pac�fica� depois de FHC n�o ser� um redundante video-tape? �������� S�o essas as perguntas. Pe�o que o senhor n�o as interprete como provoca��es de um advers�rio. N�o sou seu advers�rio. At� votei no senhor � � verdade que ap�s tomar tr�s engoves � para n�o ter de votar no Collor. Talvez at� vote de novo, nas pr�ximas elei��es, dado que seu concorrente principal, Jos� Serra, � um antitabagista fan�tico que amea�a proibir o fumo at� ao ar livre, e eu conto com a s�lida alian�a de interesses entre o petismo nacional e a ind�stria cubana de tabacos para me garantir o direito de fumar na cadeia. �������� Dito isso, encerro esta nossa am�vel conversa e dirijo-me aos demais leitores, para tranq�iliz�-los. N�o, amigos, n�o temam pela minha seguran�a. No Brasil socialista, a cadeia ser� provavelmente o lugar mais seguro, pois todos os membros do PCC ter�o sido retirados de l� para ocupar cargos na �nomenklatura�, e a popula��o carcer�ria do pa�s ser� constitu�da de apenas duas pessoas: eu e o embaixador Meira Penna. E o embaixador, coitado, nem sequer fuma.
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