Medindo as palavras
Olavo de Carvalho
O maior criminoso do Brasil est� preso, mas ningu�m ousa falar
mal dele Voc�s j� repararam no tratamento discreto, macio, quase gentil que as classes falantes t�m dado a Fernandinho Beira-Mar desde que foi preso? Imprensa, pol�ticos, intelectuais � ningu�m parece ter um pingo de raiva desse homem respons�vel por tantas mortes, por tanto sofrimento, por tanta iniq�idade. Ningu�m o chama de assassino, de genocida, de monstro, de nenhum daqueles nomes que t�o facilmente v�m � boca de todos quando se referem a desarmados vigaristas de colarinho branco ou at� mesmo � pessoa do presidente da Rep�blica. Nenhuma multid�o em f�ria, convocada pelos autodesignados porta-vozes dos sentimentos populares, se re�ne na porta da delegacia para xing�-lo como se xingou Luiz Estev�o. Nenhum moralista, com l�grimas de indigna��o nos olhos, condena como insulto � mem�ria de inumer�veis v�timas os cuidados paternais que o traficante recebe na cadeia, como tantos julgaram um acinte a pris�o especial que, em obedi�ncia � lei, as autoridades deram ao juiz Lalau, malandro septuagen�rio incapaz de matar uma galinha. N�o obstante, o homem que distribui drogas a crian�as nas escolas e mata quem tenta impedi-lo �, obviamente, um assassino, um genocida, um sociopata amoral e c�nico. Aplicados a suspeitos de crimes incruentos, esses termos s�o figuras de express�o, hip�rboles descomunais, flores de pl�stico de uma ret�rica posti�a. Usados para definir Luiz Fernando da Costa, s�o termos exatos, precisos, quase cient�ficos. A liberalidade tropical no emprego das hip�rboles para falar de quem rouba contrasta singularmente com a inibi��o de usar as palavras em seu sentido literal para falar de quem mata. De onde vem essa assustadora invers�o das cota��es de palavras, homens e crimes na linguagem brasileira? De modo geral, ela reflete, inequivocamente, a influ�ncia da �revolu��o cultural� gramsciana que, h� 40 anos, com a obstina��o sutil das bact�rias e dos v�rus, contamina de antivalores comunistas � sem esse nome, � claro � os sentimentos e as rea��es de nossa opini�o p�blica. Mas, no caso presente, h� algo mais que isso � algo de infinitamente mais sinistro. H� o temor instintivo de revelar a uma luz muito direta e crua a fei�ra de um s�cio das Farc. Pois essa luz amea�aria refletir-se sobre a imagem da guerrilha e, portanto, de todos os seus amigos e apologistas: Fidel Castro, o presidente Ch�vez, Lula, o governador Ol�vio Dutra, o MST, a esquerda quase inteira. Falar de Fernandinho Beira-Mar com uma linguagem proporcional � gravidade de seus crimes seria � para usar a express�o consagrada do jarg�o militante � �dar muni��o ao inimigo�. Naquilo que dentro de uma cabe�a esquerdista faz as vezes de consci�ncia moral, n�o h� pecado maior. Portanto, modera��o nas palavras! Abandonado h� tempos em nome da ��tica�, da �participa��o� e do �dever de denunciar�, o estilo noticioso frio, factual, sem coment�rios, � de repente retirado da gaveta e mostra toda a sua inesperada serventia: num ambiente de furor moralista e indigna��o orat�ria, o relato neutro, ass�ptico, soa quase como um elogio. E n�o pensem que, para p�r em a��o esses anticorpos verbais, tenha sido necess�rio emitir uma palavra de ordem, distribuir avisos de algum comit� central, mover alguma complexa cadeia de comando. Nada disso. A rea��o j� se produz sozinha, por automatismo, quase inconscientemente. Todos mentem em un�ssono � e ningu�m tem culpa porque ningu�m mandou ningu�m fazer nada. � precisamente esse dom�nio t�cito sobre as consci�ncias, essa redu��o coletiva dos formadores de opini�o ao estado sonamb�lico de inocentes �teis, que Antonio Gramsci denominava �hegemonia� � o prel�dio psicol�gico � tomada do poder. A hegemonia j� est�, portanto, conquistada. Se definitivamente ou n�o, isso depende. Depende de que ningu�m diga o que est� acontecendo. E � por isto mesmo que insisto em diz�-lo.
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