Libertinos e opressores
Olavo de Carvalho
Com raz�o imputa-se a todo autor de escritos anti-semitas uma responsabilidade moral pelo massacre dos judeus na Alemanha nazista. Mas h� uma obstinada recusa de perceber id�ntica rela��o de causa e efeito entre a maci�a propaganda anticrist� dos tr�s �ltimos s�culos e as ondas de persegui��o religiosa que, entre as revolu��es francesa, mexicana, espanhola, russa e chinesa mataram, segundo o mais comedido dos c�lculos, 20 milh�es de crist�os. Essa cegueira intencional � tanto mais indesculp�vel quando se sabe que, em vez de haver no caso uma simples conflu�ncia acidental das palavras de uns e dos atos de outros, os ataques verbais e a viol�ncia f�sica partiram sempre da mesma fonte: as lideran�as revolucion�rias que pretenderam, nas palavras de Lenin, "varrer o cristianismo da face da terra". � evidente que o efeito acumulado de acusa��es, assaltos pol�micos, reportagens hist�ricas, s�tiras e chacotas, romances, pe�as e filmes de esc�ndalo apaga os tra�os humanos do rosto da sua v�tima, transformando-a numa coisa entre desprez�vel e monstruosa, ao mesmo tempo que dessensibiliza o p�blico, preparando-o para aceitar como normais e corriqueiras as crueldades que venham a se fazer contra ela. A mais grotesca e perversa forma de propaganda anticrist� � a explora��o da curiosidade adolescente em torno da vida sexual de padres e freiras. � natural que a imagina��o fantasiosa de um jovem t�mido, ardente de desejos insatisfeitos, fa�a das pessoas submetidas ao voto de castidade um s�mbolo ampliado de sua pr�pria frustra��o, e as conceba como bacantes encarceradas, a gemer e espumar de lux�ria entre as correntes. � natural que o imbecil juvenil imagine um bordel nos por�es de cada claustro, e n�o possa pensar em freiras sem ser sacudido por violentas ere��es. Mas a era moderna fez disso um g�nero liter�rio, uma tradi��o art�stica, que de Diderot, Sade e Laclos at� o cinema de Bu�uel e Kawalerowicz adornou de pretextos chiques uma concep��o pueril e analfabeta da vida religiosa. Da� nasce a hipocrisia que, fazendo-se de defensora da liberdade, apresenta os religiosos como v�timas de repress�o injusta e brutal, como se a vida mon�stica lhes fosse penalidade imposta � for�a e n�o voca��o que, antes de traduzir-se em compromisso, deve passar por toda sorte de testes e barreiras dissuas�rias. Isto� acaba de entrar para a biblioteca da subliteratura er�tico-mon�stica, com um n�mero especial de "sex lib" anticlerical suscitado pela edi��o do livro autobiogr�fico Outros H�bitos (Editora Garamond), de Anna Fran�a, uma ex-religiosa em cujo cabedal de experi�ncias espirituais se destaca um caso de amor l�sbico com a ent�o superiora do seu convento. A revista n�o esconde sua simpatia por dona Anna, chamando-a "destemida", como se fosse preciso destemor para desafiar, com respaldo da m�dia, da moda, do Estado e de todos os bem-pensantes, uma Igreja que j� n�o pode se defender sen�o pelas folhas de jornalecos de par�quia... Todo o enfoque da coisa �, a�, mais que perverso: � inverso. Mas a invers�o n�o est� s� na atitude geral, e sim no conte�do mesmo dos fatos apresentados. Dona Anna conta que no convento havia casaisinhos de namoradas bem � mostra, por�m jamais reprimidos porque a sapat�o-em-chefe era afinal a autoridade reinante, a quem ningu�m ousaria contrariar, al�m de ser pessoa de posses cujas doa��es calavam muitas consci�ncias. S� que, ap�s narrar esses fatos que falam por si, dona Anna quer que digam o contr�rio do que dizem. Apresenta-os como uma den�ncia contra a Igreja, quando a Igreja �, no caso, manifestamente a v�tima da prepot�ncia e do oportunismo de uma l�sbica que se infiltra nela para aproveitar-se da autoridade da institui��o e us�-la para a satisfa��o ego�sta de desejos pessoais sobrepostos ao dever, como professores se aproveitam de seus alunos, sargentos de seus recrutas, patr�es de seus empregados. Casos como esses n�o s�o incomuns. Ser�o argumentos contra a moral conservadora? Ou contra o autoritarismo onipotente de libertinos que, a refrear um pouco seus desejos, prefeririam ver perecer meia humanidade? Contem o n�mero de mortos das revolu��es insufladas por esses libertinos e digam-me quem, nessa epop�ia hedionda, � o oprimido, quem o opressor. Ou, para simplificar, digam-me apenas o que Isto� e o resto da m�dia fariam com a Igreja se, em vez de deixar aquela madre instalar no convento sua ilha particular das Amazonas, ela punisse com a expuls�o sua conduta imoral.
|