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Resposta ao deputado Jos� Dirceu

Olavo de Carvalho

 

Em �poca de 20 de janeiro o deputado Jos� Dirceu diz que no n�mero anterior da mesma revista denunciei a exist�ncia de uma rede de espionagem petista, da qual ele seria o chefe. N�o � exato. Quem denunciou foi, em fins de 1993, o governador Esperidi�o Amin, espantado da desenvoltura com que o deputado brilhava nas CPIs exibindo documentos que n�o poderiam ter sido obtidos por nenhum meio legal.

Por exemplo, Jos� Dirceu agora alega que seu partido usa de quatro e n�o mais de quatro meios de investiga��o:� �a leitura do Di�rio Oficial, os requerimentos de informa��es oficiais, a pesquisa no Sistema Integrado de Administra��o Financeira (Siafi) e a atua��o nas CPIs, sendo que este �ltimo instrumento permite a quebra legal de sigilo banc�rio�. Mas, na CPI sobre os �an�es do or�amento�, quando se descobriu o �propinoduto� que ia do bolso do deputado Jos� Louren�o para o suplente Orlando Pacheco, Jos� Dirceu sabia at� os n�meros das c�dulas que haviam escorrido por esse canal. Nenhum daqueles quatro meios daria acesso a tal informa��o. Portanto, ou Dirceu participara pessoalmente da safadeza � hip�tese absurda � ou tinha l� um olheiro cujo nome n�o foi revelado. Foi de acontecimentos como esse que o governador Amin acabou deduzindo a hip�tese da exist�ncia daquilo a que, na �poca, deu o nome humor�stico de �PTpol�.

Ao mencionar agora esses fatos, apenas repeti not�cias velhas e de dom�nio p�blico. Mas, como o caso foi abafado e as not�cias acabaram por desaparecer das p�ginas da imprensa, Jos� Dirceu, apostando na falta de mem�ria do p�blico, apresenta a simples repeti��o delas como se fosse uma novidade escandalosa inventada por um caluniador.

Com id�ntica mal�cia, ele procura incutir no leitor a impress�o de que, em vez de protestar contra o uso de meios de investiga��o il�citos, reclamo contra a investiga��o mesma, com o objetivo de ajudar uma elite corrupta a impedir a apura��o de seus delitos. Ele me associa, em particular, aos esfor�os da tropa de choque governista para cobrir com um manto de prote��o a pessoa do sr. Eduardo Jorge.

Mas que tenho eu a ver com Eduardos Jorges e toda essa gente? Ser� que j� n�o falei mal desse governo o bastante e j� n�o me mantive longe dele o suficiente para que qualquer tentativa de me confundir com ele se desmascare, no ato, como safad�ssima desconversa?

� verdade que do lado do governo h� muita gente abafando averigua��es de corrup��o. S� que, com muito mais raz�o, o outro lado procura abafar n�o apenas a investiga��o, mas at� a simples discuss�o jornal�stica de algo muito mais grave que suspeitas de corrup��o, que � a suspeita de usurpa��o da autoridade policial do Estado por um partido pol�tico.

N�o digo que essa usurpa��o seja uma certeza absoluta. Mas h� ind�cios dela suficientes para justificar, se n�o a investiga��o oficial que o caso merece, ao menos a discuss�o p�blica, que o deputado agora quer impedir mediante uma est�pida e arrogante amea�a de processo. Ele sabe perfeitamente que essa amea�a � blefe. Ainda n�o vivemos numa ditadura socialista na qual um profissional de imprensa possa ser punido judicialmente por relembrar not�cias de jornais velhos.

� verdade, como afirma o deputado, que �uma das mais importantes fun��es de um partido pol�tico em sua atividade parlamentar � justamente a de controle e fiscaliza��o do poder p�blico�. Mas essa verdade torna-se um simples instrumento de engano quando ela serve para escamotear uma outra verdade, igualmente simples e evidente: a verdade de que o vigia tamb�m tem de ser vigiado. O PT de Jos� Dirceu quer fiscalizar, mas n�o admite ser fiscalizado. Essa atitude s� d� ainda mais verossimilhan�a � suspeita da exist�ncia da PTpol, pois, se um partido se coloca acima do Estado, das leis e da moralidade p�blica, por que n�o haveria de colocar-se tamb�m acima dos servi�os de seguran�a?

Ali�s, outro fato esquecido, ao qual na sua r�plica o deputado n�o alude nem de longe, e que na �poca deu ainda mais credibilidade �s suspeitas do governador Amin, � que o m�gico que tirava da cartola as mais extraordin�rias informa��es sigilosas estava especialmente habilitado a faz�-lo por ser especialista em informa��o, contra-informa��o, estrat�gia e seguran�a militar, com treinamento em Havana. Mais habilitado ainda porque n�o se limitara a estudar o assunto, mas adquirira experi�ncia profissional no servi�o secreto cubano, ao ponto de, em seguida, ser considerado apto a comandar, em nome dos patrocinadores cubanos da opera��o, a reorganiza��o da luta armada no Brasil. Mas tamb�m n�o sou eu quem o diz. � Lu�s Mir, nas pp. 612 ss. de seu livro A Revolu��o Imposs�vel. A Esquerda e a Luta Armada no Brasil (S�o Paulo, Best-Seller, 1994).

Mas a� me vem � cabe�a uma pergunta. N�o � extraordin�rio que, no instante mesmo em que tinha nas m�os o poder de destruir seus inimigos, um homem que gastara os melhores anos de sua juventude estudando os meios inusitados e subterr�neos de obter informa��es renunciasse asceticamente ao seu �know how� de agente secreto e se limitasse estritamente ao uso dos quatro prosaicos meios legais acima mencionados?

N�o digo que semelhante muta��o psicol�gica seja imposs�vel. As varia��es da mente humana s�o infinitas. Digo apenas que � estranha. Tanto mais estranha porque Jos� Dirceu n�o caiu de p�ra-quedas nesse tipo de estudos, mas os desejou ardentemente e, para adquiri-los, enfrentou com valentia obst�culos dif�ceis. De in�cio, ele n�o foi aceito para o treinamento em Cuba, porque a ALN, organiza��o terrorista a que pertencia, impugnou sua candidatura por consider�-lo (sic) �um carreirista� e �pouco digno de confian�a� (Mir, p. 613). Pois n�o � que Dirceu, com a obstina��o de um aut�ntico alpinista social da revolu��o, foi galgando os degraus da escala at� chegar a Raul Castro, irm�o de Fidel, e obter dele o ansiado pistol�o que lhe deu acesso � sonhada carreira? Mais at� que � simples carreira: num gesto de paternal solicitude, Raul abriu-lhe documentos reservad�ssimos do governo cubano (id., ibid.). Com isso, Dirceu deu a volta por cima, como um patinho feio transfigurado, e saiu de l� falando grosso com os companheiros que o tinham desprezado.

N�o � not�vel que uma promissora carreira t�o arduamente conquistada seja de repente interrompida, sem explica��es, em favor de uma banal fun��o de parlamentar, envolvido t�o-somente naqueles processos constitucionais e legais que na sua juventude o futuro deputado, como bom marxista, desprezava como �formalismos jur�dicos burgueses�?

Se essa transforma��o ocorreu de fato, � o deputado quem fica a nos dever, numa bela autobiografia, a narrativa de t�o prodigioso acontecimento interior, que ouso comparar ao �estalo� de Vieira ou � convers�o do Ap�stolo Paulo.

Eu, da minha parte, exer�o apenas o sacrossanto direito de n�o entender. Na verdade, n�o entendo nem mesmo como � poss�vel que um ex-agente secreto a servi�o de uma na��o estrangeira possa, no Brasil, chegar a presidente de um partido sem que isto cause o m�nimo esc�ndalo p�blico, a m�nima discuss�o, a m�nima pergunta. J� pensaram o que Jos� Dirceu, o mais tem�vel interrogador de suspeitos no palco das CPIs, faria com Esperidi�o Amin se descobrisse, ou apenas desconfiasse, que antes de entrar na carreira pol�tica no Brasil ele tinha sido agente da CIA?

27/1/2001