Idolatria do mercado?
Olavo de Carvalho
Dizem que o liberalismo � isso. Mas a coisa n�o faz o m�nimo sentido
N�o h� maior prova da estupidez de certos intelectuais esquerdistas que a freq��ncia com que a express�o �idolatria do mercado� brota de seus l�bios. O que sugerem com essa frase feita � que o capitalismo liberal elimina todos os valores, deixando em seu lugar somente o crit�rio de mercado, isto �, que tudo nele s� vale pelo pre�o, numa universal redu��o da qualidade � quantidade. Se dissessem isso como mentira consciente, seriam canalhas, mas n�o est�pidos. Entre o est�pido e o canalha, este � infinitamente prefer�vel, porque s� � canalha quando quer e em proveito pr�prio, ao passo que o est�pido � est�pido em tempo integral e at� contra si mesmo. Como fazer ver a esses devotos da cegueira que a total redu��o dos valores ao valor de mercado n�o seria o apogeu do capitalismo, e sim sua imediata paralisia e aboli��o? Em termos marxistas, essa redu��o equivaleria � radical substitui��o dos �valores de uso� por �valores de troca�. Marx ficou t�o deslumbrado quando descobriu um suposto �fetichismo da mercadoria� que n�o percebeu que as coisas s� podem ser quantidades abstratas ou puras mercadorias do ponto de vista de quem vende, jamais de quem compra. Para este, elas s�o bens concretos, bens de uso e consumo. Um menino n�o compra uma bola porque � �mercadoria�, mas porque � bola. Uma mulher n�o compra um vestido porque vale x ou y no mercado, mas porque agrada a seus olhos, aos do marido ou aos da roda de amigas a quem deseja impressionar. O leitor n�o compra um livro para repass�-lo vantajosamente a um sebo, mas porque lhe parece digno de ser lido ou pelo menos ostentado na prateleira. Cada um desses consumidores, como ali�s todos os outros, age movido por crit�rios pessoais que n�o s�o de mercado, que s�o irredut�veis ao econ�mico e que, por isso mesmo, est�o rigorosamente fora da ci�ncia econ�mica. O mercado n�o apenas pressup�e a exist�ncia desses valores, mas vive deles, exalta-os e morre quando s�o suprimidos: se as pessoas n�o tiverem mais motivos extra-econ�micos � isto �, biol�gicos, psicol�gicos, l�dicos, �ticos ou fant�sticos � para comprar o que compram, simplesmente n�o comprar�o mais, a n�o ser na hip�tese de um inconceb�vel capitalismo imaterial, no qual, todos os produtos tendo sido reduzidos a dinheiro, as pessoas comam dinheiro, vistam dinheiro, leiam dinheiro e troquem dinheiro por dinheiro. Mas ao mesmo tempo que acusam o capitalismo pela redu��o de tudo ao econ�mico, esses �Havana boys� se esfor�am para persuadir o p�blico de que todos os valores �ticos, religiosos, est�ticos e civilizacionais s�o apenas disfarces ideol�gicos de interesses de classe. Com essa pretensa �desmitifica��o�, solapam e destroem toda motiva��o extra-econ�mica dos atos humanos, fazendo da redu��o da qualidade � quantidade uma profecia auto-realiz�vel � s� que auto-realiz�vel n�o gra�as � mec�nica do mercado, e sim gra�as � devastadora a��o psicol�gica da propaganda socialista que impregna de alto a baixo a cultura de nosso tempo. O desespero, o vazio, a ang�stia da sociedade moderna, sobre os quais em seguida o ide�logo socialista se debru�a para imputar sua culpa a analogias m�gicas entre esses fen�menos e a estrutura do mercado, s�o na verdade cria��es diretas dele mesmo � cria��es da intelectualidade alienada que pretende desvendar a sociedade sem levar em conta o brutal impacto de sua pr�pria a��o sobre ela. Cometer o crime e inculpar a v�tima: eis a ess�ncia da l�gica socialista.
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