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O holocausto cont�nuo

Olavo de Carvalho
O Globo, 21 de abril de 2001



Desde 1789, praticamente todas as persegui��es em massa, todos os genoc�dios do mundo seguiram o mesmo esquema, obsessivamente repetitivo e invari�vel: o sacrif�cio dos crentes pelos ateus militantes. O quadro � aterrador. Fran�a, M�xico, Espanha: matan�a dos cat�licos. R�ssia e pa�ses sat�lites: matan�a dos crist�os ortodoxos (cat�licos, na Pol�nia, na Cro�cia e na Hungria). Alemanha: matan�a dos judeus. China, Tibete, Indon�sia etc.: matan�a dos budistas e mu�ulmanos. Total: mais de cem milh�es de mortos.

Em todos esses casos, a v�tima � religiosa, o assassino � ateu, materialista, progressista, darwinista, portador do projeto de �um mundo melhor� em qualquer de suas in�meras vers�es. Esse � o fato mais constante e mais n�tido da hist�ria moderna, e tamb�m o mais ignorado, omitido, disfar�ado. O homem religioso � uma esp�cie em extin��o, n�o porque suas cren�as tenham sido substitu�das por outras melhores, mas porque est� sendo extinto fisicamente.

N�o obstante, ainda h� quem acredite que as religi�es, e n�o as ideologias ate�sticas, cientificistas e materialistas, s�o respons�veis pela falta de liberdade no mundo. Da� que a propaganda anti-religiosa, malgrado os efeitos devastadores que produziu, seja aceita n�o somente como atividade cultural elevada e digna, mas como um dos pilares mesmos do sistema democr�tico e at� como express�o suprema dos mais belos ideais humanos. Quando milh�es de jovens imbecilizados pela m�dia chegam �s l�grimas de como��o ideal�stica ao ouvir em �Imagine��, de John Lennon, a descri��o de uma sociedade paradis�aca, nem de longe percebem que seu apelo � supress�o de todas as religi�es �, em ess�ncia, uma legitima��o do maior dos genoc�dios.

Nos pa�ses em que n�o sofrem viol�ncia f�sica, os religiosos v�em suas cren�as exclu�das do debate superior sob a alega��o da neutralidade do Estado leigo, e expostas � derris�o em publica��es acad�micas sem direito de resposta. Nos filmes, raramente aparece um padre ou pastor protestante que n�o seja virtualmente um psicopata, um ped�filo ou um serial killer.

Mesmo os rabinos, que durante um tempo foram poupados de ataques cinematogr�ficos diretos por conta da mem�ria recente do Holocausto nazista, j� come�am a ser mostrados como repressores insanos. A blasf�mia imposta ao p�blico por um establishment industrial milion�rio � apresentada como express�o da liberdade criadora de artistas independentes, e qualquer protesto de entidades religiosas isoladas e impotentes � logo sufocado em nome da liberdade e da toler�ncia. Desse tipo de liberdade dizia Eric Voegelin: �At� os nacional-socialistas defendiam a liberdade. A liberdade para eles, � claro, com exclus�o de todos os outros."

A rigor, n�o h� qualquer diferen�a significativa entre uma teoria biol�gica racista, que sem nenhuma inten��o pol�tica expl�cita acabe concorrendo indiretamente para justificar a discrimina��o de negros, amarelos, judeus ou �rabes, e uma argumenta��o anti-religiosa que, com a maior inoc�ncia e os ares mais democr�ticos do mundo, ajude a amortecer na opini�o p�blica a consci�ncia do horror das matan�as de crentes. Em ambos os casos h� cumplicidade ao menos inconsciente com o genoc�dio. A diferen�a � que todos os crimes do racismo, somados, n�o produziram metade do efeito letal da anti-religi�o.

No entanto, os pr�prios religiosos, com freq��ncia, se recusam a perceber que o �dio anti-religioso do mundo moderno � geral, que ele se volta contra todas as religi�es e n�o contra alguma delas em particular. A maioria deles parece ainda mais empenhada em pol�micas inter-religiosas do que na defesa comum do direito de crer em Deus.

Historicamente, a cegueira para o perigo comum j� foi, entre os s�culos XVI e XVIII, a causa de que a religi�o (cat�lica, no caso) perdesse sua legitimidade de poder p�blico, cedendo-a aos Estados nacionais nascentes. Um clero intelectualmente fr�gil, sem medida de compara��o poss�vel com a elite esclarecida dos s�culos XII e XIII, revelou-se incapaz de rearticular a civiliza��o amea�ada pela pulula��o de seitas em guerra, e in extremis a Europa foi salva pela emerg�ncia da nova autoridade, nacional e mon�rquica. Mas o advento desta n�o apenas acelerou o processo de fragmenta��o da consci�ncia religiosa como tamb�m elevou incalculavelmente o potencial destrutivo das guerras, que, de conflitos locais entre grupos, se tornaram lutas de grande escala entre na��o e na��o.

Hoje, a ascens�o de um poder global ateu e materialista apela, novamente, � urg�ncia de apaziguar conflitos inter-religiosos, em muitos casos fomentados por �agentes provocadores�. E de novo os intelectuais religiosos � s� que, agora, de todas as religi�es � se mostram incapazes de apreender o quadro geral. Apegando-se a velhas pol�micas dogm�ticas que podem ter sua import�ncia, mas que nesse quadro se tornam extempor�neas e suicidas, parecem julgar mais importante humilhar as religi�es concorrentes do que enfrentar o inimigo comum que vai esmagando todas elas juntas.

No Cor�o, Deus adverte a mu�ulmanos, judeus e crist�os: �Concorrei na pr�tica do bem, que no ju�zo final N�s dirimiremos as vossas diverg�ncias.� Se, na pr�tica, nem todas as diverg�ncias podem ser adiadas para o ju�zo final, algumas, pelo menos, podem ficar para depois de passado o perigo imediato, e outras podem ser canalizadas para uma simples �concorr�ncia na pr�tica do bem�. Qualquer disputa interconfessional que n�o esteja numa dessas duas categorias amea�a tornar-se, na situa��o presente, apenas um pretexto piedoso para fazer o mal.

PS - N�o escrevi este artigo pensando no filme �O Corpo�, mas este � um exemplo escandaloso de tudo o que a� digo. Filmes como esse n�o devem ser respondidos com pedidos de censura, que s� ajudam a sustentar a farsa do artista coitadinho perseguido pela autoridade inquisitorial, disfar�ando a dura realidade das organiza��es religiosas inermes e marginalizadas que gemem sob o tac�o da mais poderosa ind�stria de propaganda que j� existiu no universo. O que se deve fazer � deixar que v�o �s telas, que fa�am sucesso � e em seguida processar os produtores por cumplicidade moral no massacre de religiosos, cobrando indeniza��es pesadas. As organiza��es crist�s, judaicas e mu�ulmanas deveriam juntar-se para isso � aproveitando que �O Corpo� esculhamba com as tr�s religi�es ao mesmo tempo � e fazer a coisa doer na �nica parte sens�vel desses safados: o bolso.

PS 2 - A discuss�o do impeachment de Ol�vio Dutra na Comiss�o de Constitui��o e Justi�a da Assembl�ia Legislativa ga�cha foi adiada para maio. Enquanto isso, no jardim de �Marie Claire�, a propaganda comunista nas escolas j� passou da fase da doutrina��o � do ensino t�tico. A Escola Josu� de Castro, de Veran�polis, RS, est� ensinando a seus alunos a t�cnica da invas�o de fazendas. Para esse fim, acaba de receber da Secretaria da Educa��o do RS uma verba extra de R$ 325.965,00. Se isso n�o � a revolu��o comunista financiada com dinheiro p�blico, n�o sei que raio de coisa possa ser.