Guerra de religi�o?
Olavo de Carvalho
Para Bin Laden, o Cor�o sempre foi apenas um pretexto
Em 24 de setembro Bin Laden disse que as for�as americanas entravam no Afeganist�o �sob a bandeira da Cruz�. Dias depois, chamou George W. Bush de �chefe dos infi�is�. S� isso j� basta para evidenciar que sua alega��o de �guerra santa� nunca passou de um subterf�gio, de um disfarce ideol�gico. Segundo o Cor�o, ningu�m pode ser ao mesmo tempo crist�o e infiel. Crist�os e judeus est�o claramente inclu�dos na categoria cor�nica de �povos do Livro� (ahl al-kitab), reconhecidos como uma esp�cie de mu�ulmanos avant la lettre. Sua salva��o est� assegurada, em termos inequ�vocos, na Sura V:69: �Os que cr�em (no Cor�o), os que seguem as escrituras judaicas, e os sabeanos e os crist�os � e quem quer que acredite em Deus e no Dia do Ju�zo e fa�a o bem �, esses nada temam, pois n�o ser�o afligidos�. Um mu�ulmano consciente pode alegar que a mensagem recebida de Deus pelos �povos do Livro� � incompleta, que eles n�o a seguiram corretamente ou at� que a deturparam, mas n�o que s�o �infi�is� ou �id�latras�. Na verdade, o Isl�, acusado de sectarismo estreito, � a mais ecum�nica das religi�es: na sua doutrina da sucess�o dos profetas, de Ad�o a Maom�, est�o inclu�das e legitimadas todas as religi�es monote�stas, concebidas como patamares hist�ricos de uma revela��o �nica que culmina na �Laylat-al-Qadr�, a �Noite do Poder�, quando o Arcanjo Gabriel come�a a ditar a Maom� os vers�culos do Cor�o. �Infi�is�, a rigor, s�o a� somente os ateus, os id�latras (polite�stas) e aqueles monote�stas que, de m�-f�, radicalizem as diferen�as entre suas doutrinas respectivas e a mensagem cor�nica para denegrir esta �ltima, em vez de reverenciar o mist�rio da unidade por tr�s da diversidade. Ao chamar Bush ora de crist�o, ora de infiel, Bin Laden mostrou n�o falar como um religioso s�rio, mas como algu�m que quer dizer algo contra seu advers�rio e, na f�ria, escolhe qualquer coisa a esmo, acabando por apelar a r�tulos que se contradizem. Seria preciso mais para provar que a oposi��o desse homem ao Ocidente nunca foi inspirada em motivos cor�nicos v�lidos, mas sim em alguma outra coisa, em cuja propaganda o Cor�o foi chamado a servir de ornamento ret�rico para encobrir sob altas motiva��es religiosas uma ambi��o pol�tica soberbamente m�? Por�m, na mesma medida, essas considera��es impugnam a tirada antimu�ulmana com que o historiador Paul Johnson deu substancial ajuda involunt�ria tanto aos inimigos do Isl� quanto aos de Israel e do Ocidente. Pretendendo demonstrar a radical hostilidade do Isl� �s demais religi�es, especialmente ao cristianismo, Johnson citou a Sura IX:5: �Matai os id�latras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e cercai-os e usai de emboscadas contra eles�. Mesmo em seu sentido mais geral poss�vel, o termo �id�latras� n�o se aplica aos povos monote�stas. Nessa passagem em especial, ele se refere aos polite�stas de Meca mencionados no vers�culo anterior, que �fizeram um pacto contigo (Maom�) e depois faltaram ao combinado�. A esses Maom� deveria perseguir, capturar e matar, como de fato ele fez e � fato historicamente bem conhecido. Por�m, mesmo nesse caso a autoriza��o para o uso da for�a n�o era ilimitada, pois Maom�, ao entrar vitorioso em Meca, fez cessar imediatamente qualquer persegui��o aos inimigos, condenando � morte apenas os cinco principais e perdoando todos os outros � com certeza a mais branda repara��o de guerra de todos os tempos. Portanto, um dos dois interpretou errado o vers�culo: ou Maom�, ou Paul Johnson. � verdade que uma leitura parecida com a de Johnson foi usada �s vezes por chefes mu�ulmanos para incitar � viol�ncia contra os crist�os, mas � �bvio que ent�o se afastaram bastante da interpreta��o dada em atos pelo Profeta e, como no Isl� as a��es e palavras do Profeta s�o a fonte m�xima de autoridade na exegese do Cor�o , � claro que esses homens, como Bin Laden, n�o eram mu�ulmanos muito ortodoxos.
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