O nome da ganhadora
Olavo de Carvalho
O Brasil odeia corrup��o, mas n�o liga para espionagem. Quem ganha com essa diferen�a?
Na onda de moralismo persecut�rio que assola o pa�s, h� uma despropor��o monstruosa entre as tempestades de c�lera que se desencadeiam � simples suspeita de algum desvio de dinheiro p�blico e a tolerante indiferen�a ante a pr�tica generalizada da espionagem pol�tica. Dentre milh�es de brasileiros, pare�o ser o �nico sens�vel � esquisitice desse fen�meno, no qual nem o povo, nem as autoridades, nem a imprensa d�o sinal de perceber nada de mais. In�til lembrar a meus concidad�os que o presidente Nixon, inabal�vel no cargo ap�s d�zias de den�ncias de corrup��o, foi tirado de l� num relance � primeira revela��o de um �nico delito de grampo. In�til evocar os inumer�veis discursos e an�lises que naquele tempo ressaltaram a diferen�a crucial entre simples atos desonestos e a usurpa��o da autoridade do Estado. A ordem democr�tica, constatou-se ent�o, pode sobreviver a todas as fraudes, mas n�o a justiceiros autonomeados que se arrogam os poderes do servi�o secreto. N�o h�, a�, medida comum: os bens do Estado n�o podem valer mais que o Estado mesmo, fundamento e garantia desses bens. No Brasil, por�m, � o contr�rio: ningu�m se ofende de que meros cidad�os particulares, a servi�o de interesses grupais, se sintam autorizados a furtar documentos, grampear telefones e vasculhar extratos banc�rios de seus desafetos pol�ticos. Mas que algu�m toque numa parcela qualquer de �nosso� dinheiro, e a na��o toda se ergue, enfurecida, exigindo cabe�as. A usurpa��o da autoridade n�o � nada, o dinheiro p�blico � tudo. O defraudador vulgar � uma amea�a � seguran�a nacional, o espi�o pol�tico � no m�ximo um pecador venial, tolerado, perdoado e at� enaltecido em nome da prioridade dos fins sobre os meios. Tal � a escala de valores subentendida em todo o nosso discurso moralizante, quer ecoe no Parlamento, na imprensa ou em conversas de botequim. Quanto mais impl�cita e subtra�da a todo exame cr�tico, mais essa norma se consolida como unanimidade nacional. Ora, quaisquer que sejam as causas sociais do crime e da corrup��o, ningu�m nega que elas residem na mentalidade vigente, no c�digo de valores e contravalores que determinam, consciente ou inconscientemente, a conduta dos seres humanos. E a escala de valores que acabo de descrever estabelece, da maneira mais ostensiva, o primado absoluto do dinheiro sobre a ordem legal que o sustenta. Sabem o que isso significa, moralmente? A hipersensibilidade aos valores pecuni�rios, acompanhada de insensibilidade aos valores mais abstratos e gerais, delineia o inconfund�vel perfil da mentalidade sociop�tica, da mentalidade dos delinq�entes e defraudadores, estelionat�rios e traficantes, proxenetas e ladr�es. � nessa mentalidade que o brasileiro est� sendo educado por uma campanha de �dio seletivo, que se prevalece da visibilidade espetaculosa do delito menor para tornar invis�vel o delito maior. Por isso, em vez de moralizar a na��o, essa campanha s� faz produzir mais corrup��o, mais espionagem, mais pervers�o do senso moral. Mas seria injusto dizer que ningu�m ganha nada com isso. Para saber quem ganha, perguntem a si mesmos se alguma fac��o pol�tica se destaca, mais que as outras, na dupla atividade de espionar e denunciar. Tal ser� o nome da afortunada benefici�ria da perdi��o nacional.
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