O escândalo do 'Código 12'
Olavo de Carvalho
A revela��o de pretensas descobertas hist�ricas, que envolveriam dois ex-presidentes da Rep�blica numa trama sinistra para o assassinato de inimigos pol�ticos, sugere, uma vez mais, que a USP n�o � propriamente uma universidade e sim uma gigantesca central de adestramento de propagandistas revolucion�rios, adornada, aqui e ali, de algumas escolas t�cnicas e cient�ficas regularmente eficientes, destinadas a dar ao conjunto o m�nimo indispens�vel de respeitabilidade acad�mica que justifique o consumo voraz de verbas estatais. Segundo foi noticiado na TV, pesquisadores da USP teriam localizado, entre os pap�is do antigo Dops, uma mensagem na qual o general Jo�o Batista de Figueiredo, ent�o chefe do SNI, transmitia ao nosso embaixador em Portugal a ordem, emanada do presidente da Rep�blica, General Ernesto Geisel, de aplicar um tal "C�digo 12" em cima de dois exilados, um deles o almirante C�ndido Arag�o. "C�digo 12", segundo os cript�grafos uspianos, significa matar o sujeito e fingir causa acidental. N�o examinei os pap�is, mas, qualquer que seja o seu teor, as conclus�es factuais que se pretende tirar deles n�o resistem, por si, ao m�nimo exame cr�tico. Em primeiro lugar, o pr�prio nome cifrado da opera��o j� � duvidoso. O que aparece nos documentos n�o � "C�digo 12": � "Oyykl". Para acompanhar o racioc�nio uspiano, temos de aceitar que "Oyykl", com o perd�o da palavra, significa C�digo 12, e que C�digo 12 significa a porcaria acima mencionada. A sutileza criptogr�fica da mensagem j� brada aos c�us que nenhuma conclus�o a respeito pode ser aceita "prima facie", sem verifica��o por t�cnicos de fora de uma institui��o que assumiu, como seu dever pedag�gico primordial, sujar a reputa��o do regime militar e de tudo quanto a ele esteja associado mesmo remotamente. Uma corpora��o acad�mica que n�o se inibe de discriminar seu pr�prio reitor, vetando o estudo de livros dele como fez com Miguel Reale, e que chega ao c�mulo de dificultar, durante d�cadas, o acesso de seus alunos de ci�ncias sociais �s id�ias do �nico dos nossos soci�logos que tem envergadura universal -- Gilberto Freyre --, n�o deve ser chamada de preconceituosa, porque o termo � doce demais. Ela � simplesmente sect�ria. Que os arquivos do Dops, em vez de ser colocados sob a guarda de uma comiss�o mista supra-ideol�gica, sejam entregues a essa suspeit�ssima institui��o, para que os utilize como mat�ria-prima de shows publicit�rios a pretexto de ci�ncia hist�rica, j� � algo, para o meu gosto, demasiado chocante. Mas ainda h�, nas conclus�es uspianas, muitas aberra��es a ser explicadas, se explica��o tiverem. Por exemplo: nada, no mundo, pode justificar que o chefe de um servi�o secreto, ao efetivar a secreta execu��o de uma secret�ssima opera��o ilegal, o fa�a... por vias diplom�ticas! Por que raios um oficial militar, que tem sob suas ordens diretas profissionais habilitados para miss�es de guerrilha, sabotagem e quantas mais trucul�ncias o adestramento de combate inclua, no momento de passar � a��o transmite a ordem, n�o a eles, mas a um funcion�rio civil? Seria o embaixador um agente mais qualificado do que os militares para convocar e acionar os executores da ordem homicida? A coisa � t�o est�pida que raia o impens�vel. Menos ainda haver� explica��o razo�vel para o fato de que, ao enviar � embaixada de Lisboa o memorando assassino em vez de remet�-lo a destinat�rio mais apropriado, o chefe da conspira��o urdida em altos c�rculos federais ainda fizesse tirar c�pias do sigiloso documento para uma reparti��o estadual paulista... Por�m o mais inveross�mil da trama � a v�tima. Por que, em pleno processo de abertura democr�tica, o governo se comprometeria numa arriscada opera��o para mandar matar, no exterior, um inimigo esquecido, aposentado, pol�tica e militarmente in�cuo? J� em 1964 a agressividade do almirante Arag�o contra o novo regime revelara ser apenas um blefe, quando sua amea�a de invadir o Pal�cio das Laranjeiras com um batalh�o de fuzileiros navais se desfez como por m�gica ante a simples rea��o verbal en�rgica do governador Carlos Lacerda. Se, � frente de tropas armadas, tudo o que ele conseguiu fazer foi sair da hist�ria para entrar no esquecimento, que milagre poderia tornar t�o tem�vel, onze anos depois, esse velho bal�o furado?� N�o, um plano governamental para transmutar um almirante de opereta em m�rtir da causa esquerdista seria insensato demais, contraproducente demais, suicida demais para que pud�ssemos acreditar nele � primeira vista, confiados na pura autoridade de meninos uspianos, ansiosos para acrescentar a contribui��o da sua criatividade pessoal ao filme de Bela Lugosi em que a m�quina esquerdista de desinforma��o vem transformando a hist�ria - digamos que o seja - do per�odo militar. Por fim, resta o fato de que as v�timas, ap�s a data fat�dica, continuaram passando bem e ignorando por completo a sua morte anunciada... Tudo isso prova, no m�nimo, que a acusa��o � duvidosa e sua divulga��o afoita. Se nem mesmo uma simples den�ncia jornal�stica se exime do dever de ser inspecionada "pelos dois lados" antes de estampar-se em manchete, por que uma revela��o hist�rica que se arroga foros de seriedade acad�mica deveria ser alardeada pela TV antes de submeter-se � inspe��o de historiadores profissionais alheios ou antag�nicos � f� ideol�gica de seus autores?
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