Tentando enxergar
Olavo de Carvalho
A recente pesquisa do Ibope, na qual 55% dos eleitores clamam por uma revolu��o socialista no Brasil, fala por si. Mas, para melhor captar o alcance da sua significa��o no presente momento hist�rico, � preciso real�ar os seguintes pontos. Primeiro. A popula��o consultada n�o disse simplesmente �socialismo� (o item �socialismo� foi objeto de uma pergunta em separado), nem muito menos �transi��o pac�fica para o socialismo�. Disse �revolu��o socialista�, o que indica claramente sua disposi��o de aceitar, como coisa normal e desej�vel, todo o cortejo de crueldades e horrores inerente a essa modalidade de transforma��o pol�tico-social. Nenhuma revolu��o socialista se fez at� hoje sem genoc�dio, que chegou, no caso chin�s, � extin��o de dez por cento da popula��o local. Isso equivaleria, aqui, a dezesseis milh�es de brasileiros. A morte dessas pessoas j� parece, � maioria do nosso eleitorado, um pre�o m�dico a pagar pelo prazer de viver na China. Segundo. Nenhuma revolu��o socialista se realizou, at� hoje, com a garantia de tamanho respaldo popular. Isto garante, ao primeiro governo revolucion�rio do Brasil, os meios para impor, sem muita rea��o adversa, as leis e controles que bem entenda. A minoria refrat�ria ter� contra si n�o apenas a for�a repressiva do Estado, mas a ira popular. Por exemplo, a constitui��o de uma rede de espionagem interna, com volunt�rios civis, ter� aqui pelo menos tanto apoio quanto teve na Venezuela de Ch�vez, a qual, com isso, se aproxima velozmente da taxa cubana de um espi�o do governo para cada 28 habitantes. Terceiro. Refletindo o sucesso obtido por trinta anos de �revolu��o cultural� inspirada em Antonio Gramsci, a convers�o maci�a do eleitorado brasileiro ao socialismo revolucion�rio �, ela mesma, um momento capital do processo revolucion�rio, o qual j� est�, portanto, em pleno curso de realiza��o, como o compreender� quem quer que conhe�a algo da estrat�gia tra�ada pelo fundador do Partido Comunista Italiano. Quarto. Ao preconizar uma revolu��o socialista como �solu��o� para os atuais problemas do pa�s, imaginando-o portanto como um ideal a ser realizado no futuro, aquela parcela majorit�ria do eleitorado mostra n�o ter a menor id�ia de que j� est� em plena revolu��o, e muito menos de que os problemas que a angustiam no momento presente, longe de ser males que a revolu��o possa curar, s�o sintomas e etapas do processo revolucion�rio mesmo. A�, novamente, a f�rmula anunciada pelo estrategista italiano est� seguida � risca: o que ele denomina �revolu��o passiva� � precisamente essa etapa de lusco-fusco, essa noite da consci�ncia, esse torpor agitado e sombrio em que uma popula��o semi-hipnotizada faz a revolu��o sem perceber e, quando acorda, j� est� sob o dom�nio do Estado comunista. Como jamais a estrat�gia gramsciana foi tentada em t�o larga escala, tamb�m jamais se observou, na hist�ria dos tempos modernos, um fen�meno t�o vasto de cegueira coletiva. Quinto. O governo comunista, ao constituir-se, j� ter� de imediato nas m�os, al�m da cumplicidade popular, quatro instrumentos decisivos para consolidar velozmente o seu poder, desarticulando, no ato, qualquer possibilidade de oposi��o: (a) o controle dos meios de comunica��o, propaganda e ensino, atrav�s da organizada milit�ncia instalada na m�dia e na rede de escolas de todos os n�veis; (b) a obedi�ncia garantida e zelosa da burocracia estatal, j� devidamente doutrinada e amestrada atrav�s dos sindicatos de funcion�rios p�blicos; (c) o controle da Zona Rural, atrav�s da bem treinada milit�ncia do MST; (d) uma legisla��o fiscal habilitada a �colocar o empresariado de joelhos� com a velocidade com que Hitler, autor dessa express�o, o fez na Alemanha. Sexto. Com exce��o do controle da m�dia, todos os demais itens apontados no par�grafo anterior, inclusive o dom�nio do sistema educacional, foram servidos � lideran�a gramsciana, de bandeja, pelo atual governo. Este, portanto, longe de constituir �o advers�rio� a ser derrubado pela revolu��o, vem sendo no sentido mais estrito do termo aquilo que no jarg�o revolucion�rio se denomina �governo de transi��o para o socialismo�, tendo representado, portanto, exatamente o papel que alguns anos atr�s o cientista pol�tico Alain Touraine, t�o respeitosamente ouvido pelo nosso presidente da Rep�blica, recomendou que ele consentisse em representar no palco da hist�ria, caso n�o quisesse desempenhar o de v�tima inerme de um processo irrevers�vel. Sendo o nosso presidente homem versado na estrat�gia gramsciana � e ele se gaba de ser um dos mais versados � � imposs�vel que ele n�o esteja consciente do papel que escolheu; e ele pr�prio deu mais uma prova disso ao explicitar seus atos em palavras, aconselhando � na��o que n�o hesite em curvar-se ao destino previsto, como ele pr�prio se curvou. Para a perfei��o integral do poder revolucion�rio, falta apenas um item: o apoio das For�as Armadas. Ele � dif�cil de obter, em vista de feridas hist�ricas ainda n�o cicatrizadas, mas talvez possa ser, em parte, alcan�ado mediante a manipula��o de ressentimentos e ambi��es nacionalistas � que h�beis agitadores civis v�m tratando de providenciar � e, em parte, substitu�do pela neutraliza��o e enfraquecimento da classe militar, que o atual governo j� providenciou. Se me perguntarem como esse processo pode ser detido, responderei que, obviamente, n�o sei. Mudar o curso da hist�ria est� al�m das minhas pretens�es: elas se resumem, no momento, em tentar enxerg�-lo. E notem que, no meio da cegueira geral, isso j� � muito para um pobre observador humano.
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