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O rock do brasileiro doido

Olavo de Carvalho
Época, 3 de fevereiro de 2001

 

�Desencontrado, eu mesmo me contesto�
(Chico Buarque de Hollanda, em Calabar)

O que aconteceu no Rock in Rio � a imagem viva da esquizofrenia nacional. O sujeito se veste de americano, pula e dan�a o dia inteiro ao som da m�sica americana e, quando v� na tela a bandeira dos Estados Unidos, se inflama de brios patri�ticos e brada contra o colonialismo cultural. Depois continua pulando � e joga latas de protesto na cabe�a de Carlinhos Brown quando ele quer estragar o festival de americanidade tocando m�sica baiana. J� viram uma coisa dessas? � Ol�vio Dutra tomando Coca-Cola numa cuia de chimarr�o � para disfar�ar � e fazendo um discurso contra a ��gua negra do imperialismo�.

Mas, no F�rum Social de Porto Alegre, a imagem adquiriu corpo, vida e movimento: entre vaias e apupos � Nova Ordem Mundial, a ilustrada assembl�ia manifestou seu amor ao direito trabalhista global, ao desarmamento civil, �s quotas raciais preferenciais e ao controle da internet � quatro quintos do programa da Nova Ordem Mundial. O quinto restante foi objeto de debates s� porque os participantes querem fazer tudo isso com os m�todos econ�micos de Cuba, do Vietn� e da Cor�ia do Norte, o que certamente n�o ser� motivo de discuss�o por muito tempo, j� que a Nova Ordem Mundial sabe respeitar a independ�ncia das na��es e larg�-las sozinhas, num arrabalde infecto, quando elas fazem uma op��o preferencial pelo suic�dio. Com a maior tranq�ilidade, ela virou as costas aos povos da �frica, que gritavam de revolta contra o capitalismo internacional que n�o os largava e hoje espumam de �dio contra o capitalismo internacional que os abandonou. No futuro Brasil socialista, quando estivermos disputando a tapa uma perna de rato, Ol�vio Dutra, exibindo indignado uma lata de Coca-Cola vazia, dir� que � tudo culpa da maldita Ford que o deixou na m�o quando ele mais precisava dela.

Quando digo que este pa�s est� louco, insano, necessitado de urgentes cuidados psiqui�tricos, as pessoas pensam que estou brincando. Mas vejam o n�mero de nossos compatriotas que nos anunciam o socialismo com a seriedade e a compenetra��o de quem tivesse nas m�os um rem�dio salvador. O Estado socialista mais rico e poderoso que j� existiu foi a URSS. Era a segunda pot�ncia industrial do mundo. Se o Brasil implantar o socialismo hoje, levar� meio s�culo, na melhor das hip�teses, para alcan�ar o patamar de desenvolvimento que a URSS havia escalado quando, em 1991, veio ao ch�o. Qual a altura desse patamar? Segundo dados oficiais, o cidad�o m�dio sovi�tico, em 1987, recebia metade da ra��o de carne que o s�dito do czar comia em 1913. Os negros sob apartheid na �frica do Sul tinham mais carros per capita que os sovi�ticos. Em 1989, sem guerra nem nada, havia racionamento de comida em Moscou. A fam�lia m�dia (m�dia, n�o pobre) de quatro pessoas espremia-se num c�modo de 3 metros quadrados, como nossos favelados. O oper�rio, trabalhando um ano inteiro, ganhava metade do que uma m�e americana desempregada recebia por m�s do servi�o social. Tudo isso, � claro, nas regi�es mais desenvolvidas. Na periferia � Uzbequist�o e Tadjiquist�o, por exemplo � 93% das casas n�o tinham esgoto e 50% nem �gua encanada. A atmosfera era a mais polu�da da Europa e os investimentos em sa�de os mais baixos do mundo industrializado.

Mas o socialismo ao qual os brasileiros est�o pedindo receitas de prosperidade n�o � nem o da URSS. � o de Cuba, da Cor�ia do Norte, do Vietn�, lugares aonde um russo s� ia por aquele esp�rito de sacrif�cio patri�tico com que um oficial ingl�s do s�culo passado, abandonando o conforto de seu clube londrino, se aventurava nas matas do Sud�o, entre mosquitos e orangotangos, pela gl�ria da Rainha. E ainda dizem que o doido sou eu.