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A m�o direita da esquerda

Olavo de Carvalho
O Globo, 9 de junho de 2001

 

Desde o fim da URSS, a esquerda nacional tem-se empenhado dia e noite em advertir os nossos nacionalistas � especialmente os das For�as Armadas � contra o perigo do mundo unipolar e em persuadi-los a tornar-se esquerdistas por patriotismo. H� pessoas que vivem disso, e h� pessoas � at� nas For�as Armadas � que acreditam nelas. Mas s� um perfeito idiota n�o percebe que a pot�ncia dominante que nos imp�e as pol�ticas econ�micas contra as quais a esquerda se bate � a mesma que nos imp�e o politicamente correto, o abortismo, o feminismo, o ecologismo e, enfim, todos os modelos culturais que constituem o restante do programa da pr�pria esquerda.

Muito menos � poss�vel a um c�rebro medianamente s�o deixar de notar que as funda��es e empresas multimilion�rias que subsidiam a difus�o desses novos modelos de conduta s�o as mesmas que, por outro lado, sustentam a implanta��o da Nova Ordem Mundial e das tais pol�ticas econ�micas que os ap�stolos desses modelos alardeiam execrar.

E quem quer que perceba essas duas coisas n�o tem como evitar a conclus�o de que o mundo unipolar � ainda mais unipolar do que os porta-vozes da esquerda desejariam dar a entender. T�o unipolar, que dele prov�m n�o somente as propostas que a esquerda odeia, mas tamb�m as que ela ama e personifica. E dele, igualmente, vem o dinheiro para subsidiar a implanta��o de uma coisa e da outra.

A esquerda, em suma, utiliza-se de um vocabul�rio estereotipado da �poca da bipolaridade para iludir os nacionalistas, desorient�-los e subjug�-los � estrat�gia mundialista, atraindo seus ataques numa dire��o falsa para que n�o atinem com a verdadeira. O componente essencial desse vocabul�rio � a velha identifica��o do �norte-americano� com o �liberal-capitalista�, da qual decorre, automaticamente, a confus�o do nacionalismo com o estatismo, o Estado previdenci�rio e, �last not least�, o socialismo.

� com a finalidade de legitimar esse brutal engano que o discurso corrente dos homens de esquerda contra o FMI e a Nova Ordem Mundial apresenta estes dois fen�menos como se fossem a quintess�ncia do liberal-capitalismo e n�o, precisamente ao contr�rio � como o demonstra a hist�ria � inven��es puramente socialistas destinadas a estrangular, junto com a liberdade econ�mica, a liberdade pol�tica no mundo. FMI e Nova Ordem Mundial s�o cap�tulos da hist�ria do centralismo avassalador que tudo sacrifica no altar do controle burocr�tico e da economia planificada, os �dolos j� mil vezes desmascarados, de cujos poderes m�sticos a propaganda socialista promete, no entanto, obter a cura de todos os males. Do primeiro, disse seu pr�prio inventor, Lord Keynes, que era �essencialmente uma concep��o socialista�. Quanto � segunda, foi de ponta a ponta uma cria��o do famoso �think tank� londrino do socialismo gradualista que, ap�s passar por v�rias denomina��es, acabou se notabilizando como Fabian Society. Foi um de seus membros mais ilustres o escritor H. G. Wells, que delineou j� em 1928 o programa inteiro da Nova Ordem Mundial e o publicou no seu livro �Conspira��o Aberta�.

�Aberta� � for�a de express�o. �Conspira��o� tamb�m. O socialismo fabiano jamais se envolveu em atentados, com�cios, passeatas, muito menos em conspira��es de por�o. Tudo o que ele faz � preparar intelectuais para coloc�-los em altos postos de assessoria desde os quais possam, discretamente, mas sem nenhum segredo, incutir id�ias socialistas nas cabe�as dos governantes. O esquema foi inventado pelo te�rico Graham Wallas, que com cinco d�cadas de anteced�ncia formulou a estrat�gia gramsciana da �ocupa��o de espa�os� e da �revolu��o passiva� (e dizer que Gramsci ainda passa por g�nio!). A magnitude dos efeitos da coisa contrasta singularmente com a circunspec��o dos meios. Praticamente todos os grandes giros da economia moderna no sentido centralizador e socializante do Estado previdenci�rio foram planejados por socialistas fabianos. S� para dar uma id�ia do alcance da sua influ�ncia, os planos de governo de tr�s dos mais poderosos � e dos mais estatizantes � dentre os presidentes dos EUA, Roosevelt, Kennedy e Johnson, foram diretamente copiados de obras de autores fabianos e adotaram at� seus t�tulos: o �New Deal� de Roosevelt � um livro de Stuart Chase, a �New Frontier� de Kennedy um livro de Henry Wallace, e a �Great Society� de Johnson um livro do pr�prio Graham Wallas.

Malgrado seu estilo soft, antes social-democr�tico que comunista, os fabianos sempre consideraram a URSS uma valiosa aliada na sua luta contra o liberal-capitalismo. No fundo, ela foi bem mais que isso: desertores da KGB informaram que pelo menos um dos livros de Sidney Webb, o mais c�lebre presidente da Fabian Society, n�o foi escrito por ele, mas veio pronto do Minist�rio das Rela��es Exteriores sovi�tico. � compreens�vel. Muito antes de Gramsci, a URSS tamb�m j� havia descoberto as virtudes do gradualismo reformista que, pelo alto e no macio, socializa o mundo mais depressa do que poderiam faz�-lo alguns milhares de Ches Guevaras � os aut�nticos bois de piranha do �nico socialismo que sai sempre vencedor.

A suprema vantagem do m�todo discreto � que, quando os engenhosos planos estatizantes de intelectuais socialistas desconhecidos do pov�o fazem por fim pesar sobre o bolso das massas o custo imensur�vel da sua tolice, nunca faltam na pra�a intelectuais de esquerda radical, que, ignorando ou fingindo ignorar tudo do trabalho de seus parceiros fabianos, lan�am a culpa do desastre... no capitalismo liberal!

N�o veja a tua m�o esquerda o que faz a tua direita, ensina a B�blia. O socialismo tem a sua pr�pria vers�o demon�aca desse ensinamento: n�o vejam as tuas massas barulhentas o que fazem os teus aliados silenciosos � e assim, n�o sabendo quem as oprime, elas descarregar�o sua f�ria no bode expiat�rio que melhor convenha � tua estrat�gia.

Resta saber apenas se os nossos nacionalistas � sobretudo os das For�as Armadas � consentir�o em reduzir-se ao papel de massas manipuladas.