O que � falta de decoro?
Olavo de Carvalho
Ao executar cassa��es prematuras de mandatos, o Congresso inibe a justi�a e corrompe o senso moral N�o conhe�o o senhor Luiz Estev�o e n�o acompanhei os detalhes de sua cassa��o. Mas, em princ�pio, qualquer negociata � menos imoral que o castigo pol�tico infligido a um parlamentar por seus pares antes de transitada em julgado a senten�a que o condena. Na �nsia de destruir-se para n�o se tornar suspeito de favorecer-se, o Congresso, quando n�o tem provas de corrup��o, apela ao subterf�gio da "falta de decoro parlamentar" e cassa per fas et per nefas. Mas desde quando ser acusado � falta de decoro? O decoro ou a falta dele residem no que um homem faz, n�o no que os outros dizem dele, ainda que quem o diz seja um promotor p�blico. Na vida civil, haver� falta de decoro em mexer com a mulher do pr�ximo ou em simplesmente ser acusado de faz�-lo? Indecoroso n�o � ser acusado. � tomar a acusa��o como prova. N�o vejo por que deva ser diferente na vida pol�tica. N�o se trata de defender o senhor Estev�o, do qual, repito, nada sei. Trata-se de devolver �s palavras "moralidade" e "justi�a" seu sentido. Hoje elas s�o sin�nimos de carrancas punitivas. Mas, para que se tenha uma id�ia de quanto essa sinon�mia � falsa, vou contar um epis�dio. Lembram-se da CPI dos An�es do Or�amento? Foi a mais ampla, a mais espetaculosa a mais pretensiosa, apregoando-se de acontecimento hist�rico. A testemunha-chave era um tal de Jos� Carlos, execr�vel contador da Comiss�o de Or�amento. Ele informou que, dos dois "esquemas de corrup��o" ent�o investigados - um ligado ao desvio de verbas de assist�ncia social, o outro ao favorecimento il�cito de empreiteiras -, tudo sabia do primeiro, por ser ele pr�prio quem contabilizava a safadeza, e nada do segundo, do qual s� tivera not�cia por ouvir dizer. Nada menos de 16 vezes, durante o exaustivo bombardeio de perguntas, ele repetiu: "Pessoalmente, nada sei de empreiteiras". Pois bem: como isso foi noticiado na imprensa? No dia seguinte, todos os jornais brasileiros, todos, com exce��o de O Globo e da Folha de S.Paulo, trouxeram estampada a manchete: "Jos� Carlos confirma den�ncias contra empreiteiras". Que fizeram, em resposta, os parlamentares? Acusaram a imprensa de falsear as not�cias e tentar manipular a CPI? Nada disso. Nem um pio. S� sorrisos diante das lentes dos fot�grafos. N�o h� justi�a, n�o h� seriedade, n�o h� honestidade onde os pol�ticos se rebaixam ante a m�dia a ponto de negar o que seus olhos v�em, o que seus ouvidos ouvem, para dizer am�m ao que saiu publicado.
Muito menos h� justi�a, honra ou amor � verdade quando se destr�i a
carreira pol�tica de um suspeito, intimidando, de quebra, os
magistrados que o julgar�o. Pois qual juiz ter� a coragem suicida de
avaliar com independ�ncia uma causa que j� foi julgada por todos?
Qual ousar�, em caso de inoc�ncia do r�u, assinar uma senten�a que
sujeitar� a imprensa, o Congresso, virtualmente a na��o inteira a
processos por crime de cal�nia e difama��o, com obriga��o de
ressarcimento � v�tima por danos morais? Num tempo em que
"coragem" significa posar de bom menino para as c�meras,
sob os aplausos gerais e a prote��o do lado mais forte, esse juiz
n�o pode existir. Mas, se ele n�o existe, tamb�m n�o existe
justi�a. |