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007, Debi e L�ide

Olavo de Carvalho
O Globo, 13 de outubro de 2001

 

Nada como a ignor�ncia para tornar um povo d�cil � propaganda. Privado de informa��es substanciais sobre o movimento comunista, o leitor brasileiro de hoje aceita como jornalismo de alto n�vel toda a tagarelice esquerdista grosseira que antigamente s� sairia em �Voz Oper�ria� ou �Novos Rumos�.

Depois da farsa articulada por promotores p�blicos e jornalistas para usurpar das For�as Armadas o controle de seus servi�os de intelig�ncia, agora vem uma artificiosa opera��o destinada a fomentar entre os brasileiros a onda de antiamericanismo t�o ardentemente sonhada pelos Bin Ladens de todos os continentes.

A coisa come�ou no �Jornal do Brasil� de 7 de outubro, com uma entrevista por telefone com um tal sr. Robert Muller Hayes, apresentado como ex-agente da CIA lotado no Brasil durante o regime militar. Segundo os dois rep�rteres que o entrevistaram, esse cidad�o, em depoimento secreto ao Senado americano em 1987, �revelou um plano, elaborado em 1976 por colaboradores da CIA, para realizar um atentado que seria atribu�do �s organiza��es de esquerda�.

N�o ocorreu aos entrevistadores perguntar ao sr. Hayes por que o governo americano arriscaria seus agentes num golpe de teatro destinado a fazer de conta que a esquerda brasileira jogava bombas, num momento em que ela de fato as jogava em profus�o. S� at� 1968 -- antes do endurecimento pol�tico que veio a servir de pretexto retroativo para legitimar a viol�ncia esquerdista -- 84 delas j� tinham explodido. Com tantas provas aut�nticas na m�o, nenhum servi�o de intelig�ncia pensaria em inventar uma falsa. S� um servi�o de burrice.

O conhecimento, dizia Arist�teles, come�a com o espanto. Quando um rep�rter aceita prima facie uma esquisitice dessas, sem rea��o, sem uma pergunta sequer, ent�o das duas uma: ou ele n�o quer conhecimento nenhum, ou � por sua vez agente secreto de um servi�o de burrice.

Mas a estranheza do sr. Hayes n�o p�ra a�. H� o tal depoimento secreto. Dizem que houve um, mas n�o revelam se foi divulgado ou se continua secreto. Na primeira hip�tese, por que ele n�o aparece? Na segunda, ele s� � conhecido pelas declara��es do sr. Hayes ao JB e a prova da sua exist�ncia repousa inteiramente na confiabilidade do entrevistado. Mas testar essa confiabilidade nem foi preciso, pois o pr�prio sr. Hayes se incumbiu de reduzi-la a zero ao confessar que trabalhou tanto para a CIA quanto para a Alemanha Oriental (comunista). Como � poss�vel que dois rep�rteres maiores de idade ou�am um sujeito confessar que era agente duplo, e nem lhes ocorra perguntar se suas a��es no Brasil n�o eram tamb�m duplas? Pois, se o tipinho servia aos americanos e aos comunistas, como saber se sua tarefa era a de montar atentados para inculpar os comunistas ou a de simular malvadezas da CIA para inculpar os americanos?

Mas o mais lindo est� para vir. Os rep�rteres enaltecem o �curr�culo� de miss�es cumpridas pelo sr. Hayes para os servi�os secretos dos EUA, com passagens pela Ag�ncia de Seguran�a do Ex�rcito (ASA), pela Ag�ncia Nacional de Seguran�a (NSA), pelos Boinas Verdes e pelo FBI. S� depois dessa longa e ins�lita experi�ncia profissional o sr. Hayes teria entrado na faculdade, sendo ent�o designado para espionar agita��es acad�micas, tarefa que ele cumpriu com o seguinte crit�rio: �Se um professor me desse uma nota ruim, eu dizia que ele era comunista.� Ou seja: primeiro o sujeito adquire uma requintada forma��o nos servi�os de intelig�ncia e depois o governo n�o exige dele sen�o uma tarefa vulgar de delator estudantil, aceitando que a cumpra com o rigor t�cnico do Agente 86.

Mal publicada essa idiotice, deputados esquerdistas j� se mobilizam, no Congresso, para cobrar explica��es oficiais do governo americano, precipitando uma crise favor�vel ao terrorismo internacional, assim como para extraditar o tal ex-agente da CIA. A� a com�dia ultrapassa os limites do humor humano e assume o tom de uma piada demon�aca. Pois que autoridade teria para apoiar o pedido de extradi��o um partido presidido por um ex-espi�o cubano? Sim, se o sr. Hayes � apenas um 007 hipot�tico com uma hist�ria absurda, a bela carreira do dr. Jos� Dirceu como agente da intelig�ncia militar cubana � coisa certa e de dom�nio p�blico.

Para piorar, o JB, na edi��o do dia 10, procura legitimar sua hist�ria mediante a aprova��o que lhe d� o sr. Philip Agee, exibido como autoridade no assunto. No fim, bem no fim da mat�ria, discretamente, o jornal reconhece que Agee �foi acusado de ter oferecido informa��es para a KGB�. Isso � que � eufemismo. Agee foi de fato acusado em 1997. Mas hoje h� mais que acusa��es: h� a prova documental, sa�da diretamente dos arquivos da KGB e exposta em �The Sword and The Shield: The Mitrokhin Archives�, de Christopher Andrew, publicado em 1999. Agee era, sim, homem da KGB, e � ainda um agente da desinforma��o comunista. Agora ele mora em Cuba, onde ganha para embelezar a imagem do regime de Fidel Castro, e continua sonhando com sua velha �campanha mundial para desestabilizar a CIA�. Essa campanha, iniciada com grande alarde em 1975, pifou na d�cada de 80. Quem diria que, justamente num momento em que os terroristas em apuros tanto precisam dela, a defunta viria a renascer nesta parte do Terceiro Mundo pelas m�os de Debi e L�ide do jornalismo nacional?

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PS -- Colaborador e executor do Plano de Metas do governo JK, criador do BNDES e do Estatuto da Terra, inventor do plano de reestrutura��o econ�mica que possibilitou tirar da faixa de pobreza mais de 30 por cento da nossa popula��o, Roberto Campos fez mais por este pa�s do que qualquer outro intelectual brasileiro da sua gera��o. Mesmo que sua li��o tivesse vindo somente pelo exemplo e n�o por milhares e milhares de p�ginas de luminosa gra�a e potente erudi��o, ele j� teria sido um aut�ntico instrutor e guia da sua p�tria: Magister patriae . Em retribui��o, foi tamb�m o mais caluniado, desprezado e aviltado personagem em meio s�culo de Hist�ria do Brasil. E n�o s�o coisas de jornais velhos. Ainda circulam livros did�ticos que o mostram �s crian�as com as fei��es de um Dr�cula da economia. Mas, com todos esses quil�metros de papel sujo, seus detratores jamais conseguiram intimid�-lo, perturb�-lo ou extinguir seu bom humor. Conseguiram apenas fazer de si mesmos, coletivamente, um monumento � impot�ncia da cal�nia e � gl�ria do caluniado.

O dr. Roberto n�o estava somente fora do alcance das palavras dessa gente: estava al�m do seu c�rculo de vis�o. Ele foi, num ambiente de crian�as perversas, um dos raros exemplares brasileiros do spoudaios -- o �homem maduro� da �tica de Arist�teles -- que, tendo feito da objetividade o seu estado de �nimo natural, encarna a autoridade da raz�o e por isto est� apto a fazer o bem ao seu pa�s. O nome disso � humildade. Pois a humildade, dizia Frithjof Schuon, no fundo � apenas senso do real.