Doutrina��o difusa
Olavo de Carvalho
Um p�blico que est� contaminado de doutrina��o marxista at� a medula n�o tem, por isso mesmo, a menor id�ia de que est� sendo doutrinado. A primeira etapa da doutrina��o � puramente cultural, difusa, e n�o visa a incutir no sujeito a menor convic��o pol�tica expl�cita, mas apenas a moldar sua cosmovis�o segundo as linhas b�sicas da filosofia marxista, sem este nome, naturalmente, e apresentada como se fosse "o" conhecimento em geral. Com exce��o de um reduzid�ssimo n�mero de intelectuais que estudaram criticamente o movimento comunista e das pessoas demasiado pobres que n�o receberam educa��o nenhuma, s�o raros os cidad�os brasileiros que j� n�o estejam conquistados para essa vis�o do mundo, no m�nimo por desconhecer que ela � uma vis�o e n�o o pr�prio mundo. Em especial, a explica��o da hist�ria com base no esquema marxista das classes sociais economicamente definidas, que � o terreno pr�vio para uma doutrina��o mais ativa, j� se pode considerar definitivamente integrada nos esquemas de pensamento da m�dia e da popula��o instru�da, ao ponto de que ningu�m, a�, tem a consci�ncia de que ela � apenas uma teoria entre outras e todos a tomam como se fosse um traslado direto da realidade vivida. Por menos que ela coincida com a efetiva distribui��o das for�as no panorama social brasileiro, o cidad�o espontaneamente apela aos seus conceitos b�sicos - se n�o � sua nomenclatura - para expressar o que acha que se passa na sociedade. Assim, por exemplo, a burocracia estatal, em vez de ser encarada como uma for�a aut�noma - o que � um tra�o caracter�stico da sociedade brasileira - e embora nela se recrute a maior parte da milit�ncia esquerdista, se tornou invis�vel o bastante para que os efeitos de suas a��es sejam atribu�dos � "classe dominante", compreendida no sentido de "os ricos" ou "os capitalistas". A classe m�dia, que abrange 46% da nossa popula��o e inclui a quase totalidade das pessoas politicamente atuantes (sobretudo na esquerda), n�o tem nenhuma consci�ncia de si como entidade distinta, mas cada um, dentro dela, espontaneamente divide o quadro social entre os "os ricos" e os "os pobres", tomando os discursos partid�rios como se fossem tradu��es fi�is das realidades sociol�gicas subjacentes e catalogando-se a si mesmo na classe dos pobres, sem reparar que os pobres o colocam na classe dos ricos e, na verdade, o invejam e o odeiam mais do que a qualquer banqueiro. A aliena��o entre a realidade social e o discurso de auto-explica��o, em tais circunst�ncias, � total. Com igual facilidade, a compreens�o das id�ias como express�es estereotipadas de interesses de classe � projetada sobre a imagem do nosso passado hist�rico, passando como um trator sobre o fato, facilmente comprov�vel mas marxisticamente inexplic�vel, de que no Brasil os discursos ideol�gicos quase nunca coincidem com os interesses objetivos das classes sociais envolvidas. Na educa��o p�blica, nos livros, nos programas pretensamente educativos da TV, a redu��o marxista das cria��es culturais a superestruturas dos interesses de classe j� est� t�o profundamente integrada no vocabul�rio corrente que quem deseje apresentar alguma outra vers�o da hist�ria n�o tem nem por onde come�ar a se explicar e pode at� cair no rid�culo ao bater de frente com o "senso comum" (no sentido gramsciano do termo). De maneira bastante compreens�vel, mas nem por isto menos ir�nica, quanto mais limitado o horizonte de uma pessoa esteja aos c�nones da vulgata marxista, mais ela reagir� com quatro pedras na m�o � den�ncia de que existe propaganda do marxismo no Brasil e, mais ainda, � id�ia de que os comunistas tenham algum poder entre n�s. Ser invis�vel, j� dizia Ren� Gu�non, � da ess�ncia mesma do poder. Uma segunda fase da doutrina��o � a que vai associar, ao estere�tipo das classes, os valores morais e emocionais necess�rios a despertar rea��es de agrado ou desagrado conforme o discurso ouvido soe de maneira a parecer associado aos "interesses de classe" dos bondosos pobres ou dos malvados ricos, por menos que, objetivamente, tenham algo a ver com isso. O discurso em favor da livre empresa, por exemplo, embora objetivamente fale em favor da imensa popula��o pobre que vive da economia informal, � rejeitado como defesa dos interesses da "elite" e das multinacionais, enquanto o discurso estatizante, embora n�o arranhe no mais m�nimo que seja os interesses das classes ricas e de fato fortale�a a burocracia onipotente que reduz o pa�s � pobreza mediante uma carga tribut�ria escorchante, � facilmente aceito como tradu��o dos interesses dos "exclu�dos". Da aliena��o passa-se ent�o � alucina��o, mas, n�o por coincid�ncia, a pr�pria ang�stia decorrente do vago pressentimento da loucura � em seguida explorada para gerar mais �dio � imagem estereotipada da "classe dominante", responsabilizada por todos os males e personificada em indiv�duos e grupos que, na verdade, n�o s�o dominantes de maneira alguma e funcionam como puros bodes expiat�rios, como por exemplo os militares. A tal ponto os s�mbolos convencionais se substituem � percep��o dos fatos que um acontecimento como o F�rum Social Mundial, em Porto Alegre, � passivamente aceito pelo seu valor nominal de manifesta��o antiglobalista, malgrado o apoio que recebe da ONU, o cora��o da Nova Ordem Mundial, bem como da rede mundial de ONGs que est�o para a ONU como as veias e art�rias est�o para o cora��o. PS - Tendo outras coisas a dizer neste meu espa�o semanal em vez de gast�-lo para rebater a nova investida caluniosa de dona Cec�lia Coimbra (O GLOBO, 20 de janeiro), mas ao mesmo tempo repugnando-me toda afeta��o de sil�ncio superior, coloquei uma resposta a ela e a seus comparsas no meu website, http://www.olavodecarvalho.org, onde mostro como essa senhora, por in�pcia furiosa, prova o que queria desmentir e desmente o que queria provar. E, doravante, chega de explica��es: qualquer nova tentativa de fazer do meu artigo "Tortura e terrorismo" uma apologia da tortura ser� respondida diretamente com um processo judicial.
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