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Crescendo em sil�ncio

Olavo de Carvalho
Época, 16 de junho de 2001

 

Quanto mais forte o comunismo se torna no Brasil, menos se pode falar dele

 

Nunca no mundo se publicaram tantos e t�o bons livros sobre o comunismo quanto nestes anos que se seguiram ao desmantelamento da URSS. O motivo � �bvio: a abertura, ainda que parcial, dos Arquivos do Comit� Central do PCUS, um tesouro inesgot�vel para os estudiosos. N�o � de espantar que, rompida a barreira do segredo estatal, tantos investigadores se precipitem sobre os registros de um passado macabro para decifrar o que foi certamente um dos maiores mist�rios da Hist�ria humana: a genuflex�o volunt�ria de milh�es de homens cultos ante o altar de uma doutrina grotesca, assassina e intrinsecamente absurda.

Todos os paradoxos, todas as contradi��es da alma humana se espremem e se fundem na composi��o desse mist�rio de iniq�idade: compreend�-lo para n�o reencen�-lo � o dever n�mero 1 de quem tenha assimilado a li��o de S�crates segundo a qual �uma vida n�o examinada n�o � digna de ser vivida�.

Mas o que espanta n�o � a onda mundial de curiosidade que fez de Moscou a meca dos historiadores. � o absoluto desinteresse que, no Brasil, se op�e � divulga��o de suas descobertas.

Mais que depressa, no come�o dos anos 90, no Brasil o comunismo foi decretado coisa do passado, e quem se interessasse em relembrar-lhe os crimes e atrocidades se tornava suspeito de fanatismo macarthista, se n�o de obsess�o monoman�aca merecedora de cuidados psiqui�tricos. Esquecer, silenciar � ou na melhor das hip�teses despedir-se do assunto com meia d�zia de lugares-comuns aceitos como explica��o definitiva � tornou-se uma lei natural a que somente os anormais poderiam furtar-se.

Mas anormal, digo eu, � um c�rebro capaz de julgar mera coincid�ncia que essa d�cada de esquecimento do comunismo fosse tamb�m a de maior expans�o da influ�ncia comunista sobre os destinos do pa�s.

N�o me refiro s� ao crescimento eleitoral da esquerda. Refiro-me � conquista do monop�lio da prega��o pol�tica nas escolas (onde a hip�tese de um discurso anticomunista � hoje inconceb�vel) e � consolida��o de certos direitos morais adquiridos que s�o ostensivamente negados ao restante da popula��o.

Um movimento comunista abertamente violento � hoje aceito como parceiro do Estado sem precisar sequer de registro legal. Pol�ticos comunistas podem associar-se a quadrilhas de traficantes sem ser jamais investigados. Grupos comunistas podem bloquear � vontade as vias de comunica��o, sem que ningu�m veja nisso um �bvio exerc�cio de treinamento insurrecional.

Com o apoio ostensivo do governo, os comunistas colocaram-se acima da lei e ainda det�m em suas m�os o monop�lio quase completo dos meios de investigar, denunciar, julgar e condenar. Antes mesmo de ocupar nominalmente o poder, eles j� se tornaram uma classe especial, uma nomenklatura onipotente, arrogante e intolerante. Em conseq��ncia, o simples ato de escrever uns artigos contra eles tornou-se um insulto, uma amea�a, um abuso insuport�vel.

Eis a� a raz�o do desinteresse a que me referi. H� uma direta conex�o de causa e efeito entre a proibi��o t�cita de olhar o passado e a rapidez fulminante com que ele se repete diante de milh�es de olhares sonsos que, n�o o conhecendo, n�o o podem reconhecer. O comunismo �saiu da moda� como as roupas que saem das passarelas para entrar no uso geral e cotidiano. Simplesmente foi preciso mant�-lo fora do horizonte de consci�ncia nacional para que, sem ser incomodado por olhares inquisitivos, ele pudesse crescer � sombra da indiferen�a geral de suas v�timas.

Por isso mesmo interpreto em sentido inverso os conselhos inibidores que me recomendam falar menos do comunismo para n�o parecer maluco ou fan�tico. Diante da grande trag�dia que se prepara, s� um observador morbidamente intimidado se absteria de tocar no assunto para n�o dar a impress�o de estar vendo coisas. E, sinceramente, n�o vale a pena se deixar enlouquecer por mera obsess�o de parecer normal.