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Consciência reprimida: duas notas

Olavo de Carvalho
Zero Hora, 17 de dezembro de 2000

 

1. — A vit�ria obtida pelo jornalista Gilberto Sim�es Pires no processo absurdo e insolente que lhe moveu a secret�ria da Educa��o do Rio Grande do Sul � um marco memor�vel na hist�ria da liberdade de imprensa neste pa�s. No dia 13 de dezembro de 2000, a 5a. C�mara Criminal de Justi�a de Porto Alegre, julgando o pedido de "habeas corpus" impetrado pelo advogado Paulo Couto e Silva, decidiu que n�o � crime dizer que as pessoas que usam crian�as para a propaganda de ideologias violentas est�o fazendo exatamente isso. Amparado nessa decis�o, abdico da vaidade jornal�stica de anunciar novidades e repito apenas o que disse o brilhante comentarista: o governador do Rio Grande do Sul e sua secret�ria da Educa��o se aproveitam de escolares do Rio Grande do Sul como instrumentos para a propaga��o da mais violenta, criminosa e anticrist� das ideologias. E n�o apenas fazem isso: n�o suportam que se noticie que fazem. Mas, por intoler�vel que nos pare�a sua tentativa de obstar a den�ncia de seus atos, ela tem algo de bom: ela prova que, no fundo, essas pessoas t�m consci�ncia moral e sabem que est�o do lado errado. Nesse secreto pudor, nessa  reprimida consci�ncia do bem e do mal, reside toda a esperan�a de que um dia n�o s� o governador ou sua secret�ria da Educa��o, mas todos os esquerdistas rompam os la�os que ainda os prendem a um passado hist�rico deplor�vel, pelo qual pessoalmente n�o t�m culpa alguma, mas de cuja tristeza e desonra se fazem retroativamente, por um gratuito e inexplic�vel masoquismo, os emblemas e monumentos viventes.

� horr�vel observar que um partido nascido da classe oper�ria, inspirado naquele saud�vel reformismo pac�fico que L�nin condenava como v�cio redibit�rio do proletariado quando n�o guiado pela elite revolucion�ria, acabou por se contaminar do radicalismo maquiav�lico da "intelligentzia" at� o ponto de flertar com os narcoguerrilheiros da Col�mbia. � deprimente notar que o grande l�der trabalhista que ainda ontem se solidarizava com a luta dos sindicalistas crist�os da Pol�nia contra o jugo sovi�tico j� n�o se vexa de, transmutada completamente sua identidade ideol�gica e talvez at� pessoal, proclamar como superior exemplo de conduta �tica um tirano repelente que come�ou sua carreira oferecendo seus pr�stimos de pistoleiro para matar em troca de favores.

Mas nem tudo est� perdido: o governador do Rio Grande e sua secret�ria da Educa��o, quando usam crian�as para a propaganda comunista, t�m vergonha de que Gilberto Sim�es Pires conte que eles est�o fazendo isso. E quem tem vergonha de mostrar, � porque, no fundo, tem vergonha de fazer. N�o � insensato, pois, esperar que um dia esse fundo saud�vel venha � tona, rompendo, na sua ascens�o irresist�vel, a carapa�a de falsas virtudes de um partido que, esquecido de si mesmo, trocou a nobre humildade da luta sindical pelas gl�rias baratas do leninismo disfar�ado em "�tica".

2. — O movimento socialista tem-se mostrado t�o incapaz de refrear seu apetite de sangue quanto de aceitar ser julgado pelos mesmos padr�es morais com que condena seu advers�rio. Sua duplicidade de pesos e medidas acabou por lev�-lo � completa perda do senso das propor��es. Reprimindo sistematicamente a consci�ncia de seus pr�prios crimes, ele buscou sempre um al�vio posti�o na cria��o obsessiva de lendas e mitos para dar ao rosto do inimigo fei��es pelo menos t�o monstruosas quanto as suas. J� mencionei aqui uma dessas lendas, o caso Sacco e Vanzetti, uma fraude em toda a linha. Outro mito do mesmo g�nero � a "era McCarthy". A propaganda comunista fez do espalhafatoso senador de Wisconsin algo como uma reencarna��o de Torquemada ou uma c�pia invertida de Beria, um monstro de suspic�cia e impiedade, a enviar para o c�rcere, a tortura e a morte suspeitos de meros delitos de opini�o, entre os quais not�veis intelectuais e artistas.

Pois bem, o famoso Comit� para a Investiga��o de Atividades Anti-Americanas, que McCarthy dirigiu durante dois anos, jamais interrogou um �nico figur�o das letras ou das artes. Suas investiga��es limitaram-se a funcion�rios do governo e cada um deles foi interrogado legalmente, com assist�ncia de advogados e amplo respaldo na imprensa, quase toda ela hostil ao Comit�.

� medida que avan�am as pesquisas hist�ricas nos arquivos da URSS, algumas das acusa��es mais loucas lan�adas pelo senador se revelam hoje brandas e comedidas em compara��o com a verdade. A cumplicidade da elite do Partido Democr�tico com a espionagem sovi�tica j� n�o pode mais ser razoavelmente negada.

Mas, de todos os interrogados por McCarthy, s� dois foram, ap�s o devido processo, condenados � morte: o casal Rosenberg, que transmitira � URSS o segredo da bomba de hidrog�nio, pondo em risco a vida de milh�es de americanos. Ap�s a abertura dos arquivos sovi�ticos, a d�vida quanto � culpabilidade dos Rosenbergs se tornou indefens�vel. Durante o per�odo exato de atua��o de McCarthy, enquanto dois espi�es genu�nos eram condenados nos EUA, nada menos de 3.500.000 dissidentes eram executados na URSS, sem defesa, longe dos olhos da imprensa. Qualquer tentativa de sugerir mesmo uma vaga equival�ncia moral entre mccarthysmo e comunismo �, pois, pura sem-vergonhice ou majestosa ignor�ncia. Para saber mais, leiam "Joseph McCarthy. Reexamining The Life and Legacy of America's Most Hated Senator", do consagrado historiador Arthur Herman (New York, The Free Press, 2000), um livro que voltarei a comentar.