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Origens do comunismo chique

Olavo de Carvalho
Zero Hora, 10 de setembro de 2000

 

J� na d�cada de 20, Stalin, julgando com raz�o que seria muito dif�cil controlar uma revolu��o do outro lado do Atl�ntico, decidiu que o Partido Comunista dos EUA n�o devia ser organizado com vistas � tomada do poder, mas � sustenta��o financeira e publicit�ria do comunismo europeu. Por isso o comunismo americano sempre se dedicou menos � organiza��o do proletariado do que � arregimenta��o de milion�rios, artistas de Hollywood e intelectuais de renome. Para o embelezamento da imagem comunista, era importante que esses �companheiros de viagem� n�o se tornassem membros do Partido, mas conservassem sua figura de personalidades independentes, de modo que suas manifesta��es de apoio, acionadas nos momentos prop�cios, parecessem iniciativas pessoais e livres, ditadas pela coincid�ncia inocente e espont�nea entre os objetivos comunistas e os altos ideais de uma humanidade apol�tica.

O sucesso do novo estilo, que contrastava com a imagem tradicional de austeridade prolet�ria, fez com que fosse adotado tamb�m na Europa Ocidental, marcando toda uma �poca. Mais que uma �poca: o �glamour� do comunismo chique perpetuou um modelo pelo qual ainda se recorta o figurino da intelectualidade mundana em Nova York, invejado e imitado pela macacada letrada do Terceiro Mundo: v�o a uma exposi��o de Sebasti�o Salgado e saber�o do que estou falando.

Pessoas que ignoram esses fatos t�m uma resist�ncia obstinada a acreditar que efeitos t�o vastos possam ter sido planejados por uma elite discreta, quase secreta. Preferem apegar-se � cren�a tola de que tudo acontece espontaneamente � cren�a que repousa na hip�tese de um fluido metaf�sico em vez da a��o concreta de homens atentos e espertos sobre homens distra�dos e tolos. Mas a propaga��o espont�nea tem, sim, algum papel. Os t�cnicos do Comintern, contando com a facilidade com que modas e cacoetes se espalham entre intelectuais mundanos, usavam calculadamente esse efeito e o denominavam �cria��o de coelhos�. ��������

A pr�pria elite �s vezes tem simplesmente sorte. Ningu�m poderia prever que o estilo do comunismo norte-americano iria sobreviver � queda de prest�gio do regime sovi�tico, perpetuando-se sob a forma da �New Left�, que nos anos 60 p�de continuar trabalhando pelo totalitarismo sem que sua bela imagem de independ�ncia fosse contaminada pelo que se passava na URSS. Mas �s vezes tamb�m d� azar. Os dois principais respons�veis pela cria��o do comunismo chique, Karl Radek e Willi M�nzenberg, terminaram mortos por ordem de Stalin, t�o logo o sucesso mesmo da opera��o os tornou in�teis. A id�ia inicial fora concebida por Radek, um dos pioneiros da Revolu��o Russa, e realizada sob a dire��o de M�nzenberg, um g�nio da propaganda.

Para voc�s fazerem uma id�ia da efici�ncia diab�lica de M�nzenberg, basta mencionar que foi ele o criador do mito Sacco e Vanzetti. D�cadas depois do julgamento, demonstrada mil vezes a culpa de um e a cumplicidade de outro no assassinato de um homem desarmado que implorava por piedade, desmascarada a trama publicit�ria pelas confiss�es de membros da equipe de M�nzenberg, o que ainda resta na imagina��o popular � a lenda dos oper�rios inocentes sacrificados por uma s�rdida trama capitalista.

�Expert� em farsas dur�veis, M�nzenberg foi ainda o inventor de outros instrumentos t�picos da propaganda comunista que de tempos em tempos s�o novamente retirados da cartola e sempre funcionam, como o �manifesto de intelectuais�, a passeata de celebridades e, �last not least�, os julgamentos simulados, elei��es simuladas, plebiscitos simulados. A CNBB, portanto, tem por quem puxar. O estilo � o homem.

M�nzenberg foi tamb�m o criador daquilo a que chamava �pol�tica da retid�o�. � um elemento fundamental do comunismo chique: consiste em n�o bater de frente na sociedade democr�tica, mas em parasitar o prest�gio de seus ideais morais, fazendo com que �companheiros de viagem� criteriosamente selecionados posem como seus mais representativos porta-vozes. Assim o apelo a esses ideais pode ser modulado e dirigido conforme os interesses de uma estrat�gia que sutilmente, e como quem n�o quer nada, vai levando a sociedade cada vez mais longe deles e mais perto da revolu��o comunista. Nossas campanhas da ��tica� e �contra a mis�ria� foram apenas a aplica��o dessa t�cnica: nem elevaram o padr�o moral da na��o nem diminu�ram a pobreza, mas criaram a atmosfera na qual, hoje, o treinamento de guerrilheiros � financiado por verbas do governo sem que isto suscite o menor esc�ndalo. O esp�rito de Willi M�nzenberg continua baixando no terreiro pol�tico brasileiro.