Censura, ontem e hoje
Olavo de Carvalho
Agora ela � cient�fica e meticulosa
Comparar a censura dos tempos do governo militar com o sistema gramsciano de controle das informa��es que a esquerda instalou no Brasil � comparar a ger�ncia de um armaz�m de bairro com a administra��o cient�fica de uma multinacional. A censura militar, desde logo, se apresentava ostensivamente como tal e n�o fazia o m�nimo esfor�o para ocultar sua presen�a. Todo mundo sabia que estrofes de Os Lus�adas e receitas de bolos assinalavam fatos suprimidos. Se um jornal, para n�o se prejudicar comercialmente, maquiava as lacunas com not�cias in�cuas, fazia-o porque queria. Ningu�m o obrigava a isso. A censura reconhecia-se como fen�meno anormal e provis�rio, sem a menor ambi��o de manipular as consci�ncias a longo prazo. Em segundo lugar, seu alcance, ao menos de in�cio, era antes policial-militar do que pol�tico. Havia a guerrilha urbana, com seq�estros e atentados por toda parte, e a ordem era impedir que a m�dia se tornasse instrumento de propaganda dos guerrilheiros. Hoje sabemos que eles eram poucos e mal armados, mas na �poca n�o era essa a impress�o que eles pr�prios disseminavam: se procuravam aterrorizar o governo para induzi-lo a sentir-se acuado por uma guerra civil, era sabendo que a rea��o de qualquer governo nessas circunst�ncias seria implantar um estado de exce��o, incluindo o controle das informa��es. Seu c�lculo, como de praxe na estrat�gia comunista, foi duplo: se o governo n�o reagisse, arriscava-se a ser derrotado militarmente; se reagisse, poderia depois ser desmoralizado por d�cadas de gritaria contra a censura. A imensa produ��o historiogr�fico-lacrimal de acad�micos esquerdistas que at� hoje imp�e � consci�ncia nacional uma vis�o falseada daquele per�odo j� estava nos planos desde ent�o: ela � o aproveitamento pol�tico da derrota militar, a continua��o da guerrilha por outros meios. � verdade que mais tarde os cortes se ampliaram, suprimindo not�cias pol�ticas sem liga��o com a guerrilha. Mas, pelo seu pr�prio car�ter aleat�rio e despropositado, muitos desses cortes eram o contr�rio de uma opera��o planejada: era a loucura geral disseminada entre funcion�rios ineptos e apavorados que, sem instru��es precisas, buscavam desesperadamente mostrar servi�o. Em terceiro lugar, a censura agiu exclusivamente sobre a m�dia popular, sem interferir na circula��o de livros (s� uns poucos foram proibidos, porque ensinavam a t�cnica da guerrilha urbana) e de publica��es acad�micas. Por isso, a �poca hoje apresentada como a de mais r�gido controle estatal do pensamento foi a de maior florescimento editorial esquerdista em toda a nossa Hist�ria � muitas vezes com ajuda financeira do pr�prio governo � e a da consolida��o da hegemonia esquerdista nos meios culturais e acad�micos. Objetivo limitado, ren�ncia � influ�ncia de longo prazo, execu��o canhestra por meio de funcion�rios incultos, absten��o quase completa de interfer�ncias profundas na esfera superior das id�ias e da cultura. Tais as marcas que caracterizaram a censura militar, � qual seria um exagero demag�gico dar as dimens�es de uma verdadeira manipula��o das consci�ncias. Em contraste, o controle esquerdista das informa��es, hoje, visa essencialmente ao longo prazo, tem a seu servi�o os mais adestrados profissionais acad�micos, age principalmente por cima, pelo controle das id�ias e da vis�o hist�rica suscet�veis de moldar o futuro, e, sobretudo, � meticuloso no empenho de apagar suas pistas. O espectro de fatos e id�ias cuja circula��o ele bloqueia � imensamente maior que o abrangido pela censura militar, chegando a ocultar da popula��o estudantil brasileira praticamente toda a produ��o dos pensadores liberais e conservadores das �ltimas d�cadas e cap�tulos inteiros da Hist�ria nacional, como por exemplo a participa��o de Cuba na dire��o das nossas guerrilhas, durante 20 anos negada como p�rfida mentira direitista e agora comprovada, sob protestos gerais, pelo corajoso estudo de Denise Rollemberg, Apoio de Cuba � Luta Armada no Brasil (Rio, Mauad, 2001).
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